Criminalistas afirmam: PEC dos Recursos viola a presunção de inocência

Extraído de Portal do Holanda
16 de Maio de 2011

Criminalistas afirmam: PEC dos Recursos viola a presunção de inocência
-
O argumento do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cesar Peluso, de que se tivesse sido aprovada, nos últimos dois anos, a PEC dos Recursos só teria prejudicado um réu na área criminal, não convenceu os criminalistas. Para eles, independentemente de números, a proposta viola princípios constitucionais.

Em entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo neste domingo (15/5), Peluso declarou que não aceita a crítica de que o projeto coloca em risco a liberdade do indivíduo. "Nos últimos dois anos, num universo de 70 mil processos levados ao Supremo, os recursos extraordinários na área criminal foram 5.700, menos de 10%. Destes, deu-se provimento a apenas 155. Destes 155, 77 foram recursos do Ministério Público, ou seja, o provimento do Supremo foi em favor da acusação, o que agravou a situação dos réus. Houve apenas um caso em que se deu provimento em favor do réu. Um caso!."

O advogado Carlo Frederico Müller acredita que o argumento apresentado pelo ministro, na verdade, deveria ser usado contra a PEC, e não a favor, como ele fez. "A liberdade de um cidadão não tem preço. A justiça com um milhão de pessoas é menor do que a injustiça com uma." Ele deixou claro que o Estado deve proteger o réu, e que a justificativa de Peluso é ilegal e temerária. Para o criminalista, a proposta guarda semelhança com a ideia de que os fins justificam os meios, que "tem péssimos exemplos" na história mundial, "como a revolução chinesa de Mao Tsé Tung e a Alemanha Nazista".

Müller entende que a PEC tenta solucionar as consequências e não as causas. Segundo ele, o Estado é incompetente ao administrar, já que omisso ao deixar de fazer investimentos e fiscalizar melhor os tribunais, criar mais câmaras e turmas de julgamento, além de treinar melhor os juízes de primeira instância, "que erram demais". O advogado relata que presenciou, mais de uma vez, desembargadores durante o julgamento acessando sites como YouTube e Facebook. Nesse sentido, acredita que outras medidas, de caráter mais administrativo, podem ser tomadas para se atingir o resultado da PEC, "garantindo os direitos do cidadão".

Princípio caro
O defensor público e professor da PUC-SP, Gustavo Junqueira , lembrou que os dados apresentados pelo ministro só se referem aos recursos levado ao Supremo, mas a PEC não se limita à Corte e também atingirá os recursos especiais encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça.

Na opinião de Junqueira, o argumento pragmático apresentado pelo presidente Peluso não consegue combater o fato de que o princípio da presunção de inocência será mitigado. Isso porque, com a PEC, mesmo cabendo recurso, a condenação de segunda instância já poderá ser executada, mesmo sem ter transito em julgado.

Ele admite que os princípios não são absolutos e aceitam fexibilizações. Contudo, chama atenção para que o excesso de mitigação pode chegar a esvaziá-lo. "Quanto maiores as mitigações, mais o operador do Direito deixa de ter fé e dar eficácia ao princípio", sustenta. O professor observa que a PEC também poderá aumentar a cultura nacional de não se aplicar a orientação dos tribunais superiores. Segundo ele, o número de reformas e de cassação de decisões pelos tribunais superiores, principalmente em HC, é muito expressivo. "Com essa limitação de efeitos dos recursos superiores, parece que essa cultura pode ser acentuada."

Tendo em vista as críticas, e o reconhecimento de que o STF tem um número insuportável de processos e deve sim adotar medidas para limitá-lo, o defensor propõe que a PEC seja restrita para não alcançar a seara criminal. Dessa forma, não atrapalharia a aplicado do princípio que "já foi cristalizado na história da humanidade com um valor importante".

"É absolutamente razoável que o STF busque reduzir o volume de processos que recebe, mas tangenciar a presunção de inocência é eficaz? É mesmo o melhor caminho para isso?", questiona. Ele observa que, de acordo com os dados apresentados por Peluso, os recursos criminais são só 10% do total.

Dados X dados
Marina Dias e Daniela Megiollaro , respectivamente presidente e diretora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), concordam com Junqueira quanto à violação à presunção de inocência. Elas consideram os dados apresentados pelo ministro Cezar Peluso alarmantes, porque "confirmam a grande dificuldade de acesso à Justiça da maior parte das pessoas que enfrentam um processo criminal, que são majoritariamente de baixa renda". Para elas, as informações "deveriam chamar a atenção para a importância de se fortalecer as Defensorias Públicas em todo o país e, com isso, democratizar o acesso à Justiça. Jamais servir para embasar uma emenda constitucional que o restringe ainda mais".

Nesse sentido, elas criticam os números do presidente do STF, apresentando outros: a população carcerária cresce de 5% a 7% por ano e é composta por 44% de presos provisórios, de acordo com dados do InfoPen. "Essa população raramente tem acesso ao STJ e ao STF. A proposta irá apenas mascarar estes dados, uma vez que o número de presos provisórios diminuirá, sem, no entanto, reverter a situação de caos do sistema prisional, já que as pessoas continuarão presas e terão mais restrições ao direito de liberdade", defendem.

Remédio constitucional
Segundo as advogadas, a alegação do ministro de que a emenda não "mexe no Habeas Corpus" não procede porque "a simples impetração do Habeas Corpus não impedirá, de imediato, que um acusado inicie o cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos cabíveis". "las sugerem a edição de mais súmulas vinculantes para desafogar o Poder Judiciário com mecanismos "mais viáveis e que não ferem os direitos à ampla defesa e à presunção da inocência" .

Apesar de reconhecer que, assim como dito por Peluso, a PEC não altera o Habeas Corpus, o advogado Délio Lins e Silva Júnior declarou que acha "difícil a PEC não mexer no HC, porque cada dia tentam restringi-lo cada vez mais". Gustavo Junqueira compartilha do temor do advogado, chamando atenção para a existência de um forte movimento no Judiciário para mexer no HC.

Vexame
Müller lembrou que a PEC não afeta só as causas penais, e mencionou que com ela uma criança pode ser levada para outro país (por determinação do segundo grau), com o qual o Brasil não tem tratado de cooperação, e nunca mais voltar, mesmo que o tribunal superior decida o contrário.

Outra hipótese de caso a ser prejudicado com a aprovação da PEC é o de um banco condenado a pagar ao Estado algo como R$ 12 bilhões. O pagamento, após uma decisão de segunda instância, abalaria a estabilidade da instituição, diminuiria o valor de suas ações, e seus investimentos. No futuro, esse valor dificilmente seria ressarcido com o pagamento por precatório.

O advogado chamou atenção para o risco de constrangimento que o presidente do STF tem assumido, na medida em que assume uma proposta em nome de seu cargo, e, consequentemente da Corte, mas sem consultar seus pares. Segundo ele, o risco de também é do Estado brasileiro perante a comunidade internacional, pois a PEC pode ser declarada inconstitucional, apesar de proposta pelo presidente do Supremo, que deve zelar a própria Constituição.

 

AE / Portal do Holanda 

 

Notícias

Juiz penhora 50% dos presentes de casamento de devedor

Se deu mal Juiz penhora 50% dos presentes de casamento de devedor A medida foi adotada para garantir o pagamento de uma dívida pendente, dado que o executado, apesar de ostentar um elevado padrão financeiro, não cumpriu suas obrigações judiciais. Da Redação terça-feira, 27 de agosto de...

Troca de primeiro nome por apelido não depende de constrangimento ou vexame

SOCIALMENTE CONHECIDO Troca de primeiro nome por apelido não depende de constrangimento ou vexame Danilo Vital 20 de agosto de 2024, 13h51 “O distanciamento entre o nome civil e o nome social, por si só, é capaz de causar constrangimento”, afirmou a ministra ao votar pelo provimento do recurso...

Falta de prova de constituição em mora impede expropriação de imóvel

LEILÃO CANCELADO Falta de prova de constituição em mora impede expropriação de imóvel Paulo Batistella 20 de agosto de 2024, 9h53 A cliente alegou que o banco credor no caso se negou a receber o valor relativo à dívida dela sob o argumento de que a consolidação da propriedade já estava em...

STJ: Credor que assume dívida de recuperanda não tem prioridade

Sub-rogação STJ: Credor que assume dívida de recuperanda não tem prioridade Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva ressaltou que sub-rogação não confere direitos adicionais, mantendo o crédito vinculado ao contrato original. Da Redação sexta-feira, 16 de agosto de 2024 Atualizado às 13:56 Credores que...