Defensoria e Ministério Público divergem sobre acordos para confissão de culpa

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Críticos querem garantias para acusados; defensores dizem que acordo vai abreviar processos

Defensoria e Ministério Público divergem sobre acordos para confissão de culpa

Críticos do plea bargain preocupam-se com o desequilíbrio entre as partes. Defensores do instituto afirmam que ele pode reverter o imobilismo do Judiciário

24/10/2019 - 12:51  

Defensores públicos e promotores de justiça discordaram nesta quinta-feira (24) sobre a possibilidade de o investigado por conduta criminosa admitir a culpa em troca de penas mais brandas. Esse tipo de acordo negociado entre o Ministério Público, o investigado e o juiz (plea bargain) é utilizado em alguns países como Estados Unidos e Alemanha.

A defensora pública federal Ana Luísa de Moraes concorda em parte com a aplicação desses acordos no Brasil. Para ela, o principal entrave é o déficit estrutural da defensoria, que comprometeria o equilíbrio entre acusação e defesa.

“Não se nega o plea bargain. No entanto, para se fazer tem que ter paridade de armas, contraditório, ampla defesa e se deve ter acesso antecipado às provas produzidas pela acusação”, disse a defensora em debate promovido pela comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa mudanças no Código de Processo Penal (Projeto de Lei 8045/10). Ela também criticou a possibilidade de aplicação imediata da pena após os acordos.

O Presidente da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Pedro Coelho, reforçou o argumento de desequilíbrio entre as partes. Segundo ele, a estrutura da defesa é formada por 6.800 defensores públicos estaduais e outros 700 da União. Em comparação, só os promotores de justiça estaduais somam 11 mil.

“É muito difícil a defesa fazer uma construção justa se o debate não é feito oralmente, se é feito no papel”, disse Coelho, argumentando que o excesso de processos no Judiciário e a falta de defensores compromete o princípio da oralidade, que recomenda a prevalência da palavra falada sobre a escrita nos processos.

Centralização no MP
Em relação aos acordos, Coelho sustentou que eles revertem a lógica do sistema acusatório já estabelecido: juiz é o garantidor do devido processo legal, o Ministério Público (MP) acusa e defesa defende.

Ele avalia que acordos nos moldes do plea bargain pecam por centralizarem o processo no MP. “Isso retorna com a lógica da confissão como rainha das provas. Esse sistema é um sistema medieval.  Cabeças eram cortadas com base em ‘confissões’”, criticou.

A diretora do Instituto de Garantias Penais (IGP), Flávia Guth, defendeu o instituto do acordo, desde que sejam definidos regras e limites para a atuação do Ministério Público. “Senão, o que pode vir a acontecer é uma denúncia repleta de fatos de imputações que, na verdade, não têm correspondência na realidade e apenas visam a forçar o acusado a fechar esse acordo”, advertiu.

Oportunidade
O promotor de Justiça do Rio Grande do Sul Leonardo de Souza rebateu a tese de que os acordos coordenados pelo MP trariam ameaças a garantias fundamentais e à presunção de inocência do investigado. “A aplicação imediata é uma janela de oportunidade que surge após o oferecimento da denúncia e antes da instrução probatória."

Segundo Souza, o acordo é uma tentativa de abreviar o processo quando houver interesse do Ministério Público e for favorável ao réu, "já que ele não vai negociar pena que seja ruim para ele”.

Imobilismo do Judiciário
O promotor de Justiça do Distrito Federal Antônio Suxberger também defendeu os acordos. Segundo ele, essa seria uma forma de reverter o imobilismo do Poder Judiciário. “Temos no País 40% de presos provisórios, que é quem não tem sentença. Estão presos e ainda não tem juízo de culpa”, disse ele, ressaltando que o número poderia ser maior se todos os mandados de prisão em aberto fossem cumpridos.

Suxberger disse ainda que falta transparência e confiabilidade ao Poder Judiciário, que, segundo ele, erra ao apostar no desempenho sem se preocupar com os resultados. “Não adiantaria simplesmente lutarmos para ter um número de defensores igual do de promotores”, disse.

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
O relator, deputado João Campos, pretende apresentar o parecer até o fim do ano

Parecer até o fim do ano
O deputado João Campos (Republicanos-GO), relator da comissão especial do Código de Processo Penal, destacou a importância do debate para subsidiar o relatório que pretende apresentar até o fim do ano.

Segundo ele, o objetivo é aprovar o texto na comissão ainda neste ano para que seja analisado pelo Plenário no primeiro semestre de 2020.

“Um novo código não é a solução para todos os problemas do País, mas pode representar um avanço significativo para o enfrentamento da impunidade no Brasil”, disse.

Reportagem – Murilo Souza
Edição – Natalia Doederlein - Agência Câmara Notícias

 

 

Notícias

Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais

SERES COISIFICADOS Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais José Higídio 26 de março de 2024, 8h51 De acordo com a proposta da relatoria-geral, “os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua...

Como fica a divisão dos bens em uma separação?

Como fica a divisão dos bens em uma separação? Francisco Gomes Júnior Antes de casar ou unir-se, defina o regime de bens e faça acordos antenupciais para evitar disputas na separação. segunda-feira, 25 de março de 2024 Atualizado às 07:58 Ultimamente, com a notícia de diversos casos de famosos...

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres 22 de março de 2024 - Notícias CNJ / Agência CNJ de Notícias Contar com a segurança do “papel passado” para oficializar a união levou um casal de mulheres a tomar a decisão mais importante em pouco mais de dois anos de vida em comum: casar...

Você sabia que precatório de credor falecido é herança?

Você sabia que precatório de credor falecido é herança? Laís Bianchi Bueno Os precatórios são dívidas governamentais decorrentes de várias situações. Após o falecimento do titular, são automaticamente transmitidos aos herdeiros de acordo com o Código Civil. quarta-feira, 20 de março de...

Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma

PENHORABILIDADE RETROALIMENTANTE Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma Danilo Vital 19 de março de 2024, 14h33 Essa exceção está no artigo 3º, inciso II, da mesma lei. A lógica é impedir que essa garantia legal seja deturpada como artifício para viabilizar a reforma...

Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital

OPINIÃO Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital Rodrigo Chanes Marcogni 18 de março de 2024, 18h23 Obviamente que temos que considerar aqui que ao estabelecerem suas regras e políticas de uso as empresas que hospedam as redes sociais o fazem imbuídas no princípio constitucional do...