Aumentar a Selic é o mesmo que tirar sangue do paciente para abastecer o banco de plasma do hospital

Quando juro alto é veneno e não remédio
Aumentar a Selic é o mesmo que tirar sangue do paciente para abastecer o banco de plasma do hospital.

 

01/04/2011 - Alfredo Bonduki *

É muito preocupante constatar que a mesmice do aumento de juros é a solução preconizada pelo Banco Central, com apoio de alguns economistas a serviço do setor financeiro, para conter o ameaçador ritmo da inflação neste início de 2011. Incorre-se, nessa desgastada fórmula, num entendimento equivocado quanto à origem do problema e numa perspectiva extremamente subestimada quanto aos graves impactos negativos, em futuro próximo, na capacidade de investimento dos setores produtivos, na expansão do PIB e no atendimento à demanda das obras vinculadas à agenda da Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016. E se deve lembrar a expectativa de que o legado das duas competições, muito mais importante do que sua própria realização, signifique o fim do gargalo da infraestrutura, que tanto aflige o País.

Quanto às causas da inflação, é simples entender por que está equivocada a análise das autoridades monetárias: 15% de sua composição atual referem-se aos chamados valores indexados, constituídos pelo conjunto das tarifas públicas (água, energia elétrica e telefone), aluguel, anuidades escolares e o aumento do salário mínimo e das aposentadorias. Outros 75% decorrem da significativa majoração das commodities e dos alimentos. Em ambos os casos, juro alto não tem o mínimo efeito. Restam, portanto, apenas 10% do IPCA efetivamente suscetíveis à influência da elevação da Selic. Ademais, a realidade brasileira já comprovou que o aumento dessa taxa não tem sido um remédio proporcionalmente eficaz, pois temos o juro real mais alto do mundo e, nem por isso, nossa inflação encontra-se entre as mais baixas.

O mais grave é que esse diagnóstico errado, se concretizado em termos práticos, iniciando-se novo ciclo de aumento da Selic, significará paulatino e inevitável processo de fragilização dos setores produtivos, a começar pelo fato de drenar recursos do chão de fábrica para o setor financeiro, invertendo-se a lógica que rege a economia capitalista. É algo tão insólito quanto uma impensável transfusão ao contrário, tirando-se sangue do paciente para abastecer o banco (oops...) de plasma do hospital.

Ocorreria, portanto, uma crescente perda da capacidade de investimento na produção, gerando-se, em médio prazo, uma inflação de demanda, esta sim mais grave. Hoje, a indústria tem plena capacidade de atender ao saudável aumento do consumo, propiciado pela bem-vinda inclusão econômica de quase 30 milhões de brasileiros nos últimos anos. Os distintos segmentos da manufatura prepararam-se para isso, como o setor têxtil, que, somente em 2010, investiu cerca de dois bilhões de dólares.

Somando-se ao atual câmbio sobrevalorizado e aos demais ônus do “Custo Brasil”, o juro mais alto seria quase um golpe de misericórdia na competitividade da manufatura brasileira, incentivando ainda mais a importação. Cabe lembrar o alerta da Fiesp: em 2010, a balança comercial da indústria nacional teve déficit de 70,9 bilhões de dólares, significando crescimento de 95% em relação ao ano anterior. Nesse cenário, ficamos reféns do dólar, que está funcionando como um indexador em relação aos produtos importados. Se ele voltar a subir, teríamos um agudo e abrupto salto da inflação.

A rigor, o aumento da Selic delineia o advento de um indesejável círculo vicioso: avanço do capital especulativo e ingresso de dólares para se locupletar de nosso generoso rendimento; aumento da dívida pública, cujo serviço é agravado pelo juro elevado, e proporcional agravamento do risco a ela vinculado, o que implica mais juro... e tudo isso alimentando a queda dos investimentos produtivos.

Portanto, a solução para conter os índices inflacionários não está na mesmice da alta dos juros, mas numa lição de casa que começa com a efetiva redução dos gastos da União, estados e municípios e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não adianta cortar investimentos públicos; é preciso reduzir as despesas de custeio. Nesse sentido, há muita gordura inútil a ser drenada. O Brasil não pode iludir-se com o conceito de “superávit primário”, um brilhante recurso retórico para disfarçar o déficit orçamentário da área estatal. O serviço da dívida pública também é custo.

Há outros mecanismos inteligentes para se conter a inflação, fora do universo redundante dos juros. Um exemplo foi dado pelo próprio Conselho Monetário Nacional, em dezembro último. Reduziu-se a liquidez e se encareceu o crédito para financiamentos superiores a 24 meses, gerando-se imediato efeito na mitigação da demanda. A medida mostrou-se muito mais eficiente do que o aumento da Selic, sem agravar o juro incidente sobre os investimentos.

Ante evidências tão claras quanto à insensatez repetitiva do aumento dos juros, causa estranheza o fato de um economista de importante banco defender, na imprensa, um aperto monetário com duração de dois anos, sem dúvida um grande negócio para o sistema financeiro e os rentistas. É confortável advogar essa tese, que engessaria a produção nacional e a administração da presidente Dilma Rousseff, quando a conta do aumento da Selic é paga pelas empresas que investem e os consumidores. Por isso, seria altamente recomendável que o Banco Central, antes de tomar decisões nas reuniões do Copom, ampliasse seu espectro de interlocutores, passando a auscultar com mais atenção os setores produtivos, estes sim os verdadeiros geradores de emprego e renda em nosso país.

 

* Alfredo Bonduki - Presidente do Sinditêxtil-SP e engenheiro pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, com pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas.

Revista INCorporativa


 

 

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