Usucapião urbana - Requisitos - Posse precária - Permissão - Ônus da prova

USUCAPIÃO URBANA - REQUISITOS - POSSE PRECÁRIA - PERMISSÃO - ÔNUS DA PROVA

- Para a aquisição da propriedade por usucapião é indispensável a presença de posse mansa, pacífica, prolongada e com caráter de dono, que, se comprovada, resulta no reconhecimento do domínio.

- A posse do filho que teve permissão para retornar ao imóvel não permite a usucapião, por ser precária, constituindo obstáculo ao animus domini.

Apelação Cível nº 1.0701.10.022589-8/001 - Comarca de Uberaba - Apelantes: Melisa Rita Silva, Michelle Rita de Sousa, herdeiras de Helder Silva - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Relatora: Des.ª Evangelina Castilho Duarte

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 10 de novembro de 2014. - Evangelina Castilho Duarte - Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª EVANGELINA CASTILHO DUARTE - Tratam os autos de usucapião movida por Helder Silva, ao argumento de ser possuidor do imóvel situado na Rua Áustria, nº 56, Bairro Boa Vista, Uberaba, desde 1980.

Informou que a posse é mansa e pacífica e que não possui outro imóvel rural ou urbano.

As apelantes ingressaram nos autos em substituição processual, em razão da morte do autor.

A mãe do falecido também requereu a substituição processual, ao argumento de ser a real possuidora do bem, sendo indeferido seu pedido.

A r. decisão de 1º grau, f. 184/188, julgou improcedente o pedido, condenando as apelantes ao pagamento de custas e honorários advocatícios da sucumbência, fixados em R$600,00, suspensa a exigibilidade.

As apelantes pretendem a reforma da decisão recorrida, afirmando estarem configurados os requisitos para a aquisição do imóvel por usucapião.

Afirmam que a posse sobre o imóvel é mansa e que o autor sempre a exerceu, pugnando pela reapreciação das provas.

Salientam que os confinantes foram devidamente citados e não compareceram aos autos, não havendo oposição à posse do autor.

Frisam que Vicência já não exercia a posse do imóvel há muito tempo e ressaltam que seu pai residia no local há mais de 15 anos.

Enfatizam que há muito tempo o seu pai pagava os impostos do imóvel e que Vicência jamais retornou ao imóvel.

Pleiteiam o provimento do recurso.

O representante do Ministério Público apresentou parecer às f. 222/224-v., pugnando pelo não provimento do recurso.

A r. decisão recorrida, f. 184/188, foi publicada em 13 de dezembro de 2013, vindo a apelação em 20 de dezembro, no prazo recursal, desacompanhada de preparo, por estarem as apelantes amparadas pela justiça gratuita.

Estão presentes os requisitos para conhecimento do recurso.

As apelantes se insurgem contra a sentença, alegando estarem presentes os requisitos para reconhecimento da usucapião.

De conformidade com o art. 1.238 do Código Civil de 2002, que trata da usucapião extraordinária, aquele que, por 15 anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé.

No caso em tela, não pende discussão a respeito do prazo, mas a respeito do título sob o qual a posse era exercida pelo autor, havendo indícios de que sua mãe, Vicência, era quem residia no local, permitindo retorno e permanência do filho no imóvel após sua separação conjugal.

A prova oral corrobora a tese de que quem sempre exerceu a posse do imóvel com animus domini foi Vicência, mãe do autor.

"Que o imóvel era unicamente residencial. Que esclarece que, quando Helder Silva casou, mudou-se para outro lugar e que a mãe e o pai continuaram no imóvel objeto do usucapião. Que, depois que Helder separou-se da mulher, retornou para o imóvel objeto da lide. Que a mãe de Helder saiu do imóvel por problemas de doença uma vez que a filha teve a incumbência de cuidar dela" (f. 119/120).

"Que os proprietários do imóvel eram Vicência Ana de Jesus e o marido, que já faleceu. Que há mais de 30 anos tem conhecimento de que Vicência residia nesse imóvel. Que os filhos residiam com a senhora Vicência, inclusive Helder. Que disse que a Vicência está no imóvel há mais de 30 anos uma vez que a conhece desde essa época. Que a depoente foi moradora da rua. Que quem construiu a casa foi a Vicência e seu esposo. Que Vicência saiu do imóvel para tratamento de saúde. Que quem permaneceu no imóvel foi o filho de nome Helder. Que se recorda de que Helder Silva saiu do imóvel quando se casou e não se lembra dele no imóvel depois desse casamento. Que sabe que Helder Silva separou e voltou a morar com a mãe, neste imóvel da Rua Áustria. Que a posse de Vicência era mansa e pacífica. Que nunca percebeu qualquer pessoa tentando tomar o imóvel dela. Que acredita que Vicência ficou sabendo depois do ajuizamento do processo por parte de Helder. Que acredita que Helder não contou para a mãe sobre o pedido de usucapião apresentado na justiça. Que tem conhecimento de que a mãe de Helder continua fazendo tratamento. Que a mãe de Helder tem mais de 80 anos" (f. 121).

Constata-se que o autor, pai das apelantes, não possuía o imóvel com intenção de dono, mas por permissão da sua genitora.

As apelantes não comprovaram que seu pai exercia posse com animus domini durante o lapso temporal exigido para a aquisição do bem por usucapião, estando comprovado que a sua posse não era inconteste, tanto que sua genitora requereu sua admissão na lide como substituta processual, sendo seu requerimento indeferido.

A posse das apelantes, portanto, não enseja a invocação da usucapião, por ser precária, constituindo obstáculo ao animus domini, que é uma condição psíquica do instituto jurídico em tela, traduzindo-se pela atuação como se dono fosse do bem.

Ausentes os requisitos legais, não tem procedência a pretensão das apelantes.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso apresentado por Michelle Rita de Sousa e outra, mantendo íntegra a decisão recorrida.

Custas recursais, pelas apelantes, suspensa sua exigibilidade, por estarem amparadas pela justiça gratuita.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Rogério Medeiros e Estevão Lucchesi.

Súmula - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Data: 06/02/2015 - 09:50:56   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - 05/02/2015
Extraído de Sinoreg/MG

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