Apelação Cível - Outorga de escritura - Contrato de compra e venda - Interdição posterior à contratação - Prova da incapacidade no momento da celebração do contrato...

Apelação Cível - Outorga de escritura - Contrato de compra e venda - Interdição posterior à contratação - Prova da incapacidade no momento da celebração do contrato - Improcedência do pedido

APELAÇÃO CÍVEL - OUTORGA DE ESCRITURA - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - INTERDIÇÃO POSTERIOR À CONTRATAÇÃO - PROVA DA INCAPACIDADE NO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO

- Não há falar em outorga de escritura de contrato de compra e venda quando comprovado que as vendedoras já apresentavam a doença incapacitante quando da celebração deste negócio, apesar de terem sido interditadas apenas posteriormente.

Apelação Cível nº 1.0239.13.000181-5/001 - Comarca de Entre-Rios de Minas - Apelante: John Kennedy dos Santos - Apelado: Amélia Maria de Jesus, Teresa Maria de Jesus e outro - Relator: Des. Wagner Wilson Ferreira

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 25 de novembro de 2015. - Wagner Wilson Ferreira - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. WAGNER WILSON FERREIRA - Trata-se de recurso de apelação interposto por John Kennedy dos Santos contra sentença de f. 105/107 proferida pelo MM. Juiz da Comarca de Entre-Rios de Minas que, nos autos da ação de outorga de escritura ajuizada em face de Teresa Maria de Jesus e Amélia Maria de Jesus, julgou improcedentes os pedidos iniciais.

O apelante alega que a ação de interdição foi proposta em momento posterior à celebração do contrato de compra e venda, tendo ele agido de boa-fé, razão pela qual merece reforma a sentença recorrida.

Contrarrazões às f. 119/121.

Manifestou-se a douta Procuradoria às f. 127/129, opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

DES. OTÁVIO DE ABREU PORTES (PRESIDENTE) - Proferiu sustentação oral, pelo apelante, o Dr. Eduardo Cordeiro Lopes.

DES. WAGNER WILSON FERREIRA - Conheço do recurso, presentes seus requisitos de admissibilidade.

Cuidam os autos de ação de outorga de escritura ajuizada pelo apelante, John Kennedy dos Santos, em face de Teresa Maria de Jesus e Amélia Maria de Jesus.

O autor relatou ter celebrado junto às rés um contrato de promessa de compra e venda de um terreno rural recebido por elas através de herança. Contudo, apesar de ter quitado suas obrigações, não obteve até a presente data a outorga da escritura.

Afirmou que, no momento do ajuizamento desta demanda, as requeridas se encontravam em processo de interdição requerido por um tio, que, segundo o autor, teria o intuito de invalidar o negócio jurídico realizado.

Diante disso e, sob o argumento de que a sentença de interdição foi prolatada em momento posterior à contratação, possuindo efeito ex nunc, pede a procedência da demanda, para que seja determinada a outorga do instrumento de promessa de compra e venda.

No curso do feito, as rés foram interditadas, conforme sentenças de f. 84/85 e 90/91, que transitaram em julgado em 22.08.2013.

Diante disso, elas foram citadas na pessoa do curador Manoel Maria do Carmo, que apresentou contestação às f. 64/65.

À f. 103, o Ministério Público manifestou-se, pugnando pela improcedência do pedido inicial, uma vez que, à época da contratação, as rés já seriam incapazes. Além disso, as partes não teriam sido regularmente representadas quando da celebração do instrumento e não teriam obtido a devida autorização judicial para alienação do bem. Constatou ainda a inexistência, nos autos, de quaisquer provas acerca do pagamento do valor contratado.

Os pedidos iniciais foram julgados improcedentes.

Pois bem. O cerne da questão discutida no presente feito consiste em verificar a regularidade do contrato de compra e venda de imóvel de f. 11/11v, celebrado entre as partes.

Conforme se infere dos autos, o contrato de compra e venda foi firmado em 18.01.2008, enquanto a sentença de interdição somente transitou em julgado em 22.08.2013 (certidão de f. 81 e 86).

Sobre a interdição, Sílvio de Salvo Venosa (Código Civil interpretado, São Paulo: Atlas, 2010, p.1.605) ensina que:

"Não pode a incapacidade firmada na sentença retroagir a período anterior. Os atos praticados pelo interdito são nulos ex nunc. Para os atos praticados anteriormente à sentença, deve ser proposta ação de nulidade dos negócios jurídicos praticados pelo agente incapacitado. Nessa situação, em prol dos contratantes de boa-fé, somente é de se anular o ato quando a anomalia mental ressalta evidente, saltando aos olhos do homem médio, sob pena de ser trazida insegurança às relações jurídicas. Assim se manifesta Sílvio Rodrigues (1999, p. 399):

`Decretada a interdição, os atos praticados pelo interdito são nulos, nos termos do art. 145, I, do Código Civil; praticado o ato antes de decretada a interdição, é ele meramente anulável, se o interessado provar que a doença já existia à época do negócio.

Com propriedade, afirmou o Ministro do STJ:

`Para resguardo da boa-fé de terceiros e segurança do comércio jurídico, o reconhecimento de nulidade dos atos praticados anteriormente à sentença de interdição reclama prova inequívoca, robusta e convincente da incapacidade do contratante" (STJ - 4ª Turma, RE 9.077-RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo).

Os efeitos da interdição, portanto, não são retroativos, mas é possível que se obtenha a anulação do negócio jurídico realizado antes da interdição havendo comprovação de que a incapacidade já existia à época.

Na hipótese, resta cristalino que, à época da contratação, as autoras já apresentavam a invalidez que ocasionou a interdição. Isso porque, no próprio instrumento contratual, elas são qualificadas como "interditadas", tendo sido representadas naquele momento pelo curador Manoel Maria do Carmo.

Demonstrado, portanto, que, quando da celebração do contrato, as rés já se encontravam incapacitadas para exercer os atos da vida civil, não há falar na validade do negócio jurídico, nos termos dos arts. 3º, II, e 104, I, ambos do Código Civil:

"Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: [...]

II - o que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; [...]."

"Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz; [...]."

Ressalte-se que, conforme bem observou o representante do Ministério Público, o fato de terem as rés sido supostamente representadas por curador quando da contratação não convalida o negócio, uma vez que este não teria sido constituído regularmente, por meio de determinação judicial, além de não possuir qualquer autorização judicial para proceder à alienação daquele bem.

Portanto, havendo prova da incapacidade, quando da celebração do contrato, e sendo esta situação de conhecimento do autor, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido inicial.

Neste sentido, já me manifestei:

``Apelação cível. Agravo retido. Testemunhas arroladas fora do prazo. Preclusão da prova testemunhal. Provimento do recurso. Ação anulatória de ato jurídico. Permuta de imóveis. Ausência de prova de incapacidade na ocasião. Ausência de prova de prejuízo. Impossibilidade de anulação. Compra e venda de imóvel. Incapacidade mental da vendedora. Nulidade. Interdição efetuada apenas em data posterior. Irrelevância. Procedência parcial do pedido. Apelação parcialmente provida. - 1. Não observado o prazo estipulado para a apresentação do rol de testemunhas, preclusa a oportunidade de produção da prova testemunhal. Agravo retido provido. 2. Impossível acolher a pretensão de nulidade da permuta de imóveis realizada entre as partes se não há nos autos prova robusta de que a autora era acometida de doença incapacitante na época em que contratou e se não se verifica qualquer prejuízo à mesma na negociação realizada. 3. É nula a compra e venda realizada entre as partes quando comprovado que a autora/vendedora já apresentava a doença incapacitante quando da celebração deste negócio, independente de ter sido a mesma interditada apenas posteriormente. 4. Apelo parcialmente provido (TJMG - Apelação Cível nº 1.0145.07.412183-4/001, Relator Des. Wagner Wilson, 16ª Câmara Cível, j. em 03.04.2014, p. em 14.04.2014).

No mesmo sentido:

``Agravo de instrumento. Tutela indeferida. Anulatória de negócio jurídico. Contrato de compra e venda de imóvel. Questionamento de ato praticado por incapaz. Não comprovação. Venda do bem realizada antes da interdição. - Nos termos do art. 273, do Código de Processo Civil, o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela, desde que, diante de prova inequívoca dos fatos, se convença da verossimilhança das alegações do autor, estando presente o fundado receio de dano grave ou de difícil reparação. Nos termos do § 2º, do art. 273, do Código de Processo Civil, "Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento". Os atos jurídicos praticados pelo interditado antes do decreto de sua interdição devem ser considerados válidos, salvo se comprovado, cabalmente, que à época já se achava incapacitado, situação em que se admite, excepcionalmente, a atribuição do efeito ex tunc da sentença de interdição (TJMG - Agravo de Instrumento Cível nº 1.0702.12.011242-1/001, Relator Des. Newton Teixeira Carvalho, 13ª Câmara Cível, j. em 23.05.2013, p. em 29.05.2013).

``Ação de anulação de negócio jurídico c/c repetição de indébito. Apelo adesivo por terceiro prejudicado. Inadmissibilidade. Apelação cível. Incapacidade absoluta anterior à decretação da interdição. Necessidade de prova. - É inadmissível a interposição adesiva de recurso por terceiro prejudicado, em razão da redação do art. 500 do CPC limitar sua interposição ao autor e ao réu. - A incapacidade é fato que precede a interdição, mas os efeitos de anulação de negócios jurídicos, ocorridos antes da sentença que decreta a interdição, não são automáticos, sendo necessário o reconhecimento judicial da nulidade de cada negócio jurídico realizado, o que depende de prova inconteste de que a pessoa não era efetivamente capaz de gerir os atos da vida civil na data do ato impugnado (TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.06.002970-9/002, Relator Des. Pedro Bernardes, 9ª Câmara Cível, j. em 16.07.2014, p. em 22.07.2014).

``Ação declaratória. Incapacidade civil. Sentença de interdição. Efeitos. Nulidade do contrato de alienação fiduciária. Retomada do bem pelo banco. Devolução dos valores pagos. Possibilidade. Estando evidenciada a prodigalidade da financiada, possível a declaração de nulidade do contrato de alienação fiduciária, nos termos da norma do art. 171 do Código Civil de 2002. Apesar de a sentença de interdição possuir natureza declaratória e, via de regra, seus efeitos serem ex nunc, é possível a retroatividade relativamente à anulação dos atos praticados anteriormente, desde que haja prova inconteste nos autos da existência da incapacidade no momento da assinatura do negócio jurídico em discussão. Anulado o negócio, devida a restituição de valores pagos pela autora, em razão do efeito automático restituitório da decisão anulatória. Súmula - À unanimidade, rejeitar as preliminares. negar provimento ao primeiro recurso, vencido o Vogal. À unanimidade, dar provimento ao segundo apelo (TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.07.772381-5/002, Relator Des. Otávio Portes, 16ª Câmara Cível, j. em 23.10.2012, p. em 26.10.2012).

``Civil e processual civil. Fundamentação. Prova. Interdição. - Somente a ausência de fundamentação, não ocorrente na espécie, é que enseja a decretação de nulidade da sentença com base no art. 458, II, não a fundamentação sucinta. - Sendo o processo anulado por motivo não referente à prova, esta pode ser utilizada, no mesmo feito, desde que ratificada, em respeito ao princípio da economia processual. - Os atos praticados pelo interditado anteriores à interdição podem ser anulados, desde que provada a existência de anomalia psíquica - causa da incapacidade - já no momento em que se praticou o ato que se quer anular. Recurso não conhecido (REsp 255.271/GO, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 28.11.2000, DJ de 05.03.2001, p. 171).

Destaco finalmente que, ainda que as rés tenham reconhecido na contestação a celebração do negócio, em se tratando de interesse de incapaz, sua proteção é medida de efetivação de garantia constitucional, pelo que a manutenção da improcedência da demanda é medida que se impõe.

Conclusão.

Por tais razões, nego provimento ao recurso. É como voto.

DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA - Sr. Presidente, ouvi a brilhante sustentação do ilustre advogado. Atenho-me ao voto do eminente Relator na passagem em que Sua Excelência diz que as rés foram citadas na pessoa do curador Manuel Maria do Carmo, que apresentou contestação às f. 64/65.

Quero salientar que essa citação feita na pessoa de curador é regida pelo art. 218, e seus parágrafos, do Código de Processo Civil: o Juiz dá ao citando um curador e até observa para isso a preferência estabelecida na Lei Civil. No entanto, o § 2º do art. 218 deixa claro: "a nomeação é restrita à causa". Mas, não fosse por essa regra do art. 218, e seus §§ 1º e 2º, gostaria de destacar o art. 9º do Código de Processo Civil, segundo o qual: "o Juiz dará curador especial ao incapaz se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele", essa não é a hipótese ao incapaz, portanto, se não tiver representante legal. Poderia parecer, a uma leitura superficial, que esse curador especial do art. 9º tivesse função substantiva. Não a tem, porque o art. 1.179 do Código de Processo Civil, numa regra alusiva à interdição requerida pelo órgão do Ministério Público, diz: "o Juiz nomeará ao interditando, quando a interdição for requerida pelo órgão do Ministério Público - isso não vem ao caso -, curador à lide (art. 9º)". Está o Código de Processo Civil dizendo que aquele curador de que trata o art. 9º, o curador que recebeu a citação, não tem função senão processual. Não tinha ele, portanto, a possibilidade de praticar ato de disposição de Direito pela pessoa não citada, cuja incapacidade certamente seria visível, e, com esta razão, também o fato de ter sido ele próprio, depois, o curador nomeado - curador de curatela, o que é bem diverso, e não de curadoria - em nada socorre a legitimidade pretendida do negócio.

Acompanho às inteiras o voto do eminente Relator e louvo o trabalho do advogado, sem dúvida.

DES.ª APARECIDA GROSSI - Sr. Presidente, também cumprimento o ilustre advogado pela sua sustentação oral.

Quanto ao meu voto, estou acompanhando o Relator.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Data: 01/02/2016 - 10:04:36   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Sinoreg/MG


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