Artigo: Pacto Antenupcial na separação obrigatória de bens

Artigo: Pacto Antenupcial na separação obrigatória de bens

Tarcisio Alves Ponceano Nunes
Publicado em 24/11/2014

Estabelece o artigo 1.641 do Código Civil Brasileiro de 2002, com redação dada pela Lei Federal n.º 12.344, de 09 de dezembro de 2010, o seguinte: “É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial”. Assim sendo, enquadrando-se os nubentes, ou ao menos um deles, em qualquer das hipóteses descritas no retro citado artigo, tolhe-se a liberdade de escolha dos mesmos e a Lei, de ordem pública, deve obrigatoriamente prevalecer. E isso faz com que o casamento fique subordinado ao prescrito na Súmula n.º 377 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, que determina, “in verbis”: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Pois bem: uma pessoa maior de 70 (setenta) anos de idade, por exemplo, tem plena capacidade para a prática de todos os atos de sua vida civil, exceto escolher o regime de bens de seu casamento! Isto é lógico? Não! Isto é justo? É obvio que não! Isto é constitucional? Aparentemente não... Mas é o que determina a Lei e, no âmbito das Notas e Registros Públicos, não cabe avaliar a lógica, a justiça e a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das Leis, apenas cumpri-las: “dura lex sed lex”. E assim, no âmbito de aplicação/cumprimento das Leis, pode o Notário, no exercício de sua nobre função, lavrar uma escritura pública de pacto antenupcial de alguém enquadrado no artigo 1.641 antes citado para estabelecer regime diverso? Ou então, lavrar uma escritura pública de pacto antenupcial somente para afastar os efeitos da Súmula anteriormente citada? Acredito que a resposta seja negativa para ambas as hipóteses. A norma do artigo 1.641 do Código Civil de 2002 é de ordem pública, não admitindo qualquer espécie de condicionamento ou modificação. Assim sendo, não pode ser lavrado o pacto antenupcial se algum dos nubentes encontrar-se submetido a alguma das restrições constantes no artigo 1.641 do Estatuto Civil. Mesmo para efeito de não submeter-se ao regime da Súmula 377 acredito não ser possível a lavratura do pacto. Se o regime é obrigatório, os seus efeitos hão de ser também! Senão, não haveria qualquer lógica em se estabelecer obrigatoriamente o regime, mitigando-se, porém, os seus efeitos jurídicos... Uma questão final se apresenta para nós, Notários e Registradores: Mas a Súmula 377 ainda segue em vigor? Pelo menos para nós, radicados em São Paulo, tal questão foi recentemente examinada pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura, e a resposta dada foi pela aplicação da referida Súmula. Para melhor compreensão do tema, segue a íntegra da referida decisão, extraída dos Classificadores INR - SP n.º 197, de 22/10/2014, do GRUPO SERAC, que confirmou a vigência do verbete sumular anteriormente mencionado:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0023763-70.2013.8.26.0100

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0023763-70.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JUNJI HISA, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:"NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 26 de agosto de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação n°: 0023763-70.2013.8.26.0100

Apelante: Junji Hisa

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO N° 34.072

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra de imóvel – Aquisição do imóvel na constância do casamento – Regime de separação obrigatória de bens – Presunção da comunicação dos aquestos nos termos da súmula 377 do supremo tribunal federal – Necessidade de prévia retificação do registro – Princípio da continuidade – Recusa do registro mantida – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Junji Hisa contra a sentença das fls. 64/68, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital para manter a recusa de registro da escritura pública de compra e venda outorgada perante o 3º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, em 23/03/1998, pela qual Dulce Eliza de Campos Ferreira do Amaral vendeu a Junji Hisa o imóvel objeto da matrícula 5.332, sob o fundamento de que referido imóvel foi adquirido em 24/08/76, por ato oneroso, pela outorgante Dulce, ao tempo em que era casada sob o regime de separação obrigatória com Estanislau Ferreira do Amaral, não havendo qualquer notícia que afaste a presunção de que esse aquesto decorre de esforço comum e que, portanto, comunicar-se-ia ao patrimônio de ambos, por força da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal. Além disso, ainda que o R.2 da matrícula n. 5.332 tenha sido lavrado em erro, necessária sua retificação, em atenção ao princípio da continuidade.

O adquirente do bem, ora apelante, insiste na possibilidade do registro, sob o argumento de que não se aplica ao caso o disposto na Súmula 377 do STF e que se acha atendido o princípio da continuidade porque comprovado que o imóvel objeto da matrícula em questão não pertencia ao cônjuge de Dulce, Estanislau Ferreira do Amaral, por força do regime de casamento adotado e pelo fato deste último ter comparecido na escritura de compromisso apenas como assistente de sua mulher e não como compromissário vendedor, como induz, erroneamente, o registro R. 2 da matrícula n. 5.332, somado ao fato de que o imóvel não foi arrolado no inventário dos bens por esse deixados, o que implicaria na aceitação tácita, tanto pelo então marido, quanto pelo Espólio, de que o imóvel pertencia exclusivamente à viúva, sendo ainda relevante o fato de a escritura de compra e venda haver sido outorgada em cumprimento de compromisso anteriormente assumido e quitado, quando ainda vivo o marido (fls. 88/95).

Processado o recurso, a Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 105/108).

É o relatório.

O recurso não merece provimento.

A vendedora Dulce Eliza de Campos Ferreira do Amaral, casada sob o regime da separação obrigatória de bens com Estanislau Ferreira do Amaral, comprou, juntamente com seu cônjuge, em 24/08/76, o imóvel acima descrito, conforme R.1/M. 5.332 (fl. 06), compromissando-o posteriormente à venda a Junji Hisa, conforme R. 2/M. 5.332.

Ainda que se pudesse questionar o erro na lavratura do registro, quando na escritura de compromisso de compra e venda que fundamentou o R. 2 acima citado constou que a vendedora era Dulce Eliza, assistida por seu cônjuge Estanislau (fls. 29/31), mostra-se imperiosa a retificação prévia do registro, atendendo-se ao princípio da continuidade, sob pena de aquele agora perseguido comprometer o exato encadeamento subjetivo das sucessivas transmissões e aquisições de direitos reais imobiliários.

Indispensável, pois, observar o artigo 225, § 2°, da Lei de Registros Públicos, que consagra o princípio da continuidade, que é corolário do princípio da especialidade.

Afrânio de Carvalho, ao tratar do tema, observa:

"...importa lembrar que o título atual só é admissível no registro quando aí encontre outro pretérito a que possa ligar-se: o encadeamento há de ser ininterrupto. Essa afirmação não é senão um corolário de preceito latente do sistema, por mim realçado no anteprojeto atrás aludido, segundo o qual a pré-inscrição de titular antigo é indispensável à inscrição de novo titular." (Revista dos Tribunais 643/20 - "Títulos Admissíveis no Registro")

O mesmo doutrinador ensina:

"O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente." e acrescenta: "Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois, sua necessidade indeclinável em todas as mutações jurídicos-reais."(Registro de Imóveis, 4ª ed., Ed. Forense, 1998, p. 254).

Correta, pois, a recusa de se registrar o mencionado título negocial, pois, se os bens adquiridos na constância do casamento, segundo a Súmula 377 da Suprema Corte, comunicam-se mesmo no regime da separação obrigatória de bens, o marido tornou-se comunheiro da propriedade comprada pela mulher e, no caso de seu falecimento, seus herdeiros têm direito sobre a meação.

Em outras palavras: se entre cônjuges vigorava o regime da separação obrigatória de bens e se houve aquisição onerosa de bens durante a sociedade conjugal, o aquesto presume-se decorrente do esforço comum de ambos e, portanto, comunica-se, nos termos da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal. Em tal caso, se um dos cônjuges falecer, para que se possa saber, com relação ao aquesto, qual poder de disposição restou em mãos do cônjuge supérstite, é necessário que se demonstre que comunicação não houve ou que, por outra causa, na partilha ou adjudicação, o bem coube todo ao supérstite, o que só poderia ser resolvido a partir da apresentação do formal de partilha.

Como consignado no acórdão proferido na Apelação Cível n. 990.10.094.271-9 deste Conselho (relator o Desembargador Marco César Müller Valente, julg. 30/06/2010 in DJ: 24/09/2010), "determinar o registro sem o inventário, traria o risco de prejudicar possíveis herdeiros dele, sem que tenham tido oportunidade de manifestar-se. No processo de inventário se decidirá se afinal o imóvel comunicou-se ou não, e só então haverá a segurança jurídica necessária que se exige para a promoção do registro".

No mesmo sentido, este Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou nos seguintes precedentes: Ap. Cível n. 990.10.017.203-4 (Relator Des. Marco César Müller Valente); Ap. Cível n. 094159-0/8 (Des. Luiz Tâmbara); Ap. Cível n. 077870-0/8 (Relator Des. Luís de Macedo); Ap. Cív. n. 62.111-0/0 e 63.914-0/2 (Relator Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).

Portanto, não há como afastar a presunção de comunicabilidade dos aquestos nesta via administrativa, da forma pretendida.

Posto isso, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR (D.J.E. de 21.10.2014 - SP)

Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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