Apelação Cível - Ação de reintegração de posse - Veículo - Poder físico sobre a coisa - Comodato verbal - Rescisão - Notificação extrajudicial

Apelação Cível - Ação de reintegração de posse - Veículo - Poder físico sobre a coisa - Comodato verbal - Rescisão - Notificação extrajudicial

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - VEÍCULO - PODER FÍSICO SOBRE A COISA - DESNECESSIDADE - RELAÇÃO JURÍDICA VÁLIDA - COMODATO VERBAL - RESCISÃO - NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL - PROCEDÊNCIA

- O fato de a parte não deter diretamente a posse do bem não lhe retira a qualidade de possuidora, visto que o ordenamento jurídico pátrio estabelece que, para tanto, basta que guarde com a coisa relação jurídica válida.

- Tendo a parte manifestado sua intenção de rescindir o comodato verbal de seu veículo, por meio da notificação extrajudicial, a reintegração na posse do bem é medida que se impõe.

Sentença reformada.

Apelação Cível nº 1.0358.13.001295-0/001 - Comarca de Jequitinhonha - Apelante: Messias Barbosa de Oliveira - Apelada: Flávia Chaves Barbosa - Relator: Des. José Arthur Filho

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 7 de abril de 2015. - José Arthur Filho - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. JOSÉ ARTHUR FILHO - Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de f. 52/55, que julgou improcedente o pedido formulado na ação de reintegração de posse proposta por Messias Barbosa de Oliveira em desfavor de Flávia Ferreira Chaves, condenando o autor no pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

Inconformado, apelou o autor, sustentando preliminar de conhecimento do agravo retido de f. 27/28; e, no mérito, alega que comprovou a propriedade sobre o veículo, objeto do litígio, e que a apelada não logrou êxito em desconstituir o seu direito, nos termos das razões apresentadas às f. 57/61.

Preparo à f. 62.

Contrarrazões de f. 64/71 tempestivamente aviadas.

É o relatório.

Decido.

Conheço do recurso interposto, presentes os pressupostos processuais de admissibilidade.

Do agravo retido.

O autor, ora apelante, interpôs agravo retido da decisão do Magistrado a quo, que, na audiência de justificação, entendeu por bem ouvir, na mesma oportunidade, as testemunhas apresentadas pela ré.

Naquela oportunidade, o requerente asseverou que "[...] a legislação processual vigente não disponibiliza à parte contrária a produção de qualquer prova durante a audiência de justificação, que tem por finalidade a oitiva das testemunhas arroladas pelo autor [...]".

Nesta instância recursal, o autor requereu o conhecimento e provimento do agravo retido para que seja declarada a nulidade do processo a partir da referida audiência.

No entanto, tenho que razão não lhe assiste.

É que, conforme posicionamento jurisprudencial do STJ, não tendo a parte demonstrado prejuízo ao seu direito em decorrência da oitiva da testemunha da ré na audiência de justificação prévia, não há como acolher a nulidade. Veja-se o que diz sobre o tema aquele Sodalício:

"Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Execução fiscal. Leilão. Alegação de nulidade. Inexistência. Impugnação do valor fixado a título de verba honorária. Questão atrelada ao reexame de matéria fática. Óbice da Súmula 7/STJ. 1. O reexame de matéria de prova é inviável em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ). 2. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência desta Corte, que é pacífica no sentido de que, "de acordo com a moderna ciência processual, que coloca em evidência o princípio da instrumentalidade e o da ausência de nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief), antes de se anular todo o processo ou determinados atos, atrasando, muitas vezes em anos, a prestação jurisdicional, deve-se perquirir se a alegada nulidade causou efetivo prejuízo às partes" (REsp 1.276.128/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 23.09.2013). No caso concreto, não há falar em nulidade, pois, em razão da inércia do exequente em indicar leiloeiro oficial, efetuou-se a nomeação pelo juízo, de modo que `houve a escolha de pessoa com credibilidade, considerada apta para a realização dos atos necessários e que desempenhou sua tarefa sem ofender qualquer interesse das partes. 3. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp 1434880/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 18.06.2014, DJe de 06.08.2014).

Por não ter sido demonstrado qualquer prejuízo às partes, nego provimento ao agravo retido.

Do mérito.

Consta dos autos que, em fevereiro de 2011, por meio de comodato verbal, o requerente cedeu a posse de seu veículo, Caminhão Mercedes Benz Placa GVK 6272, a seu filho, o qual veio a falecer no mesmo ano.

Em razão da morte, o pai, proprietário do caminhão emprestado ao falecido filho, requereu da ex-esposa daquele a devolução do referido bem, afirmando não ter mais interesse na cessão, o que foi negado pela requerida.

O Magistrado sentenciante concluiu pela improcedência da ação, sob o fundamento de que "[...] não restou demonstrado o referido comodato verbal"; "ao contrário, a prova testemunhal colhida em juízo demonstrou que, em verdade, o contrato realizado acerca do caminhão foi de venda e compra e não de comodato" e "destaco que o fato de constar perante os órgãos de trânsito o nome do autor como proprietário do veículo não o torna titular do direito propriamente dito" (f. 53).

Da análise das provas trazidas aos autos, de fato, o veículo objeto do litígio encontra-se registrado em nome do autor (f. 07); a ré foi notificada extrajudicialmente para que devolvesse o bem (f. 08/09); o autor registrou boletim de ocorrência perante a Polícia Civil da Comarca de Jequitinhonha (f. 11).

Por seu turno, a ré afirma que "o veículo informado na peça inicial fora comprado do requerente pelo falecido companheiro da requerida, sendo que, por razões de confiança familiar, o falecido não se preocupou em fazer a transferência de propriedade do citado veículo para o seu nome" (f. 17), o que foi rechaçado pelo autor (f. 24/25).

Ouvidas as testemunhas do autor, restou registrado "que o depoente tem conhecimento de que é [o autor] proprietário do caminhão objeto do litígio"; [...] "que o depoente não sabe informar se o autor vendeu ou emprestou o caminhão para seu filho" (f. 29); "que não presenciou qualquer contrato realizado entre o autor e seu filho nem como qualquer outra pessoa" (f. 30); "que o autor disse para o depoente que havia emprestado o caminhão para seu filho Messias, pois estava sem lugar para guardá-lo"; [...] "que o depoente não chegou a presenciar nenhum contrato entre o autor e seu filho e o que sabe ficou sabendo através do autor" (f. 31).

As testemunhas trazidas pela ré alegaram "que têm conhecimento de que a requerida utiliza os serviços do caminhão descrito na inicial"; [...] "que o depoente não presenciou nenhuma negociação entre o falecido esposo da requerida e o autor e não sabe informar acerca de valores" (f. 32); [...] "que o depoente não presenciou nenhuma negociação entre o autor e o seu falecido filho; que o autor não se negava a fazer a transferência, mas ficava protelando, dizendo que depois iria fazer a transferência" (f. 33).

Data venia do entendimento do ilustre Julgador primevo, tenho que, além da inexistência de prova documental que comprove a compra e venda do veículo, nem mesmo as testemunhas lograram êxito em esclarecer de maneira inconteste a existência de tal transação, na medida em que foram unânimes ao afirmar que "não presenciaram qualquer transação entre as partes".

Lado outro, é forçoso reconhecer que, não obstante a requerida exerça a posse direta sobre o bem, a posse indireta pertence ao requerente, conforme restou cabalmente comprovado pelo conjunto probatório.

E o fato de o autor não deter diretamente a posse do bem não lhe retira a qualidade de possuidor, visto que o ordenamento jurídico pátrio estabelece que, para que seja considerada possuidora de determinado bem, não é necessário que a pessoa detenha poder físico sobre a coisa, mas que guarde com esta tão-somente relação jurídica, como é a hipótese dos autos.

Além disso, este Tribunal firmou entendimento no sentido de que, em casos desse jaez, a notificação extrajudicial é suficiente para pôr fim ao contrato de comodato celebrado, conforme a seguir, mutatis mutandis:

"Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Princípio da identidade física do juiz. Relatividade. Contrato de comodato celebrado entre cônjuges. Término da relação conjugal. Posse indireta. Validade da notificação. Esbulho configurado. Reintegração concedida. O princípio da identidade física do juiz possui caráter relativo, e não absoluto, devendo ser, por conseguinte, demonstrado o efetivo prejuízo para se invocar a nulidade do ato processual. - Havendo provas nos autos de que a posse direta sobre o veículo objeto do litígio foi cedida à parte ré, através da celebração de comodato, com a permanência do bem sob a posse indireta do autor, e tendo este último manifestado a sua intenção de rescindir referido pacto após o fim do vínculo matrimonial, por meio da notificação acostada aos autos, a reintegração do comodante na posse do bem é medida que se impõe" (18ª Câm. Cível, Apelação Cível nº 1.0024.11.103744-6/002, Rel. Des. Arnaldo Maciel, j. em 06.08.2013, DJ de 12.08.2013).

"Direito civil e processual civil. Reintegração de posse. Contrato de comodato. Notificação do comodatário. Ausência de prova da relação de locação. Possibilidade jurídica do pedido. - Sabe-se que `o ordenamento jurídico brasileiro, com amparo no art. 131 do CPC, adota o princípio do livre convencimento motivado, com base no qual o juiz pode apreciar, com liberdade, as provas colacionadas, sendo que o documento de f. 26, com a devida vênia, não é apto a comprovar uma relação locatícia, pois representa apenas uma proposta. Poderia a parte ré comprovar o pagamento das prestações mensais do aluguel ou o adimplemento de algum outro encargo locatício, mas, quanto a tanto, permaneceu inerte, levando a crer que se trata de contrato de comodato e não de aluguel. Nos contratos de comodato, o comodatário exerce a posse direta do bem, continuando a posse indireta com o comodante. Finda a avença de comodato, a qual se realizou pela notificação para desocupação do bem, a ausência de restituição do bem configura o esbulho e, portanto, a posse injusta, necessários à ação de reintegração de posse" (10ª CC, Apelação Cível nº 1.0702.12.022111-5/001, Rel. Des. Cabral da Silva, j. em 28.01.2014, DJ de 07.02.2014).

A requerida foi devidamente notificada, conforme comprova o documento de f. 08/09, quedando-se inerte.

Pelo exposto, parece-me mais palpável o direito do autor, motorista aposentado, com quase 70 anos de idade, que deve mesmo ter emprestado o caminhão para ajudar seu filho, conforme se comprova nos autos.

Com a morte do filho, também me parece razoavelmente comprovado ter cessado a razão do referido empréstimo, qual seja a existência do vínculo entre pai e filho, vínculo cessado em função da morte deste.

Isso posto, dou provimento ao recurso para julgar procedente o pedido inicial e condenar a ré a reintegrar o autor na posse do veículo descrito à f. 07, no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de busca e apreensão e multa de R$100,00 (cem reais) por dia de atraso.

Custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$1.000,00 (mil reais), serão arcados integralmente pela ré.

É como voto.

Custas recursais, ex lege.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Pedro Bernardes e Luiz Artur Hilário.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Data: 06/07/2015 - 09:27:01   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Sinoreg/MG

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