Presença de gado do proprietário na terra arrendada não justifica rescisão de contrato de arrendamento

29/01/2013 - 08h04
DECISÃO

Presença de gado do proprietário na terra arrendada não justifica rescisão de contrato de arrendamento

Se ainda há condição de fornecer pasto para o gado do arrendatário pelo período contratado, a presença de animais do proprietário arrendador não justifica o pedido de rescisão do contrato de arrendamento rural. A decisão da Quarta Turma negou o recurso do arrendatário, que pretendia ser indenizado pela quebra do acordo. A Turma seguiu o voto do relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, de forma unânime.

Em novembro de 2005 foi firmado o contrato de arrendamento para apascentar dez mil cabeças de gado em uma área de dez mil hectares em fazenda localizada no Mato Grosso do Sul. Em março de 2006, o arrendatário levou seus animais para a fazenda, mas encontrou gado do proprietário na área cedida, além de atividade de coleta de sementes. Afirmando que isso infringia o pactuado, pediu a rescisão e aplicação de multa contratual e danos materiais em valor equivalente a dois anos de engorda dos bovinos.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) julgou o pedido improcedente, pois não teria havido prova do inadimplemento. Se havia pasto bastante para o novo rebanho, considerou o TJMS, o uso de uma área mínima pelo arrendador não seria justificativa para rescindir o contrato. Posteriormente, o tribunal sul-mato-grossense acatou recurso apenas para majorar os honorários advocatícios.

Inadimplemento

No STJ, o arrendatário insistiu na tese de inadimplemento, afirmando haver descumprimento do contrato, pois a terra deveria ser entregue para seu uso exclusivo. Sustentou que a legislação e o Código Civil garantem à parte o direito de rescindir um contrato não cumprido e que não se deve “fazer diferenciação se o inadimplemento é grande, médio ou pequeno”, pois atenta contra a boa-fé do contratante.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a questão se resume a saber se o fato de o arrendador ter deixado algumas cabeças na terra cedida bastaria para caracterizar o descumprimento contratual. “No caso, a perícia constatou que a área vistoriada era adequada à manutenção da capacidade contratada, asseverando também que a área ocupada pelo arrendador era ínfima e não comprometia a execução do contrato”, esclareceu.

O relator destacou diversas passagens dos autos nos quais a perícia, além de haver considerado a área adequada, reconheceu a existência de outros locais da fazenda para onde os animais poderiam ser realocados, conforme previsto no contrato. Outro ponto destacado nos autos é que o crescimento do pasto, sem o consumo pelo gado, representa risco de incêndio, como chegou a ocorrer em uma área. Além disso, deixar a terra sem uso poderia fazer com que o Incra a declarasse improdutiva, podendo vir a ser desapropriada.

Súmulas

O ministro Salomão descartou as alegações de que grande parte do gado do proprietário fora retirada antes da perícia, por não ter fundamentação em fatos constantes do processo. Também seria sem importância o fato de um voto vencido no TJMS ter afirmado que o costume local é deixar a terra vazia por um período para “descanso” antes da entrega ao arrendatário, já que isso não basta para atender à exigência de prequestionamento, conforme a Súmula 320 do STJ.

Foram aplicadas ainda no processo as Súmulas 5 e 7 do Tribunal, que vedam, respectivamente, a análise de cláusula contratual e o reexame de fatos e provas do processo.

Resilição unilateral

Em outro recurso das mesmas partes, a Turma negou pedido de rescisão do contrato com a declaração de culpa do arrendador. Para Salomão, como a rescisão do pacto não foi decretada e não houve resilição unilateral, as obrigações contratadas ainda deviam ser cumpridas.

“Afigura-se que pretendia o recorrente uma resilição do contrato de forma unilateral, o que, salvo excepcionalmente, contraria o imperativo de que os contratos devem ser cumpridos”, ressaltou o relator. “A resilição unilateral do contrato deve ser exceção somente permitida quando a lei assim autorizar e, no mais das vezes, decorre da própria natureza do contrato”, completou.

Salomão apontou que o Decreto 59.566/66, que regulamenta o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), e as normas gerais sobre direito agrário (Lei 4.947/66) não preveem a resilição unilateral como causa de extinção do arrendamento.

 

Superior Tribunal de Justiça (STJ)
 

Notícias

Lacunas e desafios jurídicos da herança digital

OPINIÃO Lacunas e desafios jurídicos da herança digital Sandro Schulze 23 de abril de 2024, 21h41 A transferência de milhas aéreas após a morte do titular também é uma questão complexa. Alguns programas de milhagens já estabelecem, desde logo, a extinção da conta após o falecimento do titular, não...

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - PARTILHA - VEÍCULO - USUCAPIÃO FAMILIAR - ÔNUS DA PROVA - O casamento pelo regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros...

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...

Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil

OPINIÃO Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil Ricardo Campos Maria Gabriela Grings 12 de abril de 2024, 6h03 No Brasil, a matéria encontra-se regulada desde o início do século. A Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, estabeleceu a Infraestrutura de Chaves...