Por dentro da meta fiscal: governo e famílias apertam o cinto

Crise econômica obriga famílias a trazerem o orçamento doméstico na ponta do lápis  Ana Volpe/Agência Senado

Por dentro da meta fiscal: governo e famílias apertam o cinto

  

Rodrigo Baptista | 27/05/2016, 16h17 - ATUALIZADO EM 27/05/2016, 21h01

A meta fiscal aprovada na madrugada de quarta-feira (25) pelo Congresso Nacional prevê um déficit de R$ 170,5 bilhões nas contas do governo, valor superior à previsão anterior que era um deficit de R% 96 bilhões. Mas o que isso significa? E como afeta o bolso e a vida da população?

A meta revela a política fiscal estabelecida pelo governo com o objetivo de mostrar a sua capacidade de saldar compromissos. Ela é resultado da diferença entre dois valores: a expectativa de receita e a expectativa de despesas. Desta conta, é possível obter um superavit (saldo positivo) ou deficit (saldo negativo).

Quando o saldo é positivo o governo consegue economizar para pagar os juros da sua dívida. Já o deficit de um país reflete que ele gasta mais do que arrecada. É como se os valores das contas de uma família fossem superiores ao que ganham todos os que moram na casa em um determinado mês.

É a situação que ocorreu com a família de Maria Francisca Soares. Há dois anos, ela viu o orçamento apertar quando o marido, Alessandro Silva, perdeu o emprego. Depois de pagar água, luz e fazer as compras, ficou difícil amortizar o financiamento da casa própria. Para compensar e sair do vermelho, ela teve que apelar para um empréstimo, contraindo uma nova dívida.

Para pagar o empréstimo, Maria, que trabalha como faxineira em Brasília, correu atrás de mais serviço nos meses seguintes.  Além disso, ela e Alessandro cortaram alguns gastos: tiraram a filha da escola particular e diminuíram os passeios nos fins de semana.

- Eu tinha um planejamento antes e dava para economizar, mas o desemprego do meu marido me pegou desprevenida, principalmente por conta do financiamento da casa.  Mas estamos fazendo um esforço – disse.

O orçamento das famílias como a de Maria é menos complexo, evidente, que o Orçamento da União.  Se o governo não consegue economizar o suficiente para fazer frente aos seus compromissos, ele passa a recorrer a medidas como aumentar impostos para as famílias e as empresas e cortar gastos que não são obrigatórios, como investimentos públicos.

Também pode emitir títulos públicos, que são comprados por investidores do mercado. É uma espécie de "empréstimo":  o governo põe à venda com o compromisso de resgatá-los de acordo com prazos, juros e outras condições predeterminadas.  Esses títulos compõem a chamada dívida pública.

Assim como Maria, o governo interino de Michel Temer resolveu fazer um esforço e criar um teto para o crescimento dos gastos públicos, além de cortar algumas despesas. O pacote fiscal anunciado contém entre outros pontos uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que será enviada para votação Congresso Nacional que restringe inclusive a expansão dos gastos com saúde e educação. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também não descartou a possibilidade de o governo propor aumento de tributos no futuro. Segundo ele, porém, a ideia é não elevar impostos "num primeiro momento".

De acordo com José Ribamar Pereira da Silva, consultor de orçamento do Senado, as despesas cresceram a tal ponto na última década que dificilmente o contingenciamento será suficiente para garantir um resultado financeiro positivo. Para o consultor, são grandes as chances de o governo precisar criar novas fontes de receita:

- A arrecadação não está crescendo. Por outro lado, as despesas estão. Chegou a um ponto tal que não tem como cortar muitas despesas. Parece que será necessário criar uma nova fonte de recursos para pagar a conta – disse.

Aperto

“A conta acaba sempre sobrando para a população”, disse Maria Francisca Soares sobre a possibilidade de criação de um novo imposto e sobre os possíveis cortes na saúde e educação. A impressão de Maria é corroborada pelo diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. Segundo ele, momentos de crise impactam de forma mais significativa os trabalhadores.

-  O custo social vivido é manifestado através de uma taxa de desemprego alta, que desmobiliza uma série de ativos. A destruição dos postos de trabalho, na verdade, é a destruição do ativo que permite ao trabalhador a construção, para ele e sua família, de um conjunto de elementos básicos para financiar o bem-estar e a qualidade de vida no âmbito privado – disse.

Mesmo lamentando o arrocho, Maria acredita que a economia pode se reerguer assim como ela e o marido Alessandro. Recentemente ele voltou a trabalhar como segurança em eventos e não passa um final de semana sem serviço. As contas da casa, contou Maria, melhoraram:

- Já está dando para economizar um pouco – disse.

Modelo atual é criticado

Desde 1997 até 2014, são 17 anos seguidos em que  o Brasil sempre registrou superavits primários, valor que é destinado anualmente para o pagamento dos juros da sua dívida. Mas o modelo, que remonta à estruturação do Plano Real e à Lei de Responsabilidade Fiscal não é unanimidade. Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) no dia 16 de maio, sindicalistas e outros convidados afirmaram que a política fiscal que vigora desde os anos 90 garante a primazia do setor financeiro na economia.  A consequência disso, segundo eles, é que as políticas públicas começam o ano com poucos recursos.

Paulo Barela, da Central Sindical e Popular (CSP Conlutas), defendeu a imediata suspensão do pagamento da dívida alegando que o montante que o governo tem destinado ao pagamento da dívida pública representa quase metade do orçamento, o que supera os investimentos em direitos sociais básicos da população brasileira como saúde, educação e transporte.

- Seria tomada uma medida política que significaria a suspensão do pagamento da dívida pública, o que abriria o caixa em mais de 50%. Não foi o povo pobre trabalhador que auferiu essa dívida. Ela é fruto de juros sobre juros sobre juros sobre juros, o que leva à situação que estamos vivendo agora - argumentou.

A dívida pública é formada tanto por empréstimos quanto pela emissão de títulos do governo, que são comprados por investidores com o objetivo de obter remuneração futura por meio de juros.

Para o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, o volume do endividamento do país e o nível da taxa de juros comprometem a capacidade de investimento do Estado.

- Quando um Estado se endivida e toma empréstimo da sociedade, ele toma esse empréstimo para construir ativos que gerem a ampliação da capacidade produtiva dessa sociedade. Ampliando a capacidade produtiva, o Estado arrecada mais impostos e pode ressarcir aqueles que emprestaram. Nós temos um problema estrutural em relação à dívida pública, porque ela, hoje, transfere um volume de recursos que impede que o Estado brasileiro tenha capacidade fiscal de fazer parte daquilo que é necessário que é o investimento – afirmou.

Segundo Clemente Ganz Lúcio, a queda de arrecadação do governo e o deficit fiscal fazem com que volte à tona o debate público sobre cortes na saúde, na educação, na previdência e nos benefícios de servidores, porque são as quatro maiores contas depois do gasto com juros. Ele lamenta, contudo, que a discussão sobre os elevados juros da dívida pública fique em segundo plano.

- Tudo isso será feito para garantir o pagamento regular e diário do custo da dívida pública – disse.

O que diz a nova meta fiscal?

A meta aprovada é diferente daquela prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na Lei, consta um superavit de 0,39% do PIB, ou R$ 24 bilhões. Porém, com a frustração de receitas e o aumento dos gastos públicos nos primeiros meses deste ano, o governo já havia encaminhado em março, na gestão da presidente afastada Dilma Rousseff, um pedido de revisão da meta, que sairia de um superavit para um deficit de R$ 96 bilhões de reais.

A equipe econômica de Temer, porém, apresentou um novo cálculo para o deficit, excluindo a previsão de arrecadações consideradas incertas — como a recriação a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), ainda em discussão, e a repatriação de recursos no exterior, ainda não efetivada.

Se não conseguisse aprovar a nova meta até a próxima semana, o governo seria obrigado a cortar R$ 137,9 bilhões nas despesas não obrigatórias, para garantir o superavit previsto na LDO, além dos R$ 44,6 bilhões já contingenciados no primeiro bimestre.

 

Agência Senado

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