"Uma avaliação subjetiva idiossincrática"

Segunda-feira, Janeiro 30, 2012

Consultor Jurídico

Proposta pede que o próprio juiz peça suspensão condicional do processo 

Notícias de Direito
Texto publicado domingo, dia 29 de janeiro de 2012

Projeto quer que juiz peça suspensão do processo

Por Marília Scriboni

"Uma avaliação subjetiva idiossincrática." É dessa forma que o criminalista Alberto Zacharias Toron entende o modus operandi dos pedidos de suspensão condicional do processo apresentados pelo Ministério Público. De olho nisso, o advogado apresentou o problema ao deputado federal João Campos (PSDB-GO), que transformou a questão no Projeto de Lei 1.189, de 2011.

Típica dos ritos sumaríssimos dos Juizados Especiais Criminais, a suspensão condicional do processo prevê que, antes do início da persecução penal, o acusado, por meio de transação processual e sem discutir a sua responsabilidade no caso, se submeta ao cumprimento de determinadas condições, elencadas na Lei 9.099, de 1995. A norma regula o funcionamento dos Juizados Especiais Cíveis e também do Jecrim.

Hoje, é o promotor ou o procurador de Justiça que possui a exclusividade no oferecimento da proposta em conjunto com a apresentação da denúncia. Nascida com a missão de impedir a prisão de quem não precisar ser preso, atingindo aqueles que cometeram crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena mínima cominada não ultrapasse um ano, quando o acusado não for reincidente em crime doloso e não esteja sendo processado por outro crime, a suspensão condicional do processo depende, hoje, do cumprimento de requisitos objetivos e subjetivos. Esses últimos serão avaliados pelo parquet.

É esse ponto que o projeto de lei quer mudar, conferindo também ao juiz o poder de, de ofício, aplicar a suspensão, assim como acontece com o sursis penal. Para isso, pretende acrescentar o artigo 89-A à lei, citando a possibilidade. O deputado autor da proposta justifica: “Diante dessa liberdade de agir, o Ministério Público, muitas vezes, tem deixado de apresentar a proposta de suspensão condicional do processo, mesmo nos casos em que estão presentes todos os requisitos objetivos e subjetivos do benefício em tela.”

Toron afirma que a atual lógica é descabida. “Com todo o respeito, isso é bobagem, porque apequena o grande instituto da suspensão condicional do processo”, declarou.

A tese de que a suspensão condicional do processo é, sim, um direito subjetivo do acusado, e não mera faculdade do Ministério Público em ofertar ao réu, é defendida por outros criminalistas. É o caso, por exemplo, de Guilherme Batochio, que disse ter “sempre” defendido a ideia nesse sentido.

“A recusa do MP em propô-la quando o acusado preenche os requisitos autorizadores da concessão do benefício representa a violação de um seu direito e, por isso, traduz arbítrio. Não diria que é comum a recusa, mas ela ocorre com alguma frequência”, conta.

O criminalista Paulo José Iasz de Morais diz que o não oferecimento desse benefício vem se tornando uma prática comum. “Há casos em que, tendo mais de um acusado, o MP pede o benefício para um e não para outro, levando em conta os graus de envolvimento”, explica o advogado.

“É necessário”, acredita, “que o instituto seja estabelecido de forma homogênea. Deve ser dado tratamento igual para pessoas iguais, desde que atendidos os requisitos objetivos”, diz.

Recursos à mão
Até agora, o que se tem contra essa titularidade é o artigo 28 do Código de Processo Penal, segundo o qual “se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.

Há também uma súmula do Supremo Tribunal Federal, de número 696, que trata do tema. Segundo o enunciado, “reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de Justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o artigo 28 do Código de Processo Penal”.

Mas, para Iasz de Morais, a comparação é descabida, uma vez que o dispositivo fala sobre inquérito criminal. O mesmo entendimento é compartilhado pelo deputado federal: “Essa construção jurisprudencial, contudo, afigura-se bastante forçada, visto que o artigo 28, do Código de Processo Penal, destina-se à revisão do pedido de arquivamento do inquérito policial.”

Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que a concessão ex offício pelo juiz não é admitida pelo Superior Tribunal de Justiça, “sob a alegação de que o juiz não é parte no processo”. “Não concordo com o entendimento de que o magistrado não possa conceder a suspensão condicional do processo diante da recusa do membro do Ministério Público em oferecê-la. E muito menos que referida atitude do magistrado feriria o sistema acusatório. Isto porque esse é um direito subjetivo do réu, preenchidos os pressupostos autorizadores da suspensão condicional do processo, a concessão do benefício”, aponta.

O professor conta também que “não haveria concessão ex officio do benefício pelo juiz, quando a requisição, em vez de requerida pelo membro do Ministério Público, fosse requisitada pela defesa”. Ele cita Aury Lopes Junior, que em Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional (Lumen Juris, 2010), para quem “o imputado postula o reconhecimento de um direito (suspensão condicional do processo) que lhe está sendo negado pelo Ministério Público, e o juiz decide, mediante invocação. O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu, ou seja, sua verdadeira missão constitucional”.

Em artigo sobre o assunto publicado no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o juiz Alfredo José Marinho Neto, que atuou na 2ª Vara Criminal de Belford Roxo, afirma que “tratando-se a suspensão condicional do processo de um direito subjetivo do réu, que pode ensejar até a nulidade do processo se não lhe for dada oportunidade para gozá-lo, é dever do magistrado oferecer essa oportunidade ao réu na hipótese de recusa injustificada ou improcedente por parte do órgão de acusação”.

Funcionamento do instituto
Na suspensão condicional do processo, a culpabilidade, os antecedentes e a conduta são levadas em conta, de modo a autorizar a concessão do benefício. Depois de aceita pelo acusado, o juiz homologa o caso, suspendendo a ação penal de dois a quatro anos. Também fica interrompida a prescrição. Ao fim desse lapso temporal, fica extinta a punibilidade do agente. Pode-se, no futuro, inclusive, conceder o benefício novamente.

Dentre as regras que o acusado vai cumprir estão, por exemplo, a proibição de frequentar determinados lugares e de se ausentar da comarca, sem autorização judicial. Ele terá, ainda, de comparecer mensalmente a juízo, para informar e justificar suas atividades.

 

Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.

Extraído de diHITT

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