Descriminalização do porte de droga para uso próprio

Descriminalização do porte de droga para uso próprio

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

6/6/2012

A lei 11.343, que define os crimes de drogas, foi sancionada ainda recentemente, em agosto de 2006. Instituiu o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas – Sisnad - e, dentre outras medidas, prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes.

 

A lei anterior, que levava o nº 6.368/76, penalizava o dependente com a sanção de seis meses a dois anos de prisão. A nova lei, no entanto, continua considerando ilícita a conduta do agente, mas prevê apenas aplicação de medidas socioeducativas, sem qualquer alcance das penas restritivas de liberdade.
 

Esta nova roupagem dada à conduta do usuário traz algumas dificuldades para a compreensão do leigo. A cultura do povo brasileiro é, por tradição, fincada no processo, pena e prisão. A prisão, ou algo que lhe que lhe equivalha, deve prevalecer na avaliação do cidadão. O direito penal moderno, porém, está traçando novos caminhos de acordo com o pensamento minimalista, que se caracteriza pela intervenção mínima do Direito Penal.


Avalia-se a conduta do agente infrator pelo dano causado à sociedade. Não sendo relevante, a função persecutória do Estado não se mobilizará. Há países que, em relação ao uso de drogas, entendem que se compara a uma autolesão que, de regra, não é punível, pois não afeta nenhum bem jurídico alheio e sim o exercício de um direito localizado na esfera da privacidade do agente. Para outros, o problema é da competência da saúde pública e não da polícia e judiciário.
 

O Direito Penal Brasileiro, paulatinamente, vem encampando tais princípios. Basta ver a introdução à Lei dos Juizados Especiais Criminais, onde não há aplicação de penas restritivas de liberdade, permitindo a transação penal e a suspensão condicional do processo, sem qualquer sequela para o autor da infração.

Pela referida lei de drogas, com relação ao usuário, numa interpretação crítica, nasce uma figura anômala de crime. Opera-se uma descriminalização, mas continua ainda o caráter ilícito do fato. Reprime a conduta de quem adquire, guarda, tem em depósito, porta ou traz consigo substância entorpecente, para uso próprio, e estabelece as seguintes penas: a) advertência sobre os efeitos das drogas; b) prestação de serviços à comunidade; c) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. A legislação pátria segue a sinalização das mais avançadas no mundo.


Com relação à proposta de descriminalização da figura do usuário feita pela Comissão, é de se indagar se a população brasileira está apta para assimilar tamanha mudança. A resposta negativa se impõe. Falta ao cidadão brasileiro a informação a respeito de sua conscientização social e o correspondente comprometimento com ela.


A primeira conclusão da proposta legislativa, pelo menos a respeito do que se comenta à boca pequena ainda, é que foi liberado o uso de drogas e que ninguém mais será preso por tal conduta. Afasta-se, definitivamente, a aplicação de qualquer medida de caráter educativo e retira a roupagem de ilicitude do fato. A intenção é recuperar o homem e não penalizá-lo. Tanto é que a própria lei determina ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
 

Mas uma lei não se faz somente de boas intenções. Deve ter em mente a realidade da sociedade onde será aplicada, pois se não for interpretada corretamente, acarretará maiores danos do que os existentes. A sociedade, por si só, independentemente de qualquer manifestação legislativa, estabelece seus patrões morais e éticos que serão seguidos obrigatoriamente por todos os seus membros. Assim, surgem definições a respeito do certo e errado, do permitido e do proibido, do lícito e do comprometedor e fixam-se parâmetros para uma avaliação a respeito da reprovabilidade moral.

 

A brusca retirada da figura delitiva do dependente da legislação penal provoca uma violência aos preceitos sociais que, erigidos em valores hierarquizados e fincados em alicerces quase que irremovíveis, não permitem passivamente a transformação. Há, como se sabe, uma clara divergência entre todas as classes sociais a respeito da liberação do uso das drogas. De um lado, pondera-se que o dependente não é criminoso e que necessita de tratamento adequado para estancar seu vício, uma vez que a indicação terapêutica é mais aconselhável do que a punitiva. De outro, o dependente é visto como um perigo à sociedade, pois em razão de sua conduta coloca em risco a segurança, saúde e vida das pessoas, além de ser o propulsor do crime maior, que é o tráfico de drogas.
 

É indiscutível que, ausente qualquer política de recuperação de drogados, com a seriedade que se faz necessária, o panorama da criminalidade neste setor receberá um considerável reforço. As organizações criminosas, por meio de seus braços distribuidores, terão livre acesso a todos os usuários que livremente, sem qualquer tipo de responsabilidade, poderão adquirir entorpecentes e, em consequência, expandir ainda mais o comércio ilícito com dividendos financeiros cada vez mais compensadores aos disseminadores do vício. Sem falar ainda que o traficante pode mascarar-se sob a vestimenta do dependente e transportar expressiva quantidade de substância entorpecente destinada ao comércio.


* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e reitor da Unorp
 

Fonte: Migalhas

Notícias

Pela 1ª vez, uniões consensuais superam casamento civil e religioso

Pela 1ª vez, uniões consensuais superam casamento civil e religioso Censo 2022 revela que 51,3% da população tinha relação conjugal Bruno de Freitas Moura - Repórter da Agência Brasil Publicado em 05/11/2025 - 10:03 Brasília Origem da Imagem/Fonte: Agência Brasil  -  Certidão de...

STJ autoriza penhora de imóvel financiado para quitar dívida de condomínio

STJ autoriza penhora de imóvel financiado para quitar dívida de condomínio Alessandro Junqueira de Souza Peixoto A decisão do STJ muda o jogo: Agora, imóveis financiados também podem ser penhorados para pagar dívidas de condomínio. Entenda o que isso significa para síndicos e...

Neto poderá ter avós maternos reconhecidos como seus pais

Neto poderá ter avós maternos reconhecidos como seus pais Ele moveu ação para reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetiva 29/10/2025 - Atualizado em 29/10/2025 A 4ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) cassou uma sentença da Comarca de Diamantina e...

Georreferenciamento: novo prazo para 2029 gera alívio e controvérsia

Opinião Georreferenciamento: novo prazo para 2029 gera alívio e controvérsia Nassim Kassem Fares 27 de outubro de 2025, 19h35 O projeto e seu substitutivo, que estendeu a prorrogação para todos os imóveis rurais, tiveram como objetivo oferecer “uma solução legislativa viável, segura e proporcional...