A relativização do artigo 526 do CPC

A relativização do artigo 526 do CPC

Fábio de Possídio Egashira

segunda-feira, 1/10/2012

O artigo 526 do Código de Processo Civil estabelece que o agravante, em três dias, deve juntar ao processo originário a cópia do agravo de instrumento e o comprovante de sua interposição, assim como a relação de documentos que instruíram o recurso, sob pena de inadmissibilidade, desde que o descumprimento da exigência seja alegado e comprovado pelo agravado.

Essa norma criou o mecanismo processual que possibilita ao juiz tomar conhecimento do recurso de agravo de instrumento contra a sua decisão interlocutória e, se for o caso, retratar-se. Também estabeleceu que o relator e o Tribunal não estão autorizados a reconhecer de ofício a falta de comunicação da interposição do agravo de instrumento, uma vez que a responsabilidade é do agravado em suscitar e provar tal descumprimento pelo agravante.

Trata-se de pressuposto de processamento do agravo de instrumento, que tem gerado a inadmissibilidade de inúmeros recursos nos Tribunais do nosso País.

Contudo, nem sempre o descumprimento do artigo 526 do CPC é suficiente para originar a inadmissibilidade do agravo de instrumento, uma vez que tal dispositivo somente deve ser aplicado na hipótese de processamento do recurso.

Imagine-se uma situação em que a parte ajuiza uma medida judicial e tem a sua liminar indeferida. Após isso, interpõe um agravo de instrumento com pedido de antecipação de tutela (efeito suspensivo ativo – inciso III do artigo 527 do CPC), com a finalidade de suspender a decisão de primeiro grau que indeferiu o pleito e obter a liminar inicialmente pretendida.

Na sequência, o relator do recurso defere a antecipação de tutela e julga o mérito para dar provimento monocrático ao agravo de instrumento, com base no §1º-A do artigo 557 do CPC, uma vez que identificou que a decisão do juiz estaria em confronto com a jurisprudência dominante do Tribunal.

Ora, se o agravo de instrumento tinha todos os pressupostos de admissibilidade quando fora julgado (artigo 525 do CPC); se o julgamento monocrático de mérito do agravo de instrumento pelo relator se deu antes de qualquer alegação/comprovação de descumprimento do artigo 526 do CPC, substituindo de plano a decisão do juiz de primeiro grau, nos termos do artigo 512 do CPC; se seria impossível ao mesmo juiz se retratar e se o agravado sequer poderia contraminutar o recurso por causa do julgamento de mérito do agravo de instrumento, que operou efeito substitutivo da decisão de primeira instância; se o artigo 557, §1º, do CPC, autoriza o provimento monocrático do recurso, obviamente que seria inútil o agravante comunicar a interposição do agravo de instrumento em três dias, conforme exigência do artigo 526 do CPC.

Nessa hipótese, entendemos que a inadmissão do agravo de instrumento por descumprimento do artigo 526 do CPC não pode ser aplicada. Isso porque o artigo 557, § 1º-A, do CPC, esvaziou a exigência do mencionado artigo 526. Ou seja, com o imediato provimento monocrático de mérito do recurso pelo relator, operou-se o efeito substitutivo da decisão agravada, não permitindo a retratação do juiz, a contraminuta do agravado e até a alegação posterior deste, do descumprimento da comunicação de interposição do recurso exigida.

Por um bom tempo, o comportamento do Judiciário foi no sentido de simplesmente não admitir o agravo de instrumento quando suscitado e comprovado pelo agravado que o artigo 526 do CPC fora descumprido pelo agravante. Em várias situações, os Tribunais fizeram isso no julgamento do agravo (§1º do artigo 557 do CPC) contra a decisão monocrática do relator (§1º-A do artigo 557 do CPC), após a comprovação do descumprimento do artigo 526 do CPC.

O fato é que a postura do Judiciário tem mudado, a exemplo da recente decisão da 22ª Câmara Cível do TJ/RS: "Agravo. Agravo de instrumento. Art. 526 do CPC. Não observância. Desnecessidade. Julgamento monocrático onde não há de ser observado o disposto no art. 526 do CPC, destinado à hipótese de processamento do recurso. Ausência de prejuízo no caso concreto. Intimação para contrarrazões. Desnecessidade. Agravado não representado nos autos. Possibilidade de posterior controle do Colegiado. (...)." (22ª Câmara Cível do TJ/RS; Agravo 70050009752, Desembargador Relator Carlos Eduardo Zietlow Duro, julgamento em 16/8/2012 e publicado em 21/8/2012).

No nosso entendimento, as posições contidas no presente artigo, reforçadas pela decisão acima apontada, estão em sintonia com a razoabilidade e a lógica exigidas pelo Direito Processual Civil contemporâneo. Prestigiam o princípio da celeridade e economia, evitando a prática e exigência de atos processuais desnecessários.


* Fábio de Possídio Egashira é sócio do escritório Trigueiro Fontes Advogados

Fonte: Migalhas

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