Quebra de confiança dispensa fornecedor de indenizar cliente por alteração de contrato verbal

11/05/2015 - 08:43
DECISÃO

Quebra de confiança dispensa fornecedor de indenizar cliente por alteração de contrato verbal

Acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou uma empresa a indenizar outra por suposto prejuízo gerado pela redução unilateral do volume de matéria-prima e do prazo de pagamento previstos em contrato verbal.

O tribunal paulista condenou a empresa fornecedora a ressarcir a diferença do lucro que sua cliente teria com o fornecimento integral do insumo entre agosto de 1997 – quando o fornecimento foi reduzido – e julho de 1998 – quando a relação comercial entre as partes foi encerrada.

O fornecimento foi reduzido em função de problemas operacionais, e o prazo de pagamento, por conta do inadimplemento da contratante. O TJSP entendeu que houve abuso de posição dominante e violação aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

A fornecedora recorreu ao STJ sustentando, entre outros pontos, que a indenização foi imposta com base em dano hipotético e futuro, e que, ao condicionar o fornecimento normal ao pagamento de dívidas em aberto, ela não feriu a boa-fé objetiva. Argumentou, ainda, que a Lei 8.884/94 não se aplica ao caso, uma vez que disciplina relações de direito público e visa a reprimir atos atentatórios à livre concorrência, fatos  inexistentes no caso em questão.

Contrato verbal

Em seu voto, Luis Felipe Salomão discorreu sobre a fragilidade do contrato verbal e considerou um “descuido injustificável” a manutenção de pactos desse porte sem forma escrita – o que, embora não retire sua validade e eficácia, reduz a segurança jurídica e gera futuras controvérsias.

Isso porque, ressaltou o ministro, o princípio do paralelismo das formas prevê que o distrato se faz pela mesma forma exigida para o contrato (artigo 472 do Código Civil), ou seja, um contratante não pode exigir do outro forma diferente da verbal para a alteração de uma avença não escrita.

Quanto à redução do fornecimento e do crédito após o inadimplemento das faturas vencidas, o relator concluiu que não se pode impor a um dos contratantes que mantenha as condições avençadas verbalmente quando, de fato, a relação de confiança entre as partes se alterou – conforme o princípio da exceção de inseguridade, prevista no artigo 477 do Código Civil.

“Portanto, era lícito que a contratada reduzisse o volume de produto fornecido e modificasse as condições de crédito e de pagamento diante do inadimplemento pretérito da contratante, precavendo-se de prejuízo maior”, afirmou em seu voto.

Previsibilidade

Segundo o relator, os litígios resultantes de descontinuidades contratuais não são novidade no STJ, tanto que a corte já firmou entendimento sobre a licitude da rescisão unilateral desmotivada. Para ele, embora o caso julgado não envolva ruptura de contrato, mas alteração dos padrões de fornecimento provocada por problemas operacionais, não há particularidades que aconselhem julgamento distinto da jurisprudência dominante.

Salomão reconheceu que o caso não trata de relação contratual de longa duração, na qual os costumes comerciais têm aptidão de gerar em um contratante a legítima expectativa de que o outro se comportará de forma previsível, mas ressaltou que problemas operacionais também são previsíveis.

“Em se tratando de problemas de produção, tem-se situação absolutamente previsível para ambos os contratantes, de modo que a redução no fornecimento de produtos, nessa situação, não revela nenhuma conduta ilícita por parte do fornecedor”, disse.

O ministro enfatizou que a própria contratante confirmou que a contratada era responsável por cerca de 70% da matéria-prima utilizada em sua linha de produção, não se tratando, portanto, de fornecedora exclusiva. Para ele, “cabia à contratante precaver-se contra oscilações previsíveis e comuns no fornecimento do produto, sobretudo em avenças de grande vulto” – que, no caso, seria de 90 toneladas/mês.

Dano hipotético

Luis Felipe Salomão também ressaltou em seu voto que não cabe condenação indenizatória com base em pedido genérico. Ele reiterou que, em ação de responsabilidade civil subjetiva, é incumbência do autor demonstrar, ainda no processo de conhecimento, a ocorrência do dano, a conduta ilícita do réu e o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o resultado lesivo.

“A despeito de o julgador poder valer-se de seu livre convencimento motivado, descabe condenar o réu à indenização de um dano hipotético, sem comprovação da existência do prejuízo e do nexo de causalidade”, afirmou o relator.

Além de dar provimento ao recurso especial, a Turma condenou a empresa contratante ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 100 mil em razão da complexidade da causa e da longa duração do processo. A decisão foi unânime.

Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Notícias

Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma

PENHORABILIDADE RETROALIMENTANTE Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma Danilo Vital 19 de março de 2024, 14h33 Essa exceção está no artigo 3º, inciso II, da mesma lei. A lógica é impedir que essa garantia legal seja deturpada como artifício para viabilizar a reforma...

Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital

OPINIÃO Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital Rodrigo Chanes Marcogni 18 de março de 2024, 18h23 Obviamente que temos que considerar aqui que ao estabelecerem suas regras e políticas de uso as empresas que hospedam as redes sociais o fazem imbuídas no princípio constitucional do...

Artigo – Registro civil: há que se ter algum limite na criatividade onomástica

Artigo – Registro civil: há que se ter algum limite na criatividade onomástica Publicado em 18 de março de 2024 Uma recente e importante alteração legislativa na área do registro civil foi a flexibilização da imutabilidade do nome. O advento da Lei nº 14.382/2022 rompeu a rigidez, permitindo a...

Aumento de renda do pai gera revisão de valor da pensão alimentícia

BOLSO CHEIO Aumento de renda do pai gera revisão de valor da pensão alimentícia 8 de março de 2024, 7h49 A autora da ação lembrou que o valor inicial da pensão foi fixado em 27,62% do salário mínimo nacional, já que na época o pai da criança não tinha boa condição financeira. Prossiga em Consultor...