Universidades devem ensinar conciliação, defende conselheiro

Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Universidades devem ensinar conciliação, defende conselheiro

30/11/2012 - 07h30

O conselheiro José Roberto Neves Amorim, coordenador do Movimento Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), comemora o sucesso da sétima edição da Semana Nacional de Conciliação, encerrada no dia 14 de novembro, e afirma que a conciliação é a solução para o enorme volume de processos na Justiça brasileira. O conselheiro defende que os métodos alternativos de resolução de conflito como a arbitragem, a mediação e a conciliação estejam presentes na grade de ensino das universidades desde os primeiros anos. “Não como eletivas, mas obrigatórias”, para que a mudança de cultura comece pelos futuros agentes do Direito. Veja abaixo os principais trechos da entrevista à Agência CNJ de Notícias.

Como o senhor avalia o resultado da Semana Nacional de Conciliação, que registrou uma taxa em torno de 50% de acordos?

Foi um sucesso. Eu avalio a conciliação como a solução para o Judiciário, para nós eliminarmos esses processos tão importantes para as pessoas, mas que não têm uma avaliação jurídica tão importante para o Poder Judiciário. Temos processos que ficam cinco anos ou seis anos tramitando para, no final, termos uma condenação de R$ 500. E, ao mesmo tempo, cada processo, só na estrutura, custa ao País R$ 1.200, R$ 1.300. Então, a solução é a conciliação.

Ou seja, também é uma questão de economia de recursos?

A Resolução n. 125 do CNJ determinou que os tribunais criassem centros e núcleos para facilitar o acesso da população. Em todos os aspectos a conciliação é positiva: há economia de recursos, economia de tempo, economia de trabalho. Todo o Brasil só tem a ganhar com isso.

Se as pessoas fazem acordo na conciliação promovida pela Justiça, por que elas não poderiam resolver sozinhas suas divergências sem recorrer ao Poder Judiciário?

Falta a intermediação do Estado. Muitas vezes, o cidadão precisa de uma solução, mas a outra parte é resistente, ou é difícil fazer o contato com ela. Por exemplo, quando é empresa de telefonia, plano de saúde, banco, fica difícil. Quando o Judiciário entra para intermediar, facilita, porque o Judiciário tem a força coercitiva necessária para trazer as pessoas e fazê-las sentarem-se à mesa. Com a conciliação, o Judiciário se torna um facilitador do encontro. Com essa facilitação as pessoas começam a conversar. Mas uma sozinha não consegue o acesso à outra, o Judiciário consegue estabelecer o diálogo. Por isso, os centros e núcleos são importantes. A pessoa vai ao centro sem precisar de procuração: o juiz intima a outra parte e elas vão se sentar à mesa.

Na Semana de Conciliação tivemos um pouco mais de 143 mil acordos, mas temos hoje 90 milhões de processos em tramitação. O número de conciliações não é ainda muito pequeno em comparação com a quantidade de processos?

Sim, mas temos de considerar o seguinte aspecto: isso foi em uma semana apenas. Foram 143.879 acordos (dados parciais) e, das 350 mil audiências marcadas, fizemos 295 mil audiências, ou seja, 83% das audiências foram realizadas. E quase 50% das audiências realizadas reverteram em acordo. A Semana é um incentivo para que os tribunais façam isso durante todo o ano. Outro ponto importante é a mudança de cultura. Nunca tivemos uma cultura da conciliação, do entendimento. Ao contrário. Nossas universidades preparam para o litígio.

No Brasil, a resolução de conflitos de forma negociada não está sequer na grade de ensino das universidades, em que se formam os futuros advogados e juízes. É possível mudar essa realidade? 

Estamos trabalhando em cima de uma mudança de cultura e isso demora para acontecer, não é imediato. Hoje, temos muitos magistrados que aceitam e reconhecem a importância das formas alternativas de resolução de conflito. No entanto, há muitos que ainda acreditam que a sociedade busca o Poder Judiciário para que um juiz decida a questão. Só que solucionar um conflito não significa pacificar as partes, e é essa a grande vantagem da conciliação. Construir o entendimento para que o fim da questão seja o fim do problema de fato. Agora, em relação às universidades, é fundamental que as disciplinas de métodos alternativos sejam dadas nos primeiros anos e de forma obrigatória. Hoje, em raras universidades, elas são fornecidas como eletivas. O certo é que sejam tão importantes como processo civil e penal. Para que os estudantes tenham, ao mesmo tempo e com o mesmo peso de importância os dois métodos: a visão judicializada da Justiça, assim como a conciliação dos conflitos. Hoje, infelizmente, temos sido criados na cultura da judicialização.

Esse mês, o CNJ junto com a Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) fará um curso de métodos de resolução negociada de conflitos para dois mil magistrados. Qual é a intenção do CNJ com isso?

A ideia é que o maior número possível de juízes passem por esse curso. Hoje, somos aproximadamente 17 mil e, quanto mais magistrados com capacidade e conhecimento nessa área, melhor para o Brasil. É uma mudança de cultura para todos, agentes do Direito e sociedade. Estamos tentando embutir na cabeça do cidadão que ele não precisa entrar com processo. Ele tem outro meio muito mais fácil para resolver sua questão. E o magistrado pode ouvir e homologar uma decisão com base no diálogo das partes. 

Voltando à questão do grande estoque de processos em tramitação (atualmente, são 90 milhões de processos em andamento), o senhor considera normal que o número de processos seja praticamente igual ao da metade da população?

Se descontar os jovens, dá um processo e pouquinho por pessoa. Em outros países, isso não acontece. Se não somos os campeões de processos, estamos perto. Veja, só em 2011 entraram 26 milhões de processos novos. Isso demonstra nossa litigiosidade. Por isso, temos de fazer esse trabalho da conciliação e da mediação para que quantidade de processos comece a diminuir. Diminuir a entrada de processos e conciliar os que existem. Só que isso não acontece do dia pra noite. É um trabalho que tem de ser começado. A gente planta uma mangueira hoje para comer manga daqui a 10 anos.

 

Gilson Eusébio e Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

 

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