Corpo de brasileiro permanecerá congelado nos Estados Unidos, decide Terceira Turma

Origem da Imagem/Fonte: CNJ
Mantido em um instituto de criogenia nos Estados Unidos, o cadáver do pai foi o centro de uma disputa judicial entre as filhas. Duas delas, que vivem no Brasil, queriam sepultá-lo. Leia mais...

DECISÃO
26/03/2019 19:38

Corpo de brasileiro permanecerá congelado nos Estados Unidos, decide Terceira Turma

Em julgamento inédito no Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizado nesta terça-feira (26), a Terceira Turma reconheceu o direito de preservação do corpo de um brasileiro em procedimento de criogenia, nos Estados Unidos. A criogenia é a técnica de preservação do cadáver congelado em temperaturas extremamente baixas, na esperança de que ele possa ser ressuscitado no futuro.

De forma unânime, o colegiado considerou que a legislação brasileira, apesar de não prever a criogenia como forma de destinação do corpo, também não impede a realização do procedimento. Além disso, a turma levou em consideração a própria manifestação de vontade do falecido, transmitida à sua filha mais próxima, que conviveu com ele por mais de 30 anos.

“Na falta de manifestação expressa deixada pelo indivíduo em vida acerca da destinação de seu corpo após a morte, presume-se que sua vontade seja aquela apresentada por seus familiares mais próximos”, apontou o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze.

Na ação que gerou o recurso no STJ, duas filhas do primeiro casamento contestavam a decisão de sua irmã paterna, filha do segundo casamento, de submeter o corpo do pai, falecido em 2012, ao congelamento no Instituto de Criogenia de Michigan, nos Estados Unidos. Para as autoras da ação, o corpo do pai deveria ser sepultado no Rio Grande do Sul, ao lado de sua ex-esposa.  

Em primeira instância, o juiz julgou procedente o pedido das irmãs e autorizou o sepultamento do corpo. No primeiro julgamento da apelação, ainda em 2012, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reformou a sentença e determinou a continuação do procedimento de criogenia. Após essa decisão, a filha do segundo casamento encaminhou o corpo ao exterior.

No entanto, em análise de embargos infringentes, o próprio TJRJ restabeleceu a sentença, sob o fundamento de que, em virtude da ausência de autorização expressa deixada pelo pai em vida, não seria razoável permitir o congelamento pela vontade de uma de suas filhas.

Liberdade de escolha

O ministro Marco Aurélio Bellizze destacou inicialmente que a questão analisada no recurso não diz respeito aos efeitos da criogenia sobre o corpo, ou seja, se os avanços da ciência permitirão que ele retorne à vida algum dia, como prometem os defensores dessa técnica. O ponto central em discussão, apontou, é se seria possível reconhecer que o desejo do falecido era o de ser criopreservado após a morte, bem como se a sua vontade afrontaria o ordenamento jurídico brasileiro.

O ministro destacou que, na ausência de previsão legal sobre a criogenia pós-morte, o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que o juiz deve decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Aplicando a analogia jurídica, Bellizze apontou que a legislação brasileira, além de proteger as manifestações de vontade do indivíduo, contempla formas distintas de destinação do corpo humano após a morte, além do sepultamento tradicional, como a cremação, a doação de órgãos para transplante, a entrega para fins científicos, entre outras.

“Nota-se, portanto, que o ordenamento jurídico confere certa margem de liberdade à pessoa para dispor sobre seu patrimônio jurídico após a morte, assim como protege essa vontade e assegura que seja observada. Demais disso, as previsões legais admitindo a cremação e a destinação do cadáver para fins científicos apontam que as disposições acerca do próprio corpo estão incluídas nesse espaço de autonomia. Trata-se do direito ao cadáver”, declarou o ministro.

Respeito ao corpo

De acordo com o relator, além de não haver norma que proíba a submissão de corpos à criogenia, não há ofensa à moral ou aos bons costumes, já que não há a transformação do corpo em uma espécie de “patrimônio”. De igual forma, não há exposição pública do cadáver – o que seria incompatível com as normas sanitárias e de saúde pública. Além disso, ressaltou, o procedimento é realizado com respeito aos restos mortais, pois o corpo é acondicionado em local preservado sem impedir a visitação pelos entes queridos.

Em relação à manifestação de vontade do falecido, Bellizze afirmou que, ao contrário da conclusão do TJRJ, a legislação brasileira não exige formalidade específica para confirmar a expressão de última vontade, podendo ser presumida pela manifestação de seus familiares mais próximos.

No caso dos autos, o ministro disse que, a despeito de as partes em litígio terem o mesmo grau de parentesco em relação ao falecido, a filha responsável pelo procedimento de criogenia conviveu com ele por mais de 30 anos e, portanto, é a pessoa que melhor poderia revelar seus desejos e convicções. Por outro lado, acrescentou o relator, as irmãs não demonstraram convivência próxima com o pai, e o pedido de sepultamento revelou ser um desejo delas próprias, não do falecido.

Além de considerar a vontade do falecido, o ministro Bellizze lembrou que o corpo já se encontra congelado desde 2012, o que implica certa consolidação da situação no tempo, motivo também levado em conta pelo colegiado para a permanência do corpo do brasileiro no instituto de criogenia americano.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1693718
Superior Tribunal de Justiça (STJ)

 

Notícias

Função delegada

  Vistoria veicular por entidade privada não é ilegal Por Paulo Euclides Marques   A vistoria de veículos terrestres é atividade regulada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), em atendimento ao disposto nos artigos 22, inciso III, e artigos 130 e 131 do Código de Trânsito...

Compreensão do processo

  Relações de trabalho exigem cuidado com contrato Por Rafael Cenamo Juqueira     O mercado de trabalho passou por determinadas alterações conceituais nos últimos anos, as quais exigiram do trabalhador uma grande mudança de pensamento e comportamento, notadamente quanto ao modo de...

Portal da Transparência

CNJ lança Portal da Transparência do Judiciário na internet Quinta, 20 de Janeiro de 2011     Informações sobre receitas e despesas do Poder Judiciário federal estão disponíveis no Portal da Transparência da Justiça (https://www.portaltransparencia.jus.br/despesas/), criado pelo Conselho...

Dentista reclama direito a aposentadoria especial

Quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 Cirurgião dentista que atua no serviço público de MG reclama direito a aposentadoria especial Chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) Reclamação (Rcl 11156) proposta pelo cirurgião dentista Evandro Brasil que solicita o direito de obter sua aposentadoria...

OAB ingressará com Adins no STF contra ex-governadores

OAB irá ao Supremo propor cassação de pensões para os ex-governadores Brasília, 17/01/2011 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirmou hoje (17) que a OAB ingressará com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal contra todos...

Desmuniciamento de arma não conduz à atipicidade da conduta

Extraído de Direito Vivo Porte de arma de fogo é crime de perigo abstrato 14/1/2011 16:46   O desmuniciamento da arma não conduz à atipicidade da conduta, bastando, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar....