“Nós pega o peixe”

Alfabetização de adultos precisa levar em conta “norma popular”, defendem especialistas

19/05/2011 - 8h46
Educação
Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Um livro de língua portuguesa distribuído a turmas de educação de jovens e adultos (EJA) pelo Ministério da Educação (MEC) causou polêmica ao incluir frases com erro de concordância como “os livro ilustrado” ou “nós pega o peixe” em uma lição que apresentava a diferença da norma culta e a falada. No texto, a autora da obra Por uma Vida Melhor defende que os alunos podem falar do “jeito errado”, mas devem atentar para o uso da norma culta, cujas regras precisam ser dominadas. Apresenta exemplos incorretos e, em seguida, mostra como eles deveriam ser escritos de acordo com as normas gramaticais.

A Academia Brasileira de Letras (ABL) condenou a posição da autora e criticou o MEC por defender a obra. O ministro Fernando Haddad já disse que os 484 mil livros comprados e distribuídos às escolas não serão recolhidos. De acordo com a ABL, “a posição teórica dos autores do livro didático que vem merecendo a justa crítica de professores e de todos os interessados no cultivo da língua padrão segue caminho diferente do que se aprende nos bons cursos de teoria da linguagem”.

Mas linguistas e especialistas em educação de adultos defendem que a aceitação da variedade popular é parte importante do trabalho com o público que não frequentou a escola na idade correta. “O aluno chega à escola com uma linguagem já constituída muito longe do que é a norma culta. Se acha burro por falar errado. Então o educador tem que mostrar que a linguagem dele não é primitiva, mas uma língua que tem uma lógica e por meio da qual ele consegue se comunicar. Se você reconhece a sua própria fala, você consegue adquirir a norma culta”, aponta Vera Masagão, presidente da organização não governamental (ONG) Ação Educativa e especialista em EJA.

Segundo Vera, para o adulto que retorna à escola depois de muito tempo sem estudar, aprender a norma culta é quase como “aprender uma língua estrangeira”. “Ele vai fazer um esforço muito grande para colocar o 's' no final das palavras porque para ele não é natural conjugar o plural. Ele já é falante totalmente maduro, ao contrário de uma criança”, compara. Ela avalia que a mesma abordagem não poderia fazer parte de um livro para as séries regulares do ensino fundamental, por exemplo, já que, nessa fase, o aluno está formando a sua linguagem.

Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília (UnB) e autor do livro Preconceito Linguístico, considera que faltaram informações à sociedade e aos meios de comunicação para abordar o assunto. “Isso é uma falsa polêmica porque qualquer livro didático que você procure no mercado brasileiro traz um comentário, uma lição sobre a variação linguística. A linguística moderna se dedica ao estudo de qualquer manifestação da língua e não só aquela que um grupo de pessoas considera certa”, afirma.

 

Edição: Lílian Beraldo
Agência Brasil

 

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Confira trechos do livro Por uma Vida Melhor que tratam da chamada “norma popular”

19/05/2011 - 8h49
Educação
Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil

Brasília - O livro Por uma Vida Melhor foi distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) para turmas de educação de jovens e adultos (EJA) em todo o Brasil. A publicação causou polêmica ao incluir frases com erro de concordância em uma lição que apresentava a diferença da norma culta e a falada.

Confira abaixo trechos do livro sobre o assunto:

 

“É importante saber o seguinte: as duas variantes [norma culta e popular] são eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros”

 

“'Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado'. Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’.’ Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião”

 

“Na variedade popular, contudo, é comum a concordância funcionar de outra forma. Há ocorrências como:

Nós pega o peixe.

nós - 1ª pessoa, plural

pega - 3ª pessoa, singular

Os menino pega o peixe.

menino - 3ª pessoa, ideia de plural (por causa do “os”)

pega - 3ª pessoa, singular

Nos dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem ouve a frase sabe que há mais de uma pessoa envolvida na ação de pegar o peixe. Mais uma vez, é importante que o falante de português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala.”

 

“É comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros. Esse preconceito não é de razão linguística, mas social. Por isso, um falante deve dominar as diversas variantes porque cada uma tem seu lugar na comunicação cotidiana.”

 

“A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta. Algo semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma autoridade exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal.”

 

 

Edição: Lílian Beraldo
Agência Brasil

 

 

 

 

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