Artigo - Resolução que permite conciliação em cartórios é ilegal

Artigo - Resolução que permite conciliação em cartórios é ilegal

Por Maria Valéria Mielotti Carafizi

Recentemente, a advocacia paulista sofreu mais um achaque que aparentemente passa despercebida diante das inúmeras manifestações de rua que o Brasil tem vivenciado nas últimas semanas.


Sem qualquer aviso prévio, amparo legal ou discussão com a sociedade ou a classe, a Corregedoria Geral de Justiça baixou o Provimento 17/2013 que, em poucas e pobres palavras, permite que os notários e registradores, ou seja, os cartórios do estado de São Paulo façam mediações e conciliações para a solução de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis em suas serventias a partir de setembro próximo.


Tal provimento, por sua natureza ilegal, inconsequente, prejudicial ao jurisdicionado e ao direito de ampla defesa, causou reação imediata na advocacia paulista que questiona desde então sua formatação e consequências jurídicas.


Apesar do Pedido de Providências de 0003397-43.2013.2.00.0000 oposto perante o Conselho Nacional de Justiça ainda não ter decisão, tal questionamento foi taxado pelo editorial do jornal O Estado de São Paulo como de natureza corporativa e incapaz de divisar os danos do Provimento à cidadania.


Muito distante de qualquer intenção corporativista, o que a classe pretende, inclusive organizando uma manifestação prevista para o próximo dia 9 de agosto de 2013 junto ao vão livre do Masp na avenida Paulista, além de relembrar que é pilar constitucional da Justiça de acordo com a Constituição Federal e que é tecnicamente preparada para operar com especificidade o Direito, é evitar que mais uma medida absolutamente inócua e que, muito pelo contrário, pode sim aumentar em muito a judicialização dos conflitos e prejudicar substancialmente os direitos dos envolvidos, seja adotada às pressas, sem qualquer justificativa louvável e ainda de modo ilegal, senão vejamos:


A Constituição Federal determina em seu artigo 236 que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do poder público, determinando ainda que a lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal os notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.


Ocorre ainda que a Constituição do estado de São Paulo promulgada em 1989 fixa em seu artigo 24, parágrafo 2º, I e VI que compete com exclusividade ao governador do estado a iniciativa das leis que disponham sobre a criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como sobre a criação, alteração ou supressão de cartórios notariais e de registros públicos, assim como determina no artigo 47, XVIII que somente o mesmo pode enviar à Assembléia Legislativa projeto de lei sobre o regime de concessão ou permissão dos serviços públicos, fatos que levam à inevitável conclusão acerca da ilegalidade do provimento.


Ademais, deve-se notar ainda que a Resolução 125 do CNJ, na qual se pautou o senhor corregedor José Renato Nalini para baixar o provimento em questão, ao revés da interpretação dada, dispõe apenas e tão somente sobre a política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Judiciário, não sendo permissiva a ponto de autorizar a ingerência sobre as funções dos órgãos agregados ao Judiciário como no caso os cartórios, cujas funções são específicas e delimitadas por lei própria, afinal, o próprio artigo 8º da referida resolução determina que deverão ser criados, pelos tribunais “os centros judiciários de soluções de conflitos e cidadania”, ou seja, unidades do Poder Judiciário, preferencialmente responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação. Mais uma vez, como se vê, o provimento extrapola os limites da lei.


Outro ponto a ser seriamente considerado diz respeito à tecnicidade necessária para o exercício da função de mediador ou conciliador. O tabelião, ou seja, o responsável pelo comando do cartório, obrigatoriamente deve ser bacharel em direito, o que, ainda assim, não lhe confere todo o conhecimento prático necessário para a boa orientação das partes, afinal de contas, seu trabalho é específico e seu conhecimento é dirigido a assuntos do seu dia a dia. Os demais cartorários e prepostos delegados sequer necessariamente são bacharéis em direito, o que torna sua qualificação para a função mais questionável ainda, já que as novas atribuições impostas estão absolutamente fora de suas finalidades legais.


Tal fato, ao revés da agilização na solução de conflitos, pode sim causar uma enxurrada de novos litígios versando sobre acordos prejudiciais ao cidadão feito perante os cartórios, o que obviamente remete ao total despropósito da medida em questão.


De muito maior valia seria a efetiva ampliação do sistema judiciário que já dispõe de diversos mecanismos capazes de auxiliar na solução dos conflitos de menor monta, necessitando apenas de estruturação adequada e de pessoal qualificado.


Tal provimento parece apenas prolongar a questionável e efetiva competência de órgãos como o Procon, que apesar de legalmente investido de poder de solução, na prática e pela ausência da capacidade de imposição de punição, nada resolvem, nada impõem, terminando por desaguar tudo no transbordo do Judiciário, impondo uma falsa sensação de solução.

 

Maria Valéria Mielotti Carafizi é advogada sócia fundadora da Mariz de Oliveira & Mielotti Carafizi Sociedade de Advogados.

Fonte: Conjur
Publicado em 23/07/2013

Extraído de Recivil

 

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Artigo - Conciliação em cartório garante celeridade

Por Érica Barbosa e Silva

Os meios consensuais têm sido destacados como uma oportunidade, não apenas de desjudicializar conflitos, mas principalmente de permitir um ganho qualitativo na resolução destes, na medida em que autorizam soluções integrativas, benéficas para todos os envolvidos. Em uma solução distributiva, o método de resolução do conflito apresenta opções meramente partilhadas, muitas vezes de forma insuficiente para contemplar os envolvidos no conflito, favorecendo a disputa.


A função de conciliadores e mediadores é impedir resoluções impositivas e favorecer um meio cooperativo de resolução, sem pressionar as partes para que cheguem ao acordo. O conflito passa a ser visto como um problema comum, sendo que o objetivo é alcançar uma solução mutuamente satisfatória. Esse método, que agora será possível nas Serventias Extrajudiciais, autoriza uma comunicação honesta entre os participantes, encorajando-os ao reconhecimento da legitimidade dos interesses do outro e à busca por uma solução que responda à necessidade de ambos.


Com a previsão do Provimento 17 ganha a população, pois os cartórios estão espalhados por todo o território. Até mesmo nos locais mais longínquos é possível encontrar um cartório, que muitas vezes já faz esse trabalho de pacificação até pela sua origem ligada aos juizados de paz. A resolução consensual na esfera extrajudicial proporcionará redução de tempo e custo, além de conferir segurança jurídica.


É preciso frisar que serão procedimentos facultativos às Serventias Extrajudiciais, após o cumprimento dos requisitos necessários: formação dos profissionais, ambiente adequado e comunicação prévia por escrito ao respectivo juiz corregedor permanente. Frise-se também que só poderão ser endereçados a essa via conflitos patrimoniais disponíveis.


A disponibilidade do direito é um dos critérios usualmente enfatizados para restringir a aplicação dos meios consensuais, preocupação que decorre justamente da delimitação da liberdade com que pode atuar seu titular. Contudo, não resta dúvida de que haverá disponibilidade quanto aos interesses meramente patrimoniais que digam respeito a titulares maiores e capazes.


Eventual acordo firmado entre as partes será considerado documento público e terá força de título executivo extrajudicial na forma do artigo 585,II, do CPC (artigo 13, parágrafo 1º do Provimento 17/2013). Assim, ao contrário do que se vê na Lei 11.441, a participação do advogado no procedimento do Provimento 17 é facultativa.


Com esse Provimento, o Judiciário amplia as arenas de solução consensual de conflitos e favorece o desenvolvimento da Justiça colaborativa. Abre-se uma via aos jurisdicionados e aos advogados que terão mais um ambiente que garanta celeridade, acessibilidade e segurança jurídica para resolução de conflitos, sem a necessidade da chancela judicial. Críticas devem ser feitas, mas só hão de prosperar aquelas feitas para melhorar e ampliar essa nova orientação — tratamento de conflitos por meios consensuais.


Érica Barbosa e Silva é registradora civil em Amparo-SP, conciliadora, doutora em Direito pela USP, diretora da Arpen-SP e diretora do Núcleo de Conciliação e Mediação da Anoreg-SP.

Fonte: Conjur
Publicado em 23/07/2013

Extraído de Recivil

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