Jurisprudência Mineira: Ação Ordinária - Contrato de Empréstimo e Financiamento - Celebração por Procurador sem Poderes Específicos...

13/01/2017

Jurisprudência Mineira: Ação Ordinária - Contrato de Empréstimo e Financiamento - Celebração por Procurador sem Poderes Específicos - Defeito na Prestação De Serviços - Dano Moral - Litigância de Má-Fé

AÇÃO ORDINÁRIA - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO E FINANCIAMENTO - CELEBRAÇÃO POR PROCURADOR SEM PODERES ESPECÍFICOS - DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - DANO MORAL - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

- Não há interesse recursal quando a sentença é favorável à parte recorrente.

- De conformidade com o disposto no art. 14, Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, só se eximindo da responsabilidade, nos termos do § 3º, se for comprovada a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

- A lei civil exige mandato especial e expresso para a prática de atos que exorbitem a administração ordinária, reputando ineficazes aqueles praticados em nome de terceiro, salvo se ratificados, conforme arts. 661, § 1º, e 662, do Código Civil.

- Há defeito na prestação de serviços se a instituição financeira concede empréstimo em nome de correntista a pessoa que não possui poderes para realizar contratação.

- O dano moral é o prejuízo decorrente da dor imputada a uma pessoa, em razão de atos que, indevidamente, ofendem seus sentimentos de honra e dignidade, provocando mágoa e atribulações na esfera interna pertinente à sensibilidade moral.

- Para que ocorra a condenação por litigância de má-fé, é necessário que se faça prova da instauração de litígio infundado ou temerário, bem como da ocorrência de dano processual em desfavor da parte contrária.

Apelação Cível nº 1.0702.10.017015-9/001 - Comarca de Uberlândia - Apelante: Banco do Brasil S/A - Apelada: Marta Rodrigues da Silva - Relatora: Des.ª Evangelina Castilho Duarte

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em conhecer em parte e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 3 de novembro de 2016. - Evangelina Castilho Duarte - Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª EVANGELINA CASTILHO DUARTE - Tratam os autos de ação ordinária, ao argumento de ter a apelada sofrido prejuízos em decorrência de descontos indevidos lançados pelo apelante, derivados de contratos de empréstimo e financiamentos contratados por sua filha.

A apelada informou que, devido a dificuldades de locomoção e outras restrições relacionadas à avançada idade, há alguns anos outorgou à sua filha, por procuração, poderes específicos para movimentar a conta corrente que mantém em agência do apelante.

Alegou que tomou conhecimento de que a outorgada contratou diversos empréstimos e financiamentos em seu nome, sem autorização, sendo realizados vários descontos mensais em sua conta corrente.

Ressaltou que os valores levantados pela outorgada jamais foram revertidos em seu benefício.

Salientou que a procuração não conferia à outorgada poderes para contratação de empréstimos e financiamentos, sendo ineficazes os atos por ela praticados.

Enfatizou que restaram configurados os requisitos do dever de indenizar.

Requereu a declaração de ineficácia de todos os empréstimos e financiamentos, a condenação do apelante à restituição dos valores indevidamente descontados e ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$20.000,00.

O MM. Juiz de 1º grau julgou procedente o pedido, para declarar a ineficácia de todos os contratos firmados em nome da autora por sua mandatária, condenando o apelante a restituir à apelada os valores correspondentes às parcelas descontadas em sua conta corrente e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$6.000,00, mais custas e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação.

O apelante pretende a reforma da decisão recorrida, alegando que o empréstimo é considerado como uma espécie de movimentação bancária, assim como o saque e o depósito.

Salienta que a mandatária, que praticou ato ilícito, ao usufruir dos valores dos empréstimos, teve ciência de que a obrigação contratada era de responsabilidade da apelada.

Sustenta que o negócio jurídico praticado é lícito e incapaz de gerar prejuízos de ordem moral à apelada.

Ressalta que não restou demonstrado o dano moral supostamente sofrido pela apelada.

Afirma não ser devida a restituição em dobro.

Requer o provimento do recurso.

A apelada apresentou contrarrazões às f. 380/392, requerendo a majoração dos honorários advocatícios para 20% sobre o valor da condenação, a aplicação dos juros de mora nos termos da Súmula 54 do STJ e a condenação do apelante ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

Pugna pelo não provimento do recurso.

A sentença de f. 355/358v. foi publicada em 11 de dezembro de 2014, vindo a apelação em 6 de janeiro de 2015, no prazo legal, acompanhada de preparo.

Não obstante estes autos tenham sido incluídos em pauta de julgamento que se realiza sob a égide do novo Código de Processo Civil, devem-se aplicar os dispositivos do antigo CPC, porquanto se trata de questões que devem ser analisadas sob a ótica da lei vigente na data da prática do ato processual.

I. Inovação recursal.

Alega o apelante ser indevida a restituição em dobro dos valores debitados na conta corrente da autora.

Contudo, o apelante não possui interesse recursal em relação ao pedido, porquanto a sentença lhe foi favorável, deferindo a devolução na forma simples.

Logo, não conheço o pedido.

II. Mérito.

São aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor, embora se trate de contrato celebrado com instituição financeira, por existir relação de consumo, já que o apelante presta serviços e fornece produtos aos seus clientes.

É o que decorre dos termos da Súmula 297 do colendo STJ: ``O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras''.

Dano é qualquer mal ou ofensa pessoal, deterioração, prejuízo a uma pessoa, conforme Dicionário da Língua Portuguesa, Caldas Aulete, sendo que, na linguagem jurídica, constitui a efetiva diminuição do patrimônio alheio, provocada por ação ou omissão de terceiro.

No caso dos autos, há típica relação de consumo entre as partes, sendo desnecessária a comprovação da prática de ato ilícito e de culpa, bastando que haja defeito na prestação dos serviços ou no produto, para que se configure o dever de indenizar.

De conformidade com o disposto no art. 14, Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, só se eximindo da responsabilidade, nos termos do § 3º, se for comprovada a inexistência do defeito, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Ora, o defeito na prestação dos serviços está evidenciado, uma vez que o apelante concedeu empréstimos e financiamentos para a filha da apelada, em seu nome e sem autorização.

De acordo com a procuração de f. 330, a apelada outorgou a Consuelita Nazaré da Silva Jorge, sua filha, poderes gerais e especiais para:

``[...] receber tudo o que o (a) outorgante tiver direito relativo à sua aposentadoria, pensão, auxílios, e demais benefícios do Ministério dos Transportes em Araguari/MG, junto a quaisquer agências bancárias em Araguari/MG ou onde com esta se apresentar; podendo receber importâncias devidas, assinar recibos, termos de responsabilidade e papéis necessários, dar e receber quitação, promover recadastramento, requerendo, retirando e assinando tudo que preciso for, enfim, praticar tudo mais que se fizer necessário e substabelecer.''

Verifica-se, pois, que o referido instrumento de mandato não confere poderes específicos para contratar empréstimos e financiamentos, não tendo sequer mencionado a possibilidade de a filha da apelada movimentar a conta bancária que mantinha em agência do apelante.

Ademais, o apelante não demonstrou que, no momento das contratações, a outorgada teria apresentado procuração diversa daquela juntada aos autos pela apelada, não se podendo concluir que o mandato de f. 330 contenha poderes para a prática do ato em discussão.

Ora, a lei civil exige mandato especial e expresso para a prática de atos que exorbitem a administração ordinária, reputando ineficazes atos em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar, conforme arts. 661, § 1º, e 662, do Código Civil.

A respeito do mandato, leciona a doutrina:

``Mandato é o contrato pelo qual alguém (mandatário ou procurador) recebe de outrem (mandante) poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses (CC, art. 653). [...] o mandato, em termos gerais, só confere poderes de administração ordinária; assim sendo, para alienar, transigir, hipotecar, dependerá a procuração de poderes especiais e expressos, por serem atos que exorbitam da administração ordinária (CC, art. 661, § 1º). Dependerá a procuração de poderes especiais para levantar dinheiro, substabelecer, emitir nota promissória, prorrogar jurisdição, renunciar direito, representar testamenteiro, contrair matrimônio, transmitir dívidas, fazer doação, aceitar ou repudiar herança, fazer novação, dar fiança, reconhecer filho, pedir falência, emitir cheque, por serem atos de tamanha gravidade, que exorbitam da administração ordinária. [...] Enquanto não houver ratificação, o mandatário será tido como gestor de negócios (CC, art. 662), na parte excedente, respondendo perante terceiros pela obrigação assumida e perante o próprio mandante pelos danos causados a ele. Se houver tal ratificação expressa ou tácita (CC, art. 662, parágrafo único), o excesso de poderes desaparecerá, e o mandante, que era alheio ao ato negocial excessivo, por ter sido praticado pelo mandatário fora dos limites da representação, a ele se incorporará, sanando o defeito inicial'' (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. III, p. 369, 373, 393).

Importante salientar que não houve ratificação dos atos praticados pela outorgada, tendo a apelada revogado o mandato assim que teve ciência da contratação de empréstimos e financiamentos em seu nome, conforme escritura pública de f. 19.

Ressalte-se que, no momento da lavratura do instrumento público de procuração, em junho de 2000, a apelada era idosa e já contava com 81 anos de idade, sendo plausível que não tivesse ciência dos atos praticados pela outorgada, bem como que não fizesse conferência frequente de seus extratos bancários.

Conclui-se, pois, que o apelante não foi suficientemente diligente no sentido de desconstituir as alegações da recorrida e comprovar que a apelada tenha dado autorização para a contratação de empréstimos e financiamentos pela outorgada e, portanto, a licitude dos seus atos.

Logo, os contratos firmados entre a outorgada e o apelante, em nome da apelada, devem ser considerados ineficazes, já que extrapolam os poderes conferidos através da procuração de f. 330.

Sendo assim, deve ser mantida a sentença que declarou a ineficácia dos empréstimos e financiamentos contratados e condenou o apelante à restituição da quantia debitada na conta corrente da apelada.

O dano moral é o prejuízo decorrente da dor imputada a uma pessoa, em razão de atos que, indevidamente, ofendem seus sentimentos de honra e dignidade, provocando mágoa e atribulações na esfera interna pertinente à sensibilidade moral.

Neste caso específico, deve-se considerar que a apelada logrou êxito em demonstrar a ocorrência do dano moral alegado, por ser pessoa idosa, que não contratou com o apelante e sequer teve o valor dos empréstimos e financiamentos revertidos em seu benefício.

Está configurado o dano moral, que consiste na atribulação provocada à autora, que confiou seu dinheiro ao apelante, recebendo na conta bancária que mantém junto à instituição financeira pensão do INSS, e foi tomada de súbita insegurança quanto à confiabilidade do serviço prestado.

Ressalte-se que os débitos na conta bancária da autora não configuram meros aborrecimentos, mas defeito grave na prestação dos serviços oferecidos pelo apelante, já que, de acordo com os extratos bancários de f. 27/56, em vários meses, o desconto indevido gerou saldo negativo na conta da apelada.

Resta, pois, caracterizado o dano moral.

O apelante pretende, ainda, a redução do valor da indenização.

A fixação do quantum indenizatório a título de danos morais é tarefa cometida ao juiz, devendo o seu arbitramento operar-se com razoabilidade, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico da parte ofendida, o porte do ofensor e, ainda, levando-se em conta as circunstâncias do caso.

Deve-se procurar a compensação pelo mal sofrido e a punição daquele que o provocou, além de estar atento para que não se torne nem fonte de enriquecimento sem causa, nem seja quantia ínfima.

Nesse aspecto, considera-se suficiente e razoável o valor de R$6.000,00, fixado pelo MM. Juiz a quo, não havendo enriquecimento ilícito da apelada.

Por fim, pretende a apelada a condenação do apelante por litigância de má-fé.

Para que ocorra a condenação por litigância de má-fé, é necessário que se faça prova da instauração de litígio infundado ou temerário, bem como da ocorrência de dano processual em desfavor da parte contrária, não configurado na presente lide.

Não é cabível, pois, a aplicação da pena por litigância de má-fé do apelante, pois não houve infidelidade processual ou qualquer dano à parte contrária, não estando configurada qualquer hipótese do art. 17 do CPC.

``Exibição de documentos. Saque efetivado na conta vinculada. Ação pessoal. Prescrição vintenária. Litigância de má-fé afastada. Verificando-se que o autor pretende a exibição de documento inerente a saque realizado em sua conta vinculada ao FGTS e não relativo a regularidade dos depósitos efetivados pelo empregador, a prescrição é vintenária, porquanto relativa ao direito pessoal existente entre as partes litigantes. Não há que se falar em condenação nas penalidades relativas à litigância de má-fé se não restou comprovada a atitude dolosa da parte caracterizadora do ilícito processual permissivo a que se faça incidir a prescrição do art. 17 do Código de Processo Civil'' (TAMG - Apelação Cível nº 418.507-7 - Terceira Câmara Cível - Rel.ª Juíza Teresa Cristina da Cunha Peixoto - DJ de 31.03.2004).

Logo, não há litigância de má-fé.

Por derradeiro, não é possível acolher os pedidos de majoração da verba honorária e de alteração do termo a quo para aplicação de juros de mora, porquanto não foram formulados, na via procedimental adequada, sendo apresentados em contrarrazões à apelação.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso apresentado por Banco do Brasil S/A, mantendo íntegra a sentença recorrida.

Custas recursais pelo apelante.

DES.ª CLÁUDIA MAIA - Acompanho o judicioso voto proferido pela Des.ª Relatora, acrescentando que, pela contestação ofertada, restou incontroverso que os empréstimos foram contratados pela própria mandatária, a qual não detinha poderes específicos para contraí-los.

DES. ESTEVÃO LUCCHESI - De acordo com a Relatora.

Súmula - CONHECERAM EM PARTE E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Serjus

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