Especialistas criticam propostas do Ministério Público contra a corrupção

Alex Ferreira / Câmara dos Deputados  Audiência Pública e Reunião Ordinária  Comissão especial da Câmara dos Deputados ouviu professores de Direito e sociólogo sobre as "10 Medidas Contra a Corrupção", reunidas em projeto que está em tramitação na Casa

23/08/2016 - 14h48

Especialistas criticam propostas do Ministério Público contra a corrupção

Segundo eles, as propostas atacam as garantias individuais, acabam com a presunção da inocência e ferem o ordenamento jurídico

Em audiência pública da comissão especial encarregada de analisar o projeto que altera a legislação de combate à corrupção (PL 4850/16), advogados e especialistas criticaram pontos da proposta, como as restrições ao habeas corpus e a permissão de uso de provas ilícitas em alguns casos.

O projeto prevê medidas que dividem opiniões de juristas, como o chamado teste de integridade para funcionários públicos. O teste consiste em simular a oferta de propina para ver se o funcionário é honesto ou não.

O projeto, apelidado de “Dez Medidas Contra a Corrupção”, foi enviado ao Congresso pelo Ministério Público Federal, com o apoio de 2 milhões de assinaturas.

Além do teste, a proposta tem outras medidas polêmicas, como a necessidade de o juiz ouvir o Ministério Público antes de conceder habeas corpus para réus que não estão presos e o confisco de patrimônio do corrupto mesmo quando não existem provas de que aquele bem é fruto de corrupção.

O projeto também aumenta as penas para crimes contra a administração pública e criminaliza o enriquecimento ilícito. Além disso, permite ao juiz não aceitar recursos quando considerar que eles são apenas para atrasar o processo.

Críticas
Para os participantes da audiência, as medidas comprometem garantias individuais previstas na Constituição. Segundo o juiz Marcelo Semer, do estado de São Paulo, o projeto tem viés acusatório e fere o ordenamento jurídico brasileiro em diversos pontos.

Ele criticou a possibilidade de prisão preventiva sem o devido fundamento, o aumento de penas sem levar em consideração a proporcionalidade das punições para outros crimes e a definição das penas de acordo com o tamanho do prejuízo.

“A proposta tem um viés acusador, cria tipos penais, aumenta alguns outros, abre espaço para uso de provas ilícitas, fragiliza o habeas corpus e parte da premissa errada de que não é possível combater o crime sem ilegalidade”, disse.

Para Semer, a proposta “se adequa ao velho lema de que os fins justificam os meios”. Ele criticou também limites aos recursos dos réus e à concessão de habeas corpus.

“Não ficou claro o que é recurso abusivo. Abusivo, no meu entender, é criar obstáculos para os recursos. Criar obstáculos aos embargos infringentes é incabível. Todo o arcabouço legal brasileiro é no sentido de não condenar em caso de dúvida. Os embargos infringentes não chegam a 5% do total. Não há estatística que demonstre que eles atrasam os processos. Aqui simplesmente se restringe direitos”, disse.

O juiz também criticou a previsão, contida no projeto, de que prova ilícita pode ser considerada válida se obtida de boa-fé. “O projeto dissolve o princípio da prova ilícita. E é uma contradição o conceito de prova ilícita de boa-fé. Permite provas ilícitas para contraditar álibi, ou seja, há um forte estímulo para a produção de provas ilícitas. O policial pode cometer crime para provar a mentira do réu. Mas o crime do policial é pior que o do réu”, disse.

Sem ler
Para o advogado Gamil Föppel, professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o projeto fere o processo penal. “O projeto é um engenho muito bem feito para rasgar o processo penal sob o pretexto de combater a corrupção. Mas não se combate a corrupção corrompendo o processo penal”, disse.

Para ele, as pessoas apoiaram o projeto sem ler. “Essas 2 milhões de pessoas assinaram um cheque em branco. O projeto prevê a flexibilização de garantias fundamentais. O problema é que o que causou isso passa, e a flexibilização continua”, disse.

Föppel criticou vários pontos do projeto, como o aumento de penas para crime de corrupção, a tipificação criminal do enriquecimento ilícito, as limitações para a concessão de habeas corpus e a permissão para o uso de provas ilícitas em determinadas circunstâncias.

“Se aumento de pena diminuísse crime, nós não teríamos mais crimes hediondos no Brasil. O crime de enriquecimento ilícito para servidor público é desnecessário, já que já existem os crimes de corrupção passiva e peculato. E o habeas corpus é tratado de maneira obscena”, disse.

Segundo o advogado, o uso de provas ilícitas e o chamado teste de integridade para servidores públicos, com a simulação de vantagens, permitem a prática de flagrantes preparados pela polícia.

“Peço aos senhores para não aprovarem essas medidas da maneira como estão, já que elas ferem o estado de Direito”, pediu aos deputados.

Omissões
Outro convidado, o sociólogo Alberto Carlos de Almeida, autor do livro “A Cabeça do Brasileiro”, disse que o projeto não atinge as causas da corrupção.

“O projeto não ataca a fonte: o processo eleitoral. Enxuga o gelo em vez de impedir que ele derreta. Se a gente não atacar a fonte, que é o problema da legitimidade do sistema político, não vai adiantar nada”, disse.

Almeida elogiou a iniciativa de discutir o combate à corrupção, mas destacou a necessidade de aperfeiçoar o sistema eleitoral, de maneira a garantir legitimidade à representação popular.

Corrupção na privada
Heleno Torres, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), apontou outra omissão na proposta: a tipificação de crimes de corrupção na iniciativa privada.

“É preciso também discutir corrupção privada, como cartelização de mercado ou atos que ferem a concorrência, e ampliar os tipos penais em relação a licitações”, disse.

Divisão
O projeto também divide os integrantes da comissão. Para o deputado Wadih Damous (PT-RJ), as medidas ferem as garantias individuais e a Constituição. Ele chegou a comparar algumas propostas a medidas fascistas.

“Alguns pontos do projeto ferem garantias constitucionais e quem faz qualquer crítica às medidas é apontado como defensor da corrupção. Isso é fascismo”, disse.

O deputado Sérgio Vidigal (PDT-ES) disse temer as expectativas criadas em torno da aprovação do projeto. “Minha preocupação é que a gente crie a expectativa de que a lei vai resolver os problemas e isso não acontecer”, disse.

Equilíbrio
Para o relator da comissão especial que analisa o projeto, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), é preciso chegar a um equilíbrio em relação à proposta, sem frustrar a população.

“Respeito a opinião dos convidados, mas não dá para dizer que o ordenamento jurídico brasileiro é suficiente para combater a corrupção. Precisamos encontrar uma maneira de responder a 2 milhões de brasileiros. Mas a resposta tem que ser equilibrada, sem colocar em risco o direito das pessoas”, disse o relator.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

Reportagem – Antonio Vital
Edição – Newton Araújo
Agência Câmara Notícias
 

 

Notícias

Aumento de renda do pai gera revisão de valor da pensão alimentícia

BOLSO CHEIO Aumento de renda do pai gera revisão de valor da pensão alimentícia 8 de março de 2024, 7h49 A autora da ação lembrou que o valor inicial da pensão foi fixado em 27,62% do salário mínimo nacional, já que na época o pai da criança não tinha boa condição financeira. Prossiga em Consultor...

TJSC permite que mulher retire o sobrenome do marido mesmo durante o casamento

TJSC permite que mulher retire o sobrenome do marido mesmo durante o casamento 01/03/2024 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJSC) Em decisão recente, a 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC garantiu que uma mulher retire o sobrenome...

Juiz reconhece impenhorabilidade de pequena propriedade rural em Goiás

GARANTIA CONSTITUCIONAL Juiz reconhece impenhorabilidade de pequena propriedade rural em Goiás 4 de março de 2024, 9h43 Na decisão, o magistrado acolheu os argumentos do produtor rural e lembrou que para que uma propriedade rural seja impenhorável basta que se comprove que ela não é maior do que os...