Apelação Cível - Alvará judicial - Registro de compra e venda de imóvel - Terreno originado de desdobro - Área inferior a 125 m2

Apelação Cível - Alvará judicial - Registro de compra e venda de imóvel - Terreno originado de desdobro - Área inferior a 125 m2

APELAÇÃO CÍVEL - ALVARÁ JUDICIAL - REGISTRO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - TERRENO ORIGINADO DE DESDOBRO - ÁREA INFERIOR A 125 M2 - ART. 4º, II, DA LEI 6.766, DE 1979 - INAPLICABILIDADE - SITUAÇÃO DE FATO JÁ CONSOLIDADA - BOA-FÉ OBJETIVA - APELAÇÃO À QUAL SE NEGA PROVIMENTO

- A área mínima do lote prevista no art. 4º, II, da Lei 6.766, de 1979, é destinada para as hipóteses de loteamento, não cabendo estendê-la à hipótese de simples desdobro.

- Considerando a segurança jurídica que deve emanar dos registros públicos, bem como a situação fática consolidada à luz do princípio da boa-fé objetiva, é autorizado o registro de compra e venda de imóvel originado de desdobro com área inferior a 125 m2.

Apelação Cível 1.0016.14.013519-1/001 - Comarca de Alfenas - 1ª Vara Cível - Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelados: Aécio Lourenço de Assis e Karina Aparecida Becker - Interessado: Cartório de Registro de Imóveis de Alfenas - Oficial Emílio da Silveira Santos - Relator: Des. Marcelo Rodrigues

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 2 de fevereiro de 2016. - Marcelo Rodrigues - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. MARCELO RODRIGUES - Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face da sentença de f. 49/51, pela qual foi deferido o pedido de expedição de alvará para autorizar o registro da compra e venda do imóvel matriculado sob o nº 47.055, na serventia de imóveis da Comarca de Alfenas.

Em suas razões recursais, de f. 53/58, insurge-se o apelante, alegando que a Constituição da República prevê a competência da União para legislar sobre registro público e direito urbanístico.

Por conta disso, sustenta que a União editou as Leis 6.015, de 1973, e a 6.766, de 1979, sendo que a primeira é norma geral de registro público e a segunda se refere à norma geral de direito urbanístico.

Aduz que o imóvel não se originou de urbanização específica ou de conjuntos habitacionais, devendo, portanto, observar a metragem mínima de 125 m², estipulada pela lei de parcelamento do solo urbano.

Salienta que o município não possui a competência para legislar sobre direito urbanístico, podendo apenas suplementar a legislação federal e estadual, conforme as peculiaridades locais.

Destaca que a Lei Municipal 3.912, de 2006, trata apenas da regularização fundiária, e as Leis Municipais 2.484, de 1993, e 4.292, de 2011, não devem ser aplicadas, visto que são contrárias às leis nacionais ora citadas.

Por fim, destaca que o município poderá estabelecer metragem mínima dos lotes, contanto que obedeça às previsões mínimas estabelecidas pela Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766, de 1979).

Pugna pela reforma da sentença e procedência do seu pedido.

Contrarrazões às f. 60/65.

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça às f. 72/73-v.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Em que pese o inconformismo do apelante, tenho que a sentença não deve ser reformada.

A pretensão versada na ação é de expedição de um alvará judicial para registrar a compra e venda do imóvel matriculado sob o nº 47.055 na serventia de imóveis da Comarca de Alfenas.

O Juízo de primeiro grau entendeu por deferir a expedição do alvará judicial para autorizar o registro da compra e venda do referido imóvel.

Pois bem.

A Constituição da República, no art. 24, estabeleceu a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislarem sobre as normas de direito urbanístico.

``Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.

Diante disso, a Constituição da República recepcionou a Lei 6.766, de 1979, que trata do parcelamento do solo. A principal função dessa lei é estabelecer uma uniformidade quanto à organização do solo urbano.

Conforme já tive oportunidade de explanar em obra de minha autoria:

``[...] a Lei do Parcelamento do Solo (6.766, de 1979) impõe limitação ao direito de propriedade no que se refere ao ius disponendi, se e quando desejar o proprietário parcelar gleba de seu domínio para edificação em zona urbana, impondo ao proprietário obrigação de atender a vários requisitos, alguns de viés urbanístico, outros de índole jurídica, mas todos condicionando o direito de dispor para fins de parcelamento.

Os parcelamentos de imóveis urbanos são regidos pela Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (Lei do Parcelamento do Solo), e pela Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), além da legislação municipal, ao passo que os imóveis rurais são disciplinados pela legislação agrária. (RODRIGUES, Marcelo Guimarães. Tratado de registros públicos e direito notarial. 2. ed. São Paulo: Altas. 2016, p. 345.)

O parcelamento do solo urbano, como exposto acima, ocorre com a divisão em terras juridicamente independentes, com a finalidade de edificação, podendo ser sob a forma do loteamento ou desmembramento, conforme o art. 2º da Lei 6.766, de 1979, sendo que, em ambos os casos, deverá ser precedido da anuência do município.

Nessa linha, dispõe o art. 4º da Lei 6.776, de 1979, que trata dos requisitos urbanísticos para o loteamento:

``Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

[...]

II - os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes (destacou-se).

O loteamento deve atender às exigências do interesse público, isto é, ânimo de urbanizar a gleba, provendo-a de infraestrutura urbanística adequada, com a abertura de logradouros, calçamento, iluminação, sistema de captação de esgotos, praças, entre outros.

Desse modo, é imperioso salientar que não se aplica o art. 4º da Lei do Parcelamento do Solo ao caso, pois o lote não foi fruto de loteamento.

Nesse descortino, cumpre distinguir loteamento, desmembramento e desdobro.

Configura-se desdobramento quando há a repartição de terra, dentro de um sistema urbanístico existente, sem aberturas de novas vias e logradouros públicos, como explana § 2º do art. 2º da Lei 6.766, de 1979:

``Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

[...]

§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes (destacou-se).

A propósito, deve ser anotado:

``A Lei do Parcelamento do Solo Urbano prevê duas diferentes formas de efetivá-lo: o loteamento e o desmembramento, distinguindo-se uma da outra pelo critério objetivo da situação da gleba.

Em que pese ambas as formas tenham por objeto a edificação, o loteamento se realiza fora do sistema viário da cidade e o desmembramento dentro desse sistema viário (art. 2º). Isso porque o loteamento tem por vocação a futura urbanização da gleba, repercutindo a gratuita transferência de algumas de suas parcelas ao município destinadas à abertura de logradouros, praças e outros equipamentos urbanos, diferentemente do que ocorre com o desmembramento, cuja autorização pressupõe a prévia existência no local de urbanização e de logradouros.

Por outra angulação, no loteamento está presente o interesse público, seja na necessidade de urbanização, seja na proteção do comprador de baixa renda. Já no desmembramento, desponta apenas o interesse do particular (proprietário da gleba), pois não se faz urbanização nem venda ao público, apenas a poucos compradores a quem a lei concebe presumivelmente plena capacidade de se defender nos seus negócios. (RODRIGUES, Marcelo Guimarães. Tratado de registros públicos e direito notarial. 2. ed. São Paulo: Altas. 2016, p. 347.)

Nos autos, verifica-se que o terreno objeto da lide não foi fruto de um desdobramento, mas sim de um desdobro, devendo, portanto, ser afastada a aplicabilidade da Lei do Parcelamento do Solo ao caso.

Na situação fática, o lote que originou o desdobro estava sob a matrícula de nº 2.607, que possuía área de 210 m².

Ocorre que, em 2010, o lote originário foi fracionado, culminando no surgimento de dois lotes, o primeiro, cuja área total é 115,40 m², objeto da lide, e o segundo, cujo tamanho é 94,60 m².

O delegado do registro da circunscrição territorial de Alfenas providenciou a abertura da matrícula nº 47.055 para o primeiro lote, e nº 47.056 para o segundo, depois de verificado o cumprimento dos requisitos legais, conforme a Lei 6.015, de 1973.

Assim, em verdade, resta configurado o desdobro, pois houve um fracionamento do lote original resultando em dois lotes.

``Em que pese não disciplinado pela Lei 6.766/1979, o desdobro é também instituto recorrente e não menos importante no parcelamento do solo urbano. Resulta da subdivisão de lote, competindo ao município fixar as normas e critérios para sua aprovação. O desdobro, em face de seu regime jurídico diverso, após comprovada aprovação urbanística, é levado ao registro imobiliário por meio de averbação, de acordo com a Lei 6.015/1973 (art. 167, II, 4, e parágrafo único do art. 246), não estendida ao mesmo a exigência da documentação ordinária em parcelamento de solo urbano. (RODRIGUES, Marcelo Guimarães. Código de normas dos serviços notariais e de registros do Estado de Minas Gerais: provimento CGJMG 260/2013: comentado. Belo Horizonte: SERJUS-ANOREG/MG, 2014, p. 443.)

Vale dizer, em outras palavras, a principal diferença entre o desmembramento e desdobro está no fato de que o primeiro se caracteriza na subdivisão da gleba, e o segundo, no lote.

Tanto no desmembramento quanto no desdobro, ambos são precedidos de autorização municipal. Assim, para que haja autorização do ente municipal para o registro da matrícula do lote fruto de um desdobramento, devem ser observados os requisitos legais da Lei do Parcelamento do Solo, no que tange à sua modalidade urbana. Já no desdobro, é preciso somente cumprir os requisitos disciplinados pela lei municipal.

Além disso, no caso, verifica-se que o lote, objeto da lide, está devidamente registrado há mais de cinco anos (f. 18), isto é, a situação fática já se encontra consolidada.

De outro modo, impor óbice à lavratura e posterior registro na matrícula do imóvel iria de encontro ao princípio da especialidade e da continuidade dos registros públicos, pois não há qualquer erro no encadeamento dos atos, que resultou na formação de ambos os lotes.

Sobre o tema, discorre Afrânio de Carvalho:

``O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência de imóvel no patrimônio de transferente.

Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso, o Registro de Imóveis inspira confiança ao público (CARVALHO, Afrânio de. Registro de imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 285.)

Por sua vez, Walter Ceneviva pontua sobre a continuidade:

``Um dos princípios fundamentais do registro imobiliário, o da continuidade, determina o imprescindível encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas nele interessadas.

O princípio da continuidade percorre duas linhas: a do imóvel, como transposto para os livros registrários, e a das pessoas com interesse nos registros. Ambas devem ser seguidas de modo rigoroso e ininterrupto, pelo sistema criado em lei. (CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 366-367.)

Ademais, como destacado acima, a situação fática encontra-se consolidada, e os autores confiaram nas informações do registro ao adquirirem os direitos inscritos, porquanto o desdobro foi averbado na matrícula do imóvel anterior (n. 2.607) e nova matrícula foi criada para a sua exata identificação e regular prosseguimento da nova cadeia dominial (n. 47.055).

Assim, considerando a segurança jurídica que deve emanar dos registros públicos e pela situação fática consolidada à luz do princípio da boa-fé objetiva, deve ser negado provimento ao recurso.

Mediante tais fundamentos, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença por seus jurídicos fundamentos.

Sem custas recursais.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Raimundo Messias Júnior e Caetano Levi Lopes.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Data: 19/05/2016 - 09:50:47   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Sinoreg/MG

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