Princípio da insignificância não pode ser aplicado em casos de infrator contumaz

3/12/2014 - 12:35
DECISÃO

Princípio da insignificância não pode ser aplicado em casos de infrator contumaz

Não se admite a incidência do princípio da insignificância nos casos em que o agente é autor contumaz de crimes contra o patrimônio. Esse foi o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de um habeas corpus.

A condenada furtou de uma drogaria dois desodorantes, quatro barbeadores, um gel fixador, um gel creme modelador, um creme de pentear, cinco caixas de preservativos e 13 barras de chocolate. Tudo foi avaliado em R$ 88,24 à época dos fatos.

A mulher foi condenada a cumprir pena de dois anos de reclusão em regime semiaberto. Para o juiz, deixar de reprimir a acusada em virtude do “pequeno valor subtraído” seria “estimulá-la a constantes pequenas investidas contra o patrimônio alheio”.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a sentença, mas modificou a pena para um ano e 10 dias de reclusão, mantido o regime semiaberto. Para o TJMG, a aplicação do princípio da insignificância ao caso “certamente representaria um estímulo à delinquência e à reiteração criminosa da apelante”. Entretanto, a defensoria pública insistiu que fosse aplicado o princípio, dessa vez no STJ.

De acordo com o ministro Rogerio Schietti, cujo pensamento foi o vencedor na Turma, o princípio da insignificância é um “tema que desperta grande dificuldade ao operador do direito, quer para aceitar a incidência de tal princípio orientador da aplicação da lei penal, quer para lhe definir os contornos precisos”.

Visão do STF

Segundo Schietti, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendido que o princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal.

Para o STF, “o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”.

O STJ, nas Quinta e Sexta Turmas, tem decidido que, para delimitar o âmbito de aplicação da insignificância, o juiz deverá ponderar o conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação, de modo a descobrir se, mesmo estando ela descrita em um tipo penal, não afeta de maneira relevante o bem jurídico que o tipo protege.

Fatores

Para isso, Schietti elencou fatores que devem ser avaliados para saber se um comportamento formalmente típico deve ou não receber punição: “o valor do bem ou dos bens furtados; a situação econômica da vítima; as circunstâncias em que o crime foi perpetrado, ou seja, se foi de dia ou durante o repouso noturno, se teve o concurso de terceira pessoa, sobretudo adolescente, se rompeu obstáculo de considerável valor para a subtração da coisa, se abusou da confiança da vítima etc.; a personalidade e as condições pessoais do agente, notadamente se demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou seu estilo de vida, com sucessivas ocorrências (reincidente ou não)”.

Para o ministro, avaliar os dados empíricos implica reconhecer que, “na concretização do poder punitivo estatal, há algo além da mera tipicidade formal do comportamento”. De acordo com o ministro, implica reconhecer que, “conservador ou liberal, o julgador densifica uma dada política criminal, que há de dialogar, necessariamente, com a dogmática penal”.

Schietti destacou que a “simples existência de maus antecedentes penais, sem a devida e criteriosa verificação da natureza desses atos pretéritos, não pode servir de barreira automática para a invocação do princípio bagatelar”.

Conexão comportamental

Dessa maneira, o ministro ressaltou que os crimes cometidos anteriormente pelo agente devem ter alguma conexão comportamental com o crime patrimonial cometido para que a insignificância seja afastada.

Conforme os autos, a condenada já havia cometido o mesmo crime em ocasiões anteriores. Schietti analisou que o valor dos bens subtraídos da drogaria não poderia ser considerado “ínfimo”, pois, de acordo com ele, não é ínfimo valor furtado equivalente a aproximadamente 20% do salário mínimo vigente (R$ 415). Nesse sentido, o ministro disse que a conduta da paciente não possuiu “escassa lesividade penal”,

Schietti afirmou que a paciente é “contumaz e multirreincidente em crimes da mesma natureza, ostentando pelos menos três condenações anteriores por crime de furto e por crimes de roubo, a denotar sua habitualidade criminosa, de maneira que a lesão jurídica provocada não pode ser considerada insignificante”.

Tais fatores foram decisivos para que a maioria dos magistrados da Turma rejeitasse o habeas corpus, não conhecendo do pedido.

Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Notícias

Lacunas e desafios jurídicos da herança digital

OPINIÃO Lacunas e desafios jurídicos da herança digital Sandro Schulze 23 de abril de 2024, 21h41 A transferência de milhas aéreas após a morte do titular também é uma questão complexa. Alguns programas de milhagens já estabelecem, desde logo, a extinção da conta após o falecimento do titular, não...

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - PARTILHA - VEÍCULO - USUCAPIÃO FAMILIAR - ÔNUS DA PROVA - O casamento pelo regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros...

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...