Artigo - União Estável e Casamento: o paradoxo da equiparação - Por Rodrigo da Cunha Pereira

Artigo - União Estável e Casamento: o paradoxo da equiparação - Por Rodrigo da Cunha Pereira

Publicado em: 03/11/2016

É muito saudável que as diferentes formas de constituição de família preservem suas peculiaridades, sem que isto signifique a superioridade de uma sobre a outra. A diferença hoje entre o casamento civil e a união estável restou fundamentalmente em que o cônjuge é herdeiro necessário e o companheiro não o é. Em que pese a polêmica discussão da igualdade entre essas duas formas de constituição de família e o julgamento pelo STF, em 31/08/2016, equiparando essas duas entidades familiares, é razoável que tais diferenças permaneçam. Isto não significa a prevalência de uma sobre a outra. É exatamente esta diferenciação que dá a possibilidade de escolha ao casal de constituir uma família, sem que o cônjuge seja necessariamente herdeiro. É esta diferença, portanto, que pode garantir a liberdade, um dos pilares de sustentação do Direito Civil.

É paradoxal a equiparação entre união estável e casamento, tal como estabelecido na decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 878694, no voto do Ministro Relator Luís Roberto Barroso e que ficou assente para fins de repercussão geral, a seguinte tese: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união está- vel, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. Apesar da posição oficial do IBDFAM, inclusive participando como amicus curiae, em favor da equiparação, continuo me perguntando: Será mesmo bom estabelecer as regras para as uniões estáveis em similitude com o casamento? Ora, se as pessoas não se casam no civil, é porque não querem fazê-lo, ainda mais com as facilidades do divórcio pós EC 66/2010. Com o estabelecimento da equiparação entre união estável e casamento, qual alternativa restará à pessoa que não quiser se casar e preferir viver em regime de união estável? Certamente nenhuma, pois se estaria em um instituto idêntico ao do casamento, embora com outro nome. Neste raciocínio, equiparar a união estável seria praticamente acabar com ela, matá-la em sua essência, que é exatamente não estar presa às regras do casamento. A união estável é um instituto em que os sujeitos desejam um espaço onde possam criar suas próprias regras da convivência, sem interferência estatal.

As tentativas de equiparação da união estável esbarram em contradições. É que sua essência, seu cerne, é exatamente não querer intervenção excessiva do Estado. Isto é o que acontece na maioria dos países europeus, ou seja, o instituto da união estável escapa e escapará sempre às imposições e às tentativas de regramentos/equiparações. É o espaço do não institucionalizado e, pela sua natureza, é algo que quer exatamente fugir das regras e escapar dos limites e formalidades do casamento civil. Escolher viver em união estável está diretamente ligado à op- ção e desejo de um outro tipo de conjugalidade, fora daquele preestabelecido pelo Estado, ou uma forma alternativa ao casamento.

Não podemos confundir, entretanto, a não equiparação das uniões estáveis com o casamento com a não proteção do Estado a este tipo de união, seu reconhecimento enquanto forma de família e como instituto que tem consequências jurídicas. União estável, ou união livre, como o próprio nome indica, é aquela livre de regulamentação, registros e controles oficiais. Equipará-las ao casamento significa interferir na liberdade de escolher a forma de se constituir família. Essa tendência é, na verdade, uma posição moralista e equivocada, pois seria o mesmo que não aceitá-la como uma forma de família diferente do casamento. É como se fosse para resgatá-la de algo que não é correto, como moralistamente estabeleceu-se no artigo da Constituição da República (226, § 3º) que o Estado facilitará sua conversão em casamento.

O Estado não pode e não deve interferir na liberdade dos sujeitos de viver relações de natureza diferente daquelas por ele instituídas e desejadas. Se em tudo se equipara união estável e casamento, significa que não teremos mais duas formas de constituição de família, mas apenas uma, já que não há mais diferen- ças. O velho, mas sempre atual, bordão do movimento feminista cai aqui como uma luva: viva a diferença com direitos iguais
.

Rodrigo da Cunha Pereira: Advogado especializado em Direito de Família, com ênfase interdisciplinar em Psicanálise. Professor de Direito Civil – Direito de Família – PUC/MG, desde 01/09/93 (atualmente licenciado).

Fonte: Rodrigo da Cunha Pereira
Extraído de Recivil

Notícias

Pela 1ª vez, uniões consensuais superam casamento civil e religioso

Pela 1ª vez, uniões consensuais superam casamento civil e religioso Censo 2022 revela que 51,3% da população tinha relação conjugal Bruno de Freitas Moura - Repórter da Agência Brasil Publicado em 05/11/2025 - 10:03 Brasília Origem da Imagem/Fonte: Agência Brasil  -  Certidão de...

STJ autoriza penhora de imóvel financiado para quitar dívida de condomínio

STJ autoriza penhora de imóvel financiado para quitar dívida de condomínio Alessandro Junqueira de Souza Peixoto A decisão do STJ muda o jogo: Agora, imóveis financiados também podem ser penhorados para pagar dívidas de condomínio. Entenda o que isso significa para síndicos e...

Neto poderá ter avós maternos reconhecidos como seus pais

Neto poderá ter avós maternos reconhecidos como seus pais Ele moveu ação para reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetiva 29/10/2025 - Atualizado em 29/10/2025 A 4ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) cassou uma sentença da Comarca de Diamantina e...

Georreferenciamento: novo prazo para 2029 gera alívio e controvérsia

Opinião Georreferenciamento: novo prazo para 2029 gera alívio e controvérsia Nassim Kassem Fares 27 de outubro de 2025, 19h35 O projeto e seu substitutivo, que estendeu a prorrogação para todos os imóveis rurais, tiveram como objetivo oferecer “uma solução legislativa viável, segura e proporcional...