Aumento do preço da carne: frigoríficos suspenderam produção em razão da crise mundial
29/04/2011 - 18h47
Aumento do preço da carne: frigoríficos suspenderam produção em razão da crise mundial
O descompasso entre os preços praticados pelos produtores de carne bovina e derivados e os preços do varejo motivou audiência pública da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) nesta sexta-feira (29). O senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que presidiu a audiência, disse que o debate entre produtores rurais, entidades do governo, representantes de frigoríficos e consumidores é muito importante na busca de uma solução para o problema.
- Se os produtores reclamam do preço do boi gordo e os pequenos frigoríficos reclamam da falta de financiamento, os consumidores reclamam do preço final da carne no supermercado - afirmou o senador.
"Vacas magras"
O assessor técnico da Superintendência Técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) Paulo Sérgio Mustefaga lembrou que 82% da produção nacional de carnes são direcionados ao mercado interno. A exportação do produto vai principalmente para Rússia, Irã, Egito e União Europeia.
Mustefaga fez um histórico recente do desenvolvimento da produção de carne no Brasil e disse que a crise econômica mundial, a partir do segundo semestre de 2008, "atingiu em cheio o setor". Com a crise, houve queda nas exportações, menos produção e os frigoríficos também sentiram "o tempo das vacas magras".
Segundo o representante da CNA, cinco grandes frigoríficos brasileiros suspenderam as atividades em consequência da crise mundial. Assim, "o preço da carne reflete a situação da pecuária". Mustefaga apontou que, entre 2004 e 2010, os supermercados subiram o preço do produto para o consumidor em cerca de 120%. No mesmo período, o preço do boi subiu 76% e a inflação foi de 43% (com base no IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Ele ainda pediu linhas de financiamento para sanear as pequenas e médias empresas e criticou o fato de o BNDES dar mais atenção aos grandes grupos.
- Do ponto de vista de política pública, é ruim para o setor, pois os pequenos e médios frigoríficos ajudam a dar equilíbrio ao mercado - afirmou.
Cartéis
O procurador da República Luiz Augusto Santos Lima, que também é representante do Ministério Público Federal no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mencionou inúmeras questões econômicas que podem interferir no equilíbrio do mercado.
- O Ministério público precisa saber quais são as reclamações e as possíveis soluções - disse o procurador.
A coordenadora-geral de Análise de Infrações nos Setores de Agricultura e Indústria, do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, Marcela Campos Gomes Fernandes, apresentou a SDE como um órgão responsável por implementar políticas de concorrências, para que "os consumidores tenham acesso a produtos melhores e mais baratos". Segundo Marcela Fernandes, a SDE e o Cade trabalham em conjunto.
Marcela Fernandes lembrou a importância da concorrência na economia e disse que a formação de cartéis está entre as práticas mais nocivas ao mercado e aos consumidores. Marcela ainda deixou a SDE à disposição de todos os debatedores para investigar possíveis ações de cartel no setor de produção de carnes. Segundo ela, a SDE já atuou para evitar a prática no setor de frigoríficos e as denúncias podem ser feitas inclusive por meio da internet (www.mj.gov.br/sde).
Crescimento do consumo
O diretor e coordenador de sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Fernando Sampaio, lembrou a implantação da pecuária como setor econômico e a interiorização da produção. De acordo com Sampaio, a chegada do gado zebu e a cultura do braquiária - um tipo de capim para alimentação bovina - foram fatores essenciais para que o Brasil se tornasse um grande produtor mundial de carnes.
Para Sampaio, com o crescimento econômico e o aumento da renda, há mais consumo de carne. Ele afirmou que a relação entre demanda e procura é que controla o preço do produto e disse que a tentativa de regulação de preço não é eficiente. Para ter sustentabilidade na produção, Fernando Sampaio pediu segurança jurídica e programas de crédito para os produtores.
O representante da Abiec destacou o crescimento da produção de carne no Brasil e lembrou que, desde 1970, o rebanho brasileiro aumentou 2,5 vezes. Segundo Sampaio, o consumo mundial por carne vai exigir mais 3,6 milhões de toneladas até 2020 e "os principais beneficiados serão os Estados Unidos e o Brasil".
- Não podemos desperdiçar esta chance, sem esquecer o equilíbrio ambiental - disse Sampaio.
Linhas de financiamento
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) levou dois representantes ao debate. O gerente do Departamento de Acompanhamento e Gestão da Carteira 1 do BNDES, André Gustavo Salcedo Teixeira Mendes, lembrou que o aumento de renda em países em desenvolvimento implica o consumo maior de proteína e exige mais dos setores produtivos.
O gerente do Departamento de Agroindústria do BNDES, Celso de Jesus Júnior, apresentou as linhas de financiamento do banco para o setor produtivo e disse que o BNDES quer apoiar a expansão do setor de carnes. Segundo Celso Júnior, o BNDES aumentou seu escopo de negócios voltados para o meio ambiente e criou linhas de financiamentos voltadas para a reconstrução ambiental. O interessado nos financiamentos pode procurar diretamente o BNDES ou uma agência financeira conveniada.
- As linhas são flexíveis e se adaptam a clientes de diversos portes - afirmou.
Regras ambientais
O presidente Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafigo), Péricles Pessoa Salazar, afirmou que os preços da carne e derivados são arbitrados pela força do mercado.
- É uma questão de oferta e procura. Nenhum produtor individualmente é capaz de manipular os preços do mercado - declarou Salazar.
Segundo o presidente da Abrafigo, a questão tributária já preocupou muito os produtores, mas "já não preocupa tanto". Salazar disse esperar que a prometida reforma tributária termine por ajustar as reclamações pendentes. Salazar ainda afirmou que a Abrafigo sempre foi a favor da conservação ambiental, mas pediu regras mais específicas na legislação ambiental.
- É preciso que as indústrias sigam as regras ambientais, pois esse respeito impacta nas negociações comerciais e nos financiamentos - afirmou Salazar.
Debates e participação popular
O produtor rural e ex-deputado federal Vadão Gomes elogiou a iniciativa da CRA em fazer um debate sobre o tema. Segundo o ex-deputado, "foi a melhor audiência" que ele presenciou. Gomes ainda pediu ao BNDES que dê mais atenção aos produtores que estão em dificuldade financeira.
A participação popular também foi destaque. Várias perguntas foram enviadas pelo twitter e por meio da internet. O senador Acir Gurgacz destacou uma mensagem de vídeo enviada por um cidadão de Rondônia, que questionou sobre a validade de mudanças de regras sobre questões fundiárias. O procurador da República Luiz Augusto Santos Lima disse que a segurança jurídica é essencial para os pequenos produtores e o senador Acir Gurgacz lembrou a importância do Novo Código Florestal, que pode resolver a questão da legalidade da posse da terra.
Um e-mail enviado por um internauta de Ouro Preto do Oeste (RO) sugeriu que o governo federal crie políticas públicas de incentivo a pequenos produtores e pequenos frigoríficos para possibilitar a concorrência com as grandes empresas do setor. Em outra mensagem, enviada por e-mail, um cidadão de Coronel Fabriciano (MG) reclamava que o preço da carne da Argentina é mais baixo do que o da carne vendida na região do Vale do Aço, em Minas Gerais.
Tércio Ribas Torres / Agência Senado