Cerceamento indevido da atividade probatória das partes em ação declaratória de maternidade

Jurisprudência do STJ - Direito Civil e Processual Civil - Cerceamento indevido da atividade probatória das partes em ação declaratória de maternidade

Publicado em: 18/12/2014

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO INDEVIDO DA ATIVIDADE PROBATÓRIA DAS PARTES EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE.

Definiu-se não ser possível julgar improcedente pedido de reconhecimento post mortem de maternidade socioafetiva sem que se tenha viabilizado a realização de instrução probatória, ante o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, do CPC), na seguinte situação: i) a autora ingressou com pedido de reconhecimento da existência de filiação socioafetiva, com a manutenção de sua mãe registral em seu assentamento de nascimento; ii) o pedido foi fundado na alegação de que a pretensa mãe adotiva e sua mãe registral procederam, em conjunto, à denominada “adoção à brasileira” da demandante, constando do registro apenas uma delas porque, à época, não era admitida união homoafetiva pelo ordenamento jurídico nacional; iii) argumentou-se que a autora foi criada, como se filha fosse, por ambas as "mães", indistintamente, e mesmo após o rompimento do relacionamento delas, encontrando-se, por isso, estabelecido o vínculo socioafetivo, a propiciar o reconhecimento judicial da filiação pretendida; e iv) o julgamento de improcedência foi fundado na constatação de não ter sido demonstrado nos autos que a mãe socioafetiva teve, efetivamente, a pretensão de "adotar" a autora em conjunto com a mãe registral e, também, no entendimento de que elas não formavam um casal homossexual, como sugere a demandante, pois, posteriormente, a mãe registral casou-se com um homem, com quem formou núcleo familiar próprio. No caso descrito, o proceder do julgador, ao não permitir que a autora demonstrasse os fatos alegados, configura cerceamento de defesa. De fato, o estabelecimento da filiação socioafetiva demanda a coexistência de duas circunstâncias bem definidas e dispostas, necessariamente, na seguinte ordem: i) vontade clara e inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo, ao despender expressões de afeto à criança, de ser reconhecido, voluntária e juridicamente como tal; e ii) configuração da denominada “posse de estado de filho”, compreendido pela doutrina como a presença (não concomitante) de tractatus (tratamento, de parte à parte, como pai/mãe e filho); nomen (a pessoa traz consigo o nome do apontado pai/mãe); e fama (reconhecimento pela família e pela comunidade de relação de filiação), que naturalmente deve apresentar-se de forma sólida e duradoura. Nesse contexto, para o reconhecimento da filiação socioafetiva, a manifestação quanto à vontade e à voluntariedade do apontado pai ou mãe de ser reconhecido juridicamente como tal deve estar absolutamente comprovada nos autos, o que pode ser feito por qualquer meio idôneo e legítimo de prova. Todavia, em remanescendo dúvidas quanto à verificação do apontado requisito, após concedida oportunidade à parte de demonstrar os fatos alegados, há que se afastar, peremptoriamente, a configuração da filiação socioafetiva. Por oportuno, é de se ressaltar, inclusive, que a robustez da prova, na hipótese dos autos, há de ser ainda mais contundente, a considerar que o pretendido reconhecimento de filiação socioafetiva refere-se a pessoa já falecida. Nada obstante, não se pode subtrair da parte a oportunidade de comprovar suas alegações. Ademais, cabe ressaltar que o casamento da pretensa mãe com um homem, em momento posterior, não significaria que aquele alegado relacionamento com a mãe registral nunca existiu e, principalmente, que não teria havido, por parte delas, a intenção conjunta de "adotar" a demandante, que, segundo alega e pretende demonstrar, fora criada como se filha fosse pelas referidas senhoras, mesmo depois do rompimento deste relacionamento. Por fim, deve-se consignar ao menos a possibilidade jurídica do pedido posto na inicial, acerca da dupla maternidade, conforme já reconhecido por esta Corte de Justiça por ocasião do julgamento do REsp 889.852-RS, Quarta Turma, DJe 10/8/2010 (ressalvadas as particularidades do caso ora sob exame). Efetivamente, em atenção às novas estruturas familiares, baseadas no princípio da afetividade jurídica (a permitir, em última análise, a realização do indivíduo como consectário da dignidade da pessoa humana), a coexistência de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da realidade social, não pode passar despercebida pelo direito. Desse modo, há que se conferir à parte o direito de produzir as provas destinadas a comprovar o estabelecimento das alegadas relações socioafetivas, que pressupõem, como assinalado, a observância dos requisitos acima referidos. REsp 1.328.380-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/10/2014.

Fonte: Informativo de Jurisprudência do STJ
Extraído de Recivil

Notícias

Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais

SERES COISIFICADOS Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais José Higídio 26 de março de 2024, 8h51 De acordo com a proposta da relatoria-geral, “os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua...

Como fica a divisão dos bens em uma separação?

Como fica a divisão dos bens em uma separação? Francisco Gomes Júnior Antes de casar ou unir-se, defina o regime de bens e faça acordos antenupciais para evitar disputas na separação. segunda-feira, 25 de março de 2024 Atualizado às 07:58 Ultimamente, com a notícia de diversos casos de famosos...

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres 22 de março de 2024 - Notícias CNJ / Agência CNJ de Notícias Contar com a segurança do “papel passado” para oficializar a união levou um casal de mulheres a tomar a decisão mais importante em pouco mais de dois anos de vida em comum: casar...

Você sabia que precatório de credor falecido é herança?

Você sabia que precatório de credor falecido é herança? Laís Bianchi Bueno Os precatórios são dívidas governamentais decorrentes de várias situações. Após o falecimento do titular, são automaticamente transmitidos aos herdeiros de acordo com o Código Civil. quarta-feira, 20 de março de...

Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma

PENHORABILIDADE RETROALIMENTANTE Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma Danilo Vital 19 de março de 2024, 14h33 Essa exceção está no artigo 3º, inciso II, da mesma lei. A lógica é impedir que essa garantia legal seja deturpada como artifício para viabilizar a reforma...

Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital

OPINIÃO Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital Rodrigo Chanes Marcogni 18 de março de 2024, 18h23 Obviamente que temos que considerar aqui que ao estabelecerem suas regras e políticas de uso as empresas que hospedam as redes sociais o fazem imbuídas no princípio constitucional do...