“Todo mundo corria quando ouvia o remarcador”, recorda dona de casa

“Todo mundo corria quando ouvia o remarcador”, recorda dona de casa

01/07/2014 09h27   01/07/2014 06h48 atualização  Brasília

Wellton Máximo e Mariana Branco – Repórteres da Agência Brasil Edição: Lílian Beraldo

Durante décadas, ele foi o principal vilão da economia brasileira. Bastava o barulho dos cliques começar para os consumidores ficarem em polvorosa. Temido na época da hiperinflação, o remarcador de preços era presença constante nas lojas e nos supermercados, às vezes usado mais de uma vez por dia durante a pior crise econômica da história do país.

Consumidores que vivenciaram a inflação galopante das décadas de 80 e 90, antes do Plano Real, que completa 20 anos hoje (1º), recordam como a perda do poder de compra prejudicava a qualidade de vida. Com o orçamento familiar comprometido pelo dinheiro cada vez mais curto, a população não tinha condições de se planejar e precisava estocar comida logo que recebia o salário para não passar fome no fim do mês.

“A hiperinflação provocava até desarmonia no âmbito familiar. O marido às vezes desconfiava e perguntava por que o dinheiro tinha sumido”, relembra a presidenta do Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais (MDC-MG), Lúcia Pacífico. “O remarcador era o verdadeiro terror das donas de casa. Com os preços subindo até duas vezes por dia, todo mundo corria quando ouvia a maquininha para pegar o máximo de mercadorias possível.”

Funcionária de uma empresa estatal, Maria de Lourdes Xavier, 66 anos, recorda que o consumidor tinha de ser ágil para fugir das remarcações: “A gente estava conversando com uma conhecida no supermercado e, do lado, já tinha um funcionário usando a maquininha”. Segundo ela, era comum os consumidores encherem de três a quatro carrinhos para estocarem alimentos.

Criado há 29 anos, o MDC-MG até hoje divulga pesquisas de preços para beneficiar os consumidores e estimular a concorrência entre os estabelecimentos comerciais. Grupos de donas de casa vão aos supermercados e fiscalizam os reajustes e as “maquiagens” de embalagens, quando o peso líquido do produto diminui sem mudança no preço.

Segundo Lúcia, o movimento foi útil não apenas na época da hiperinflação como nos primeiros meses após o Plano Real, para impedir a volta da inflação. “Muitos comerciantes aproveitaram a URV [Unidade Real de Valor] para pôr os preços lá em cima e ampliar a margem de lucro quando o real entrasse em vigor. Apertamos os supermercados, e eles foram para cima dos fabricantes e dos fornecedores para conseguirem acordos de preços mais baixos”, relembra.

O período inflacionário traz memórias nada agradáveis a quem tinha o poder de compra comprometido. Dono de uma banca de fotografias e de fotocópias, Osvaldino Alves Brandão, 58 anos, lembra-se da dificuldade para abastecer o carro. “Naquela época, as coisas subiam muito rápido. O combustível, em uma semana, estava mais caro. Não dava para planejar nada, porque a gente não sabia o que ia acontecer”, diz.

Para quem não tinha condições de aplicar dinheiro, a inflação era ainda mais cruel. Quem tinha acesso ao sistema bancário corria para depositar o dinheiro na caderneta de poupança ou qualquer outra aplicação que garantisse pelo menos a correção monetária. Mesmo assim, corria o risco de perder dinheiro.

“A poupança rendia mais que hoje [já que a inflação era maior], mas não sei se era o suficiente para compensar o aumento de preços”, declara o vendedor de banca de revista José Edinaldo da Silva, 55 anos. “Na época do cruzeiro, queria comprar o sapato da moda e até hoje me lembro do vendedor, que era meu amigo, dizendo que seguraria o preço até a tarde.”

Quem era criança ou nem tinha nascido antes do Plano Real olha a hiperinflação com curiosidade e distanciamento, como se as histórias viessem de outros países. “Já escutei na escola que a inflação um dia foi bem maior”, diz o estudante Leandro Lázaro, 18 anos. “Vi, em novelas antigas, as pessoas falando de preços e eram valores muito altos, como mil ou 6 mil cruzeiros”, recorda a vendedora Suelane Castro, 21 anos.

 

Agência Brasil

 

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Em 20 anos, moeda que derrubou hiperinflação perde valor

01/07/2014  09h49  Brasília

Wellton Máximo – Repórter da Agência Brasil*   Edição: Lílian Beraldo

Em 20 anos de existência, a moeda que derrubou a inflação foi lentamente corroída por ela. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial acumulada de julho de 1994 até maio deste ano (último dado disponível) chega a 359,89%. Uma nota de R$ 100 hoje compra apenas o equivalente ao que R$ 21,75 comprariam há duas décadas.

inflação no plano real

Os levantamentos de preços da cesta básica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram o poder da inflação. O quilo da carne em São Paulo, que custava R$ 3,21 em 1994, hoje vale R$ 19,53 em média. O quilo do tomate no Rio de Janeiro, que saía por R$ 0,44 há 20 anos, atualmente é vendido por R$ 5,04 em média. No Recife, o quilo do pão saltou de R$ 1,46 no início do Plano Real para R$ 7,63 hoje.

comportamento preços

O comportamento da inflação, no entanto, não significa que o brasileiro tenha ficado mais pobre nesse período. Ao mesmo tempo em que os preços aumentaram 359%, a renda média do trabalhador brasileiro aumentou 426%, mais do que a inflação acumulada no período. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio nominal da população empregada subiu de R$ 382,73 em 1994 para R$ 2.013,50 em 2014.

Funcionária de uma empresa estatal, Maria de Lourdes Xavier, 66 anos, é testemunha do crescimento da renda média nos últimos 20 anos. Ela, no entanto, recorda que os primeiros anos após o Plano Real foram difíceis. “Fiquei sem duas cadernetas de poupança para comprar comida, pois não havia aumento bom de salário. Só voltei a conseguir economizar alguma coisa em anos mais recentes”, diz.

Segundo o economista Carlos Eduardo Freitas, diretor do Banco Central por duas vezes, de 1985 a 1988 e de 1999 a 2003, o aumento da renda do brasileiro está relacionado a dois fatores: o crescimento do emprego formal e à própria teoria econômica, que prevê a neutralidade da moeda no longo prazo. “Na economia, o que conta não são os preços monetários, mas os preços relativos, que estão sempre se ajustando. Os salários nada mais são do que o preço do trabalho e tendem a acompanhar a inflação, embora isso demore algum tempo”, explica.

Os preços relativos representam o número de unidades de um produto que compra outro bem. Para Freitas, o Plano Real só foi bem-sucedido porque a Unidade Real de Valor (URV), na prática, dolarizou a economia sem precisar trocar a moeda nacional por dólares. “O congelamento de preços de outros planos econômicos provocava o desalinhamento dos preços relativos porque vinha de surpresa. Alguns preços tinham passado pela correção monetária. Outros, não. A URV deu alguns meses para que todos os preços se alinhassem ao dólar, ajustando os preços relativos”, relembra.

Diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz tem opinião diferente. Segundo ele, o sucesso do Plano Real está não apenas no alinhamento dos preços relativos, mas na redistribuição de renda a favor dos trabalhadores. “A estabilização do poder de compra da moeda é importante. Agora, o que determina a transferência da renda para o trabalhador é a ação política nas negociações entre patrões e empregados”, diz.

No ano passado, segundo o Dieese, 87% das categorias conquistaram reajustes reais (acima da inflação), mesmo num cenário de baixo crescimento da economia e de inflação alta. “Com o bom desempenho do mercado de trabalho nos últimos anos, os empregados ganham poder para conseguir aumentos acima da inflação e impedir a renda de ser corroída”, ressalta o diretor do Dieese.

 

* Colaborou Mariana Branco

rendimento trabalhador

Ilustrações/Imagens/Fotos/Fonte: Agência Brasil

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