Protesto indevido de cheque ainda sujeito a cobrança não gera indenização por dano moral ao devedor

DECISÃO
08/11/2021 07:40

Protesto indevido de cheque ainda sujeito a cobrança não gera indenização por dano moral ao devedor

Alinhando-se à posição da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Quarta Turma pacificou a jurisprudência da corte ao decidir que o protesto de título de crédito prescrito, embora irregular, não gera direito automático à indenização por dano moral. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, a ilicitude da conduta não implica o dever de indenizar se não houve dano efetivo ao bem jurídico tutelado.

Com esse entendimento, mesmo determinando o cancelamento do protesto indevido de dois cheques – realizado após o prazo para execução cambial, mas dentro dos cinco anos que possibilitam a cobrança por outras vias –, a Quarta Turma negou o pedido de indenização feito pelo emissor dos títulos.

Relator do recurso julgado, Salomão afirmou que, no caso de protesto irregular, o dano moral está vinculado ao abalo de crédito e à pecha de mau pagador decorrentes do ato. No entanto, se o protesto é irregular por causa da prescrição do título – o que significa que não poderá ser executado, embora restem outras possibilidades de cobrança judicial –, "não há direito da personalidade a ser legitimamente tutelado", pois não há abalo de crédito.

Quanto ao caso em julgamento – acrescentou o magistrado –, "não só não houve efetivo dano ocasionado, como é certo que o autor não nega que deve, tampouco manifesta qualquer intenção em adimplir o débito".

Endosso transmite os direitos resultantes do cheque

O recurso teve origem em ação declaratória de prescrição de débito e baixa de protesto com indenização por danos morais, ajuizada pelo devedor após verificar uma restrição em seu CPF, em vista do protesto, em 9 de outubro de 2009, de cheques emitidos em 27 de setembro de 2005, nos valores de R$ 2 mil e R$ 700.

Entre outros pontos, alegou que os cheques foram emitidos para outra pessoa, que os repassou ao portador, com o qual não teve relação jurídica. Argumentou ainda que após a prescrição dos cheques, resta apenas a ação de cobrança ou monitória para o recebimento do crédito, não podendo o credor promover o protesto do título.

O Tribunal de Justiça do Paraná considerou que o protesto foi regular, pois a dívida expressa nos cheques não estava prescrita, já que entre a data da emissão e o protesto não se passaram mais de cinco anos.

O ministro Luis Felipe Salomão verificou que, ainda que não exista negócio entre as partes litigantes, os cheques foram endossados. Ele explicou que o artigo 20 da Lei do Cheque estabelece que o endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque, dispondo o artigo 22, caput, que o detentor de cheque "à ordem'' é considerado portador legitimado, se provar seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja em branco.

Segundo o relator, o cheque endossado confere, em benefício do endossatário, os efeitos de cessão de crédito, não sendo necessária nenhuma outra formalidade para tanto.

Obrigação líquida, certa e exigível

Salomão explicou que o cheque é ordem de pagamento à vista, e a execução pode ser movida dentro de seis meses após o prazo de apresentação (30 ou 60 dias, conforme seja da mesma praça ou de praça diferente).

Transcorrido o prazo de prescrição para a execução, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê dois anos para o ajuizamento de ação de locupletamento ilícito, a qual, diante da natureza cambial, prescinde da descrição do negócio subjacente. De acordo com o ministro, expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo diploma legal admite o ajuizamento de ação fundada na relação causal.

Ao contrário do entendimento das instâncias ordinárias, Salomão concluiu que, no caso, "o protesto é irregular, pois o artigo 1º da Lei 9.492/1997 estabelece que protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida". Para ele, "a interpretação mais adequada, inclusive tendo em vista os efeitos do protesto, é a de que o termo 'dívida' exprime débito, consistente em obrigação pecuniária, líquida, certa e que é ou se tornou exigível".

O magistrado lembrou que a Segunda Seção, em julgamento de recurso repetitivo, estabeleceu que o documento hábil para protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível (Tema 902). Em relação ao protesto de cheque, a Segunda Seção, também em repetitivo, definiu que "sempre será possível, no prazo para a execução cambial, o protesto cambiário de cheque, com a indicação do emitente como devedor" (Tema 945).

Segundo o relator, é incontroverso nos autos que os cheques foram emitidos em 2005 e apontados a protesto em 2009, quando já havia transcorrido o prazo prescricional de seis meses para a execução cambial. Diante disso, reconhecendo a irregularidade do protesto, a turma julgadora acolheu o pedido de cancelamento do registro.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1536035

Superior Tribunal de Justiça (STJ)

 

 

 

Notícias

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...

Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil

OPINIÃO Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil Ricardo Campos Maria Gabriela Grings 12 de abril de 2024, 6h03 No Brasil, a matéria encontra-se regulada desde o início do século. A Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, estabeleceu a Infraestrutura de Chaves...

A importância da doação com usufruto vitalício e encargos

A importância da doação com usufruto vitalício e encargos Amadeu Mendonça Doação de imóveis com usufruto e encargos como alimentos promove transição patrimonial e segurança familiar, requerendo documentação precisa e compreensão legal. quarta-feira, 3 de abril de 2024 Atualizado às 14:39 Dentro do...