Especialistas apontam falhas em medidas de combate à corrupção sugeridas pelo MP

22/08/2016 - 22h02

Especialistas apontam falhas em medidas de combate à corrupção sugeridas pelo MP

O professor de ética e filosofia da Unicamp Roberto Romano e o advogado criminal Augusto Botelho criticaram algumas das medidas contra a corrupção em análise na Câmara dos Deputados. Eles participaram, nesta segunda-feira (22), de audiência pública da comissão especialsobre as dez medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público (PL 4850/16).

 
Lucio Bernardo Junior / Câmara dos Deputados
Audiência Pública e Reunião Extraordinária. Professor de Ética e Filosofia na UNICAMP, Roberto Romano
Roberto Romano, da Unicamp, criticou medidas que usam a boa-fé como justificativa para obtenção de provas ilícitas

Romano disse que a proposta tem aspectos positivos, como o aumento da transparência, mas frisou que alguns pontos levam à desmoralização da ética pública. O docente citou o exemplo do artigo que prevê retribuição financeira para quem contribuir para a obtenção de provas ou colaborar para a localização de bens em ação penal. Ele destacou que essa prática é condenável desde a Grécia Antiga, que já reprimia os chamados "sicofantas", que difamavam em troca de lucro.

"Dada a experiência do uso de delatores e de instrumentos de delação por regimes democráticos ou por regimes autoritários, como é que nós podemos aceitar a proposta desse artigo? Foi refletido, na redação, o passivo moral que a prática instaura ou reitera? É contra a fé pública mover profissionais à delação paga", argumentou.

Roberto Romano criticou ainda algumas medidas que usam a boa-fé como justificativa para a obtenção de provas ilícitas. O professor da Unicamp sugeriu "prudência" na análise das propostas por temer que "sistemas punitivos se tornem autoritários".

Direito de defesa
Na mesma linha, Augusto Botelho, que é conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, viu nas propostas uma série de entraves à atuação dos advogados criminais. Os principais problemas, na visão dele, estão nos dispositivos que tratam dos recursos judiciais e das nulidades penais.

"São propostas que vão valer para o crime de corrupção, de sonegação de impostos, furto de galinha, tráfico de drogas, enfim para todos os crimes. Na verdade, o que o Ministério Público propõe é um Código de Processo Penal altamente voltado ao interesse da acusação”, sustentou. “É preciso deixar claro que estamos tratando aqui de uma reforma ampla, radical e perigosíssima da lei, sob o manto de se estar combatendo a corrupção", continuou.

 
Alex Ferreira / Câmara dos Deputados
Audiência pública para debater sobre o PL 4850/16, que estabelece Medidas Contra a Corrupção. Dep. Onyx Lorenzoni (DEM-RS)
Relator da matéria, Onyx Lorenzoni prometeu ouvir "à exaustão" os diversos setores, a fim de aperfeiçoar a proposta

Outra medida criticada pelo conselheiro foi a previsão de prisão preventiva para se garantir a devolução de dinheiro desviado. "Isso tornaria a prisão preventiva uma antecipação de condenação, porque, de preventiva, não tem nada", defendeu Botelho.

Mudanças no texto
Na audiência pública, vários deputados garantiram que, apesar do apoio de 2 milhões de brasileiros que assinaram as medidas anticorrupção, as propostas enviadas pelo Ministério Público serão aperfeiçoadas na Câmara. O relator da comissão especial, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), ressaltou que o tema é complexo e está sendo examinado com rigor no combate à corrupção, mas sem afetar direitos.

"É claro que as salvaguardas constitucionais devem ser todas preservadas. A reflexão e esse contraponto em relação às propostas do Ministério Público vão nos ajudar a acertar exatamente a graduação das coisas”, ressaltou Lorenzoni. “Mas não dá para continuar com os atuais instrumentos, achando que eles são suficientes. Esse é um país que rouba R$ 100 bilhões por ano da administração pública", acrescentou.

O parlamentar citou o exemplo do polêmico teste de integridade, inicialmente proposto como uma simulação de oferta de vantagens, sem o conhecimento do servidor público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer ilícitos. A medida, criticada em outras audiências da comissão, agora avança na Câmara no sentido de se admitir o instrumento, desde que seja aplicado em situações objetivas e pontuais, baseado em suspeita real e com prévia autorização judicial.

Quanto a essa alternativa para o uso do teste, Botelho viu avanços significativos, enquanto Romano mantém a preocupação de que a medida pode provocar situações semicaluniosas.

Insatisfação
Os deputados Carlos Marun (PMDB-MS) e Domingos Sávio (PSDB-MG) reclamaram de recentes entrevistas em que alguns procuradores cobraram a aprovação das dez medidas anticorrupção na íntegra e criticaram a intenção de parlamentares em alterar o texto encaminhado ao Congresso com o apoio de 2 milhões de assinaturas.

O presidente da comissão especial, deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), argumentou que as manifestações dos procuradores devem ter sido individuais, pois os representantes do Ministério Público que trouxeram as propostas ao Congresso sempre deixaram clara a intenção de contar com os parlamentares para debatê-las e aperfeiçoá-las. O relator, Onyx Lorenzoni, reforçou que as medidas serão debatidas "à exaustão" com os mais variados setores.

Hoje, a comissão aprovou 14 requerimentos de audiência pública, a serem realizadas nas próximas semanas. Entre os convidados, estão representantes do movimento "Mude - Chega de Corrupção", da Comissão de Combate à Corrupção da Ordem dos Advogados do Brasil, da Federação Nacional dos Policiais Federais e da Advocacia-Geral da União.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Marcelo Oliveira
Agência Câmara Notícias
 

 

Notícias

Lacunas e desafios jurídicos da herança digital

OPINIÃO Lacunas e desafios jurídicos da herança digital Sandro Schulze 23 de abril de 2024, 21h41 A transferência de milhas aéreas após a morte do titular também é uma questão complexa. Alguns programas de milhagens já estabelecem, desde logo, a extinção da conta após o falecimento do titular, não...

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - PARTILHA - VEÍCULO - USUCAPIÃO FAMILIAR - ÔNUS DA PROVA - O casamento pelo regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros...

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...