Jurisprudência mineira – Apelação cível – Compra e venda de imóvel interditado – Conhecimento dos vendedores

Jurisprudência mineira – Apelação cível – Compra e venda de imóvel interditado – Conhecimento dos vendedores

Publicado em 10 de novembro de 2020

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL INTERDITADO – CONHECIMENTO DOS VENDEDORES – AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA – ART. 373, I, DO CPC – ÔNUS DO AUTOR – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – SENTENÇA MANTIDA

– Nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil de 2015, incumbe ao autor o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito.

– Tendo em vista que inexistem provas robustas no sentido de que os réus (vendedores) tinham conhecimento da interdição do imóvel, objeto de contrato de promessa de compra e venda formulado entre as partes, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais e morais.

Apelação Cível nº 1.0439.14.001003-4/001 – Comarca de Muriaé – Apelantes: Elça Aparecida Bove da Cruz e outros, Elmo Antônio Derisa da Cruz – Apelados: Enio José de Freitas Stoque, Adriana Nogueira Paradelas Stoque e outros – Relatora: Des.ª Aparecida Grossi

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 21 de agosto de 2020. – Aparecida Grossi – Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª APARECIDA GROSSI – Trata-se de recurso de apelação interposto por Elça Aparecida Bove da Cruz e Elmo Antônio Derisa da Cruz contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Muriaé nos autos da ação de indenização ajuizada em face de Enio José de Freitas Stoque e Adriana Nogueira Paradelas Stoque, que julgou improcedente o pedido inicial.

Sustentam os apelantes, em suma, que “restou provado durante a instrução processual que, de fato, o imóvel foi interditado em 2008 e que os apelados tomaram conhecimento de tal interdição naquela oportunidade” (f. 202).

Afirmam que o laudo pericial de f. 113/121 constatou trincas visíveis e rachaduras no imóvel, bem como comprovou que “o imóvel vendido pelos apelados aos apelantes encontra-se em área de risco, com possibilidade de desmoronamento e abalo na sua estrutura, em razão da instabilidade de solo dos terrenos situados acima da vertente onde está localizado o imóvel dos autores” (f. 203).

Argumentam que “os documentos de f. 42/43 denominados ‘boletins de ocorrência’ confirmam que o imóvel em foco fora interditado em 2008 e que, em 2013, a interdição foi mantida” (f. 203).

Além disso, defendem que a interdição “foi de conhecimento público e notório, pois envolvia toda a Rua Marechal, inclusive o primeiro apelado confessou ter conhecimento de imóveis interditados na Rua Marechal Floriano”.

Em virtude disso, almejam a reforma da sentença para “condenar os réus, a título de dano moral, a indenização na importância de 100 (cem) salários mínimos vigentes, bem como condenar os apelados a pagarem aos apelantes a título de dano material pela desvalorização do imóvel objeto da lide”.

A parte requerida, devidamente intimada, apresentou contrarrazões ao recurso nas f. 213/218.

É o relatório.

Juízo de admissibilidade.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo o recurso e passo à sua análise.

Preliminares.

Não foram suscitadas preliminares pelas partes.

Mérito.

Compulsando os autos, vislumbra-se que em abril de 2010 os autores adquiriram um imóvel, localizado na Rua Marechal Floriano, […], Muriaé, MG, cujos vendedores e proprietários foram os réus.

De acordo com o que consta do processo, o valor da compra foi de R$80.000,00, pagos da seguinte forma: R$24.587,56 de recursos próprios dos autores; R$5.000,00 do FGTS; e R$51.412,44 mediante financiamento da CEF.

Ocorre que, de acordo com os apelantes, em maio de 2013, eles tomaram conhecimento, através de Carlos Alberto Fajardo de Melo, que o imóvel se encontrava interditado desde o ano de 2008.

Sustentam os autores (apelantes) que “os réus tinham conhecimento da interdição, ocultando a informação com má-fé.

Argumentam que o imóvel sofreu perda total, porque se encontra em área de risco, com possibilidade de desmoronamento, sendo sua recuperação impossível. Obtemperam que o imóvel sofreu enorme desvalorização e que os autores experimentaram dano moral.”

Nas f. 54/60 os réus contestaram a pretensão.

Após a instrução probatória, o MM. Juiz a quo proferiu sentença, julgando improcedente o pedido inicial, o que ensejou a interposição deste recurso pelos autores (f. 194/197).

Cinge-se a controvérsia recursal em averiguar se o imóvel, objeto de transação entre as partes, encontrava-se interditado no momento de sua alienação, bem como se tal fato era de conhecimento dos réus (vendedores).

Inicialmente, insta salientar que no direito processual civil, em regra, vigora o princípio dispositivo, que determina à parte o dever de diligenciar a fim de comprovar as suas alegações e, por conseguinte, o fato ensejador das suas pretensões postas em juízo, conhecido como ônus da prova.

Em outras palavras, a lei processual atribui ao sujeito processual o encargo de provar determinado fato sob pena de, não o fazendo, sofrer o prejuízo de não ser acolhida a sua pretensão pelo Juiz.

Sobre o tema, pertinentes as lições de Humberto Theodoro Júnior:

“Não há dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar por meio da tutela jurisdicional. Isso porque, segundo a máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.

No dizer de Kisch, o ônus da prova vem a ser, portanto, a necessidade de provar para vencer a causa, de sorte que nela se pode ver uma imposição e uma sanção de ordem processual.

Inexistindo obrigação ou dever de provar para a parte, o ônus da prova se torna, em última análise, um critério de julgamento para o juiz: sempre que, ao tempo da sentença, ele se deparar com a falta ou insuficiência de provas para retratar a verdade dos fatos controvertidos, o juiz decidirá a causa contra aquele a quem o sistema legal atribuir o ônus da prova, ou seja, contra o autor, se foi o fato constitutivo do seu direito o não provado, ou contra o réu, se o que faltou foi a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo invocado na defesa.

No ônus da prova, portanto, verifica-se um aspecto de ‘regra de decisão’, qual seja evitar o non liquet (recusa de julgar). Por meio desse mecanismo processual, impede-se que a causa se encerre sem julgamento por falta de prova. Decide-se o mérito, segundo a regra do ônus probandi, desprezando-se a alegação de quem não provou o fato que lhe competia comprovar.

Assim, o inaceitável non liquet (não julgamento) se transforma em num liquet (julgamento do litígio) contra parte que descumpriu a regra legal de distribuição dos encargos probatórios” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 56. ed., rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, p. 875-876, 2015).

O art. 373, I, do Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, determina que “o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito”.

A propósito, mutatis mutandis, veja a jurisprudência deste eg. TJMG sobre o tema:

“Apelação. Acidente de trânsito. Indenização. Danos morais e materiais. Responsabilidade subjetiva. – Para a configuração da responsabilidade indenizatória, é necessária a presença simultânea de três elementos essenciais, quais sejam: a ocorrência induvidosa do dano; a culpa, o dolo ou má-fé do ofensor; e o nexo causal entre a conduta ofensiva e o prejuízo da vítima. O ônus da prova incumbe ao autor, nos termos do art. 373, I, CPC de 2015, que deverá demonstrar cabalmente a configuração dos três elementos ensejadores da responsabilidade civil subjetiva” (TJMG – Apelação Cível nº 1.0610.15.001807-1/001, Rel.ª Des.ª Evangelina Castilho Duarte, 14ª Câmara Cível, j. em 12/12/2019, p. em 19/12/2019).

“Apelação Cível. Ação ordinária. Responsabilidade civil. Requisitos. Indenização por danos materiais. Ônus da prova. Ausência de demonstração dos prejuízos. Improcedência. Litigância de má-fé. Inexistência. – O dever de indenizar, fundado na responsabilidade civil, depende da presença de três elementos fundamentais: o dano (ao patrimônio ou à honra da vítima), a conduta ilícita (por ação ou omissão) e o nexo de causalidade entre ambos. – Nos termos do art. 373, I, do CPC/2015, para o reconhecimento da procedência dos pedidos formulados na inicial, incumbe ao requerente demonstrar as circunstâncias básicas e essenciais a que se lhe reconheça o direito postulado na inicial, já que se trata de fato constitutivo de seu direito. –

Para o deferimento da indenização por danos materiais, é necessária a existência de prova inconteste dos efetivos prejuízos patrimoniais sofridos pela parte requerente. – A litigância de má-fé só é atribuída à negativa expressa de fato cuja existência conhece a parte, tendo como intuito induzir o julgador a erro e obter vantagem indevida, o que não é o caso dos autos. – Recurso desprovido” (TJMG – Apelação Cível nº 1.0647.15.012577-9/001, Rel. Des. José Arthur Filho, 9ª Câmara Cível, j. em  17/12/2019, p. em 19/12/2019).

No caso sub judice, o engenheiro civil José Pacheco Temponi Ribeiro (servidor público do munícipio de Muriaé/MG), confirmou que, em meados de 2008, “diante do risco iminente”, os técnicos interditaram diversos imóveis situados na Rua Marechal Floriano, nº 245, incluindo o bem objeto desta lide.

Entretanto, da análise minuciosa das provas colacionadas aos autos, não é possível afirmar categoricamente que os réus tinham conhecimento da referida interdição.

Isso porque, ao que tudo indica, os réus sequer foram notificados acerca da referida interdição do imóvel (ônus da Prefeitura), tampouco houve a averbação de tal fato no Cartório de Registro de Imóveis, o que seria necessário para efetivamente tornar público o impedimento determinado pelo Munícipio.

Não obstante, conforme relatado pelos próprios autores, a Caixa Econômica Federal deferiu o financiamento de parte dos valores necessários para a quitação do bem, sendo certo que, para tal desiderato, muito provavelmente houve a vistoria do imóvel pelos engenheiros da referida empresa pública, os quais não averiguaram quaisquer impedimentos.

Outrossim, importante ressaltar que o arcabouço probatório demonstra que, ao contrário do que defendem os apelantes, a suposta interdição do imóvel não foi procedida de ampla divulgação pelo Município, mormente porque a maioria dos apartamentos do prédio em questão se encontrava habitada em 5/9/2016.

A testemunha, Maria Auxiliadora de Andrade, corretora que intermediou a venda do imóvel, inclusive, corrobora que a interdição aparentemente não era de conhecimento geral, conforme se infere do seu depoimento (f. 173):

“[…] a depoente não sabia que o imóvel estava interditado; que Enio morava no apartamento; que tinha muito tempo que Enio morava lá; […] que nenhum imóvel na Rua Marechal Floriano estava com aviso de interdição; […] que durante o levantamento de documentos para escritura, nenhum documento informou sobre interdição; […] que o engenheiro da CEF não colocou qualquer óbice; […] que o segundo apartamento foi vendido mais ou menos na mesma época em que Elça comprou o outro apartamento; que o engenheiro da CEF também vistoriou o outro apartamento que foi vendido; […] que a depoente acredita que a CEF não tem conhecimento da interdição, porque tem outro apartamento à venda no mesmo prédio, o qual também pode ser financiado pela CEF; que a depoente não tem conhecimento de que a CEF tenha se negado a financiar a venda de um apartamento no mesmo prédio de propriedade do Fabiano em razão da interdição”.

Sob outro ângulo visual, conforme bem ressaltou o MM. Juiz a quo, se realmente houve “ampla divulgação do fato pela mídia local (o que não é corroborado por outros elementos dos autos, pois não houve print ou cópia da divulgação), o conhecimento da interdição seria tanto dos autores quanto dos réus, mais ainda dos engenheiros da CEF, que avaliaram e liberaram o imóvel para financiamento”.

Por fim, ao sustentarem o amplo conhecimento da interdição do imóvel pela sociedade local, e, ainda assim, terem efetuado a compra do imóvel, entendo que os autores incorrem em venire contra factum proprium ao almejarem a responsabilização dos réus por tal fato.

Destarte, embora existam indícios acerca da interdição do imóvel descrito nos autos, inexistem provas no sentido de que tal fato era de conhecimento do réu, o que afasta o elemento subjetivo (dolo ou culpa), necessário à configuração da responsabilidade civil subjetiva.

Seguindo essa linha de raciocínio, tendo em vista que a parte apelante não se desincumbiu do seu ônus probatório (art. 373, I, do Código de Processo Civil), deve ser mantida a improcedência do pedido a quo.

Conclusão.

Com tais considerações, nego provimento ao recurso para manter incólume a sentença.

Majoro os honorários sucumbenciais para 12% sobre o valor atualizado da causa.

Custas recursais pelos apelantes.

Suspendo a cobrança das verbas descritas acima, tendo em vista que os apelantes litigam sob o pálio da gratuidade judiciária.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Roberto Soares de Vasconcellos Paes e Amauri Pinto Ferreira.

Súmula – NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG
Extraído de Recivil

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