Herança e dívidas – quem fica com quê - Jornal Estadão

Herança e dívidas – quem fica com quê - Jornal Estadão

Publicado em: 18/12/2017

Existem assuntos que por mais desagradáveis que possam parecer – angustiando o cidadão e suscitando mais dúvidas do que oferecendo soluções – fizeram-me ressuscitar o caso de um dos cantores mais famosos do show bizz internacional: Michael Jackson.

Logo após o seu falecimento, ocorrido em 2009, às especulações relativas às possíveis causas da morte do cantor, somaram-se outras, de natureza financeira: qual seria o valor da herança deixada pelo astro da música? E qual seria o valor de suas dívidas? As estimativas giravam em torno de US$ 500 milhões ou menos, em resposta à primeira pergunta, e US$ 200 milhões ou mais, em resposta à segunda. Isso suscita uma outra questão: quem paga as dívidas deixadas pelo falecido?

Vamos supor que Michael Jackson tivesse vivido, enriquecido, se endividado e morrido no Brasil – uma vez que, examinar a questão à luz de nossa legislação é, com certeza, um exercício bem mais útil para o leitor brasileiro prestes a receber um belo e confuso pacote de herança e dívidas. Se este for o seu caso, há uma boa e uma má notícia. A má notícia é que as dívidas do falecido devem ser pagas por seu espólio, isto é, pelo total de bens (móveis e imóveis) por ele deixado. Os herdeiros dividem entre si o que sobrar, se sobrar – lembrando que as despesas com o inventário e os impostos sobre a herança também entram nesse cálculo.

A boa notícia está lá, no artigo 1.792 do Código Civil de 2002, que diz: “os herdeiros não respondem por encargos superiores às forças da herança”. Trocando em miúdos, isto significa que os herdeiros não são obrigados a pagar do próprio bolso qualquer quantia que seja superior à herança. Se as dívidas forem maiores do que o valor do espólio, os herdeiros não recebem nada, mas também não pagam nada – o que, naturalmente, é uma boa notícia para o herdeiro, e não para o credor que, numa situação como essa, acaba ficando no prejuízo.

Postergar o início do inventário para adiar o pagamento de eventuais dívidas do falecido não é uma boa estratégia. Primeiro, porque atrasos na abertura do inventário geram multas. Segundo porque, dependendo das circunstâncias, os próprios credores do falecido, e também os credores dos herdeiros, podem requerer a abertura do inventário e a partilha dos bens. Esse é, aliás, um aspecto importante a ser considerado. Mesmo que o falecido não tenha deixado dívidas, se você as tiver, a parte que lhe cabe da herança terá de ser usada para saldá-las – mas apenas a parte do herdeiro devedor, e não as dos demais. Renunciar à sua parte da herança a fim de que ela vá para os outros herdeiros, e não para os credores, é um estratagema que também não funciona. Quando alguém prejudica seus credores ao renunciar à herança, eles podem, mediante autorização judicial, aceitá-la em nome da pessoa que está renunciando.

Às vezes acontece dos herdeiros serem surpreendidos pelas dívidas deixadas pelo falecido. Certa vez fui procurada por uma senhora, que ficou viúva após mais de trinta anos de casada. “Mas, doutora”, disse-me ela, aflita, “eu nem sabia que ele tinha dívidas. E agora aparecem credores de tudo quanto é lado. O que eu faço? Como é que eu vou saber se meu marido devia mesmo o que eles estão dizendo?” Calma lá. Para que os credores sejam incluídos na partilha dos bens, os herdeiros devem estar de acordo. Se não estiverem, o assunto terá que ser resolvido judicialmente. Porém, enquanto isso ocorre, os bens necessários para o pagamento das dívidas serão separados pelo juiz e ficarão indisponíveis até que a questão seja resolvida.

E, por fim, cabe lembrar que o imóvel que constitui a residência da família não pode ser penhorado para o pagamento das dívidas do falecido, nem dos herdeiros – e isso inclui os móveis e eletrodomésticos que ele contém, desde que estejam quitados. Contudo, esteja atento às exceções. Se as dívidas forem trabalhistas, fiscais, relativas à pensão alimentícia ou se o imóvel tiver sido usado como garantia de um empréstimo que não foi pago, então ele pode ser penhorado, mesmo que constitua a única residência da família. Outro detalhe: se a família possuir mais de um imóvel usado como residência, será considerado impenhorável o que tiver o menor valor – exceto se algum dos outros imóveis tiver sido registrado no cartório para esse fim.

*Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP, do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Famíia, e do IASP, é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial – Fanpage: www.facebook.com/IvoneZegerAdvogada e blog: www.ivonezeger.com.br

Fonte: Estadão
Extraído de Recivil

Notícias

Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais

SERES COISIFICADOS Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais José Higídio 26 de março de 2024, 8h51 De acordo com a proposta da relatoria-geral, “os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua...

Como fica a divisão dos bens em uma separação?

Como fica a divisão dos bens em uma separação? Francisco Gomes Júnior Antes de casar ou unir-se, defina o regime de bens e faça acordos antenupciais para evitar disputas na separação. segunda-feira, 25 de março de 2024 Atualizado às 07:58 Ultimamente, com a notícia de diversos casos de famosos...

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres 22 de março de 2024 - Notícias CNJ / Agência CNJ de Notícias Contar com a segurança do “papel passado” para oficializar a união levou um casal de mulheres a tomar a decisão mais importante em pouco mais de dois anos de vida em comum: casar...

Você sabia que precatório de credor falecido é herança?

Você sabia que precatório de credor falecido é herança? Laís Bianchi Bueno Os precatórios são dívidas governamentais decorrentes de várias situações. Após o falecimento do titular, são automaticamente transmitidos aos herdeiros de acordo com o Código Civil. quarta-feira, 20 de março de...

Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma

PENHORABILIDADE RETROALIMENTANTE Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma Danilo Vital 19 de março de 2024, 14h33 Essa exceção está no artigo 3º, inciso II, da mesma lei. A lógica é impedir que essa garantia legal seja deturpada como artifício para viabilizar a reforma...

Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital

OPINIÃO Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital Rodrigo Chanes Marcogni 18 de março de 2024, 18h23 Obviamente que temos que considerar aqui que ao estabelecerem suas regras e políticas de uso as empresas que hospedam as redes sociais o fazem imbuídas no princípio constitucional do...