Exigência de identificação do doador de material genético é atraso para o Direito

Exigência de identificação do doador de material genético é atraso para o Direito

Publicado em 27/10/2016

Atualmente vivemos dias de grandes evoluções sociais e fortes reflexos no campo do Direito Familiar. Essas alterações mudaram o conceito de casamento e as famílias passaram a ser plurais, homoafetivas e socioafetivas. Neste novo cenário, a concepção de filho também é ampliada diante dos avanços da ciência e tecnologia, satisfazendo antigos desejos de muitos casais que querem exercer a maternidade e paternidade desde a gestação.

É desta forma que a tabeliã Joana Malheiros, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), avalia a importância da edição do Provimento 52 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que veio para facilitar a lavratura do registro de nascimento por meio de técnicas de reprodução assistida. Apesar disto, muitos casais ainda encontram dificuldades quando vão aos fóruns, pois os oficiais seguem o artigo 2°, inciso II do Provimento, e exigem os dados do doador do material genético, o que conflita com o sigilo resguardado pela técnica.

“Essa exigência vem na contramão da evolução do Direito de Família, cujos normativos, decisões e jurisprudência encontram seu fundamento também nos princípios da dignidade da pessoa humana. Houve um equívoco ao impor caráter discriminatório ao casal homoafetivo, que provavelmente será o que mais se valerá deste procedimento. Esta exigência está a negar um dos direitos mais relevantes da criança, que é ser cidadão”, explica Joana Malheiros.

Foi justamente o que aconteceu em Itabuna, município localizado ao sul da Bahia, onde duas mulheres obtiveram sentença que autorizou o registro do filho, após o funcionário do Cartório se recusar a Cumprir o provimento 52/2016 do CNJ. A sentença reconheceu a Dupla Maternidade, em sede de Julgamento Antecipado da Lide, sem instrução e sem dilação probatória, apenas com os documentos da exordial do registro do menor.

De acordo com a decisão, L.M.S e M.E.C já viviam juntas há seis anos e, em outubro de 2013, registraram sua união estável por meio de escritura pública. A primeira tentou engravidar por quatro vezes, sendo uma por inseminação artificial e três por Fertilização in vitro (FIV), todas sem sucesso. Já a segunda mãe começou o tratamento ainda em 2015 e conseguiu engravidar na segunda tentativa de FIV.

As mães acreditavam que quando a criança nascesse não teriam dificuldades para fazer o registro, pois o provimento do CNJ já havia regulamentado a matéria em março. Além disso, elas apresentaram a declaração de nascido vivo, registro de união estável e declaração do diretor médico da clínica. Mesmo assim, o oficial solicitou documentações complementares e exigiu a identificação do doador do sêmen, contrariando todas as normas existentes no Conselho Federal de Medicina e da Bioética Internacional.

De acordo com a advogada do casal, Jurema Cintra Barreto, as mães optaram por ingressar ação na justiça para resolver o caso. A 1ª Vara de Família de Itabuna, partindo do princípio da dignidade da pessoa humana, sentenciou a ação de reconhecimento da Dupla Maternidade e determinou o registro civil, obtendo parecer favorável do MP.

“O processo foi inédito em sua forma, pois com apenas 20 dias de autuado já existia decisão definitiva, o chamado Julgamento Antecipado da Lide, em que não há necessidade de dilação probatória. Não foi preciso audiência e nem perícia social, porque os documentos da petição inicial foram suficientes para o convencimento do juízo”, disse Jurema Barreto.

Joana Malheiros afirma que deve ser feita uma solicitação ao CNJ para que a exigência contida no artigo 2°, inciso II do Provimento, seja excluída. “Este é o olhar do legislador para a feitura das leis, a fim de que realmente tenham sua efetividade, cumprindo com sua finalidade. Será o Estado com maior presteza exercendo sua função de proteção ao mais vulnerável, à criança, na satisfação dos interesses da sociedade”, esclarece.

DIFICULDADE NAS CLÍNICAS

No início deste mês, o Boletim do IBDFAM publicou a história de duas mães que foram impedidas de registrar o filho em uma clínica do Rio de Janeiro. Elas tiveram muitas dificuldades para receber informações e foram orientadas a procurar a ouvidoria do hospital por e-mail. O caso ganhou repercussão e o Ministério Público (MPRJ) resolveu interceder. Juristas apontaram que a falta de regulamentação adequada da matéria tem prejudicado todos os interessados.

Fonte: IBDFAM
Extraído de Colégio Notarial do Brasil

Notícias

Divórcio potestativo sob a perspectiva jurisprudencial

Com Partilha Divórcio potestativo sob a perspectiva jurisprudencial Marília Mello de Lima 9 de outubro de 2025, 8h00 Há julgados recentes, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o divórcio pode ser decretado antes mesmo da citação da parte requerida. Leia em Consultor...

Doação verbal exige escritura pública para validade do ato, diz TJ-BA

Usucapião afastado Doação verbal exige escritura pública para validade do ato, diz TJ-BA 8 de outubro de 2025, 12h19 O julgador explicou que a ocupação do imóvel — ainda que por um longo período de tempo — ocorreu por mera liberalidade da proprietária. Leia em Consultor...

STJ valida filiação socioafetiva post mortem sem manifestação expressa

Família STJ valida filiação socioafetiva post mortem sem manifestação expressa 3ª turma reconheceu vínculo de filha criada desde a infância, ainda que falecidos não tenham formalizado adoção. Da Redação terça-feira, 7 de outubro de 2025 Atualizado às 18:55 Por unanimidade, 3ª turma do STJ...

Renúncia à herança e sua extensão a bens descobertos posteriormente

Opinião Renúncia à herança e sua extensão a bens descobertos posteriormente Mathias Menna Barreto Monclaro 7 de outubro de 2025, 7h01 Não se deixa de reconhecer que, em certos contextos, a rigidez da solução pode suscitar debates sob a ótica da justiça material, sobretudo em heranças complexas, em...