Empréstimo a incapaz não pode ser anulado com base em interdição sem registro

Empréstimo a incapaz não pode ser anulado com base em interdição sem registro

Publicado em: 03/04/2017

Embora a lei proteja os interesses das pessoas incapazes para atos da vida civil, esta proteção não garante que elas se beneficiem às custas de terceiros que agem de boa-fé. Assim, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que julgou improcedente ação que pedia, além da anulação do negócio jurídico para quitação de empréstimo, a devolução em dobro do que foi pago e reparação por danos morais.

As decisões de primeiro e segundo graus demonstraram que a instituição financeira não poderia ser punida por autorizar empréstimo sem saber que o autor estava interditado desde 1984. Isso porque o curador ainda não havia feito registro da interdição em cartório — como exige a Lei dos Registros Públicos (6.015/1973), em seu artigo 97. Além disso, o incapaz continuou celebrando negócios jurídicos — o empréstimo contestado foi contratado para pagar dívida anterior.

O juiz Roberto Carvalho Fraga, titular da 13ª Vara Cível de Porto Alegre, apontou que o banco concedeu o empréstimo, acreditando nas informações de que dispunha, pois não podia exigir um documento que sequer existia. Tornou, assim, legal e regular a negócio, já que a boa-fé é presumida, conforme o Código Civil.

O juiz observou que o curador do incapaz ajuizou a ação em setembro de 2013 e, dois meses depois, nova ação para pedir a expedição de ofício à 8ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. Neste novo processo, informou que o curatelado firmou negócios de natureza civil e comercial, sem a representação necessária.

Em despacho, o juiz da 8ª Vara disse que não era preciso ajuizar nova ação, pois se tratava de simples expedição de ofício, declinando competência para a 3ª Vara Cível da Comarca de Viamão — onde tramita o processo de interdição do curatelado.

“Observe-se que mediaram apenas dois meses entre a propositura de uma e de outra demanda, sendo duvidoso o fato de o curador desconhecer, por completo, o procedimento do curatelado, pois na inicial da presente a causa de pedir diz com a não realização de qualquer transação com a parte ré, e não com a nulidade da avença, ante a condição de interdito”, escreveu na sentença.

Enriquecimento ilícito

O relator da Apelação na 9ª Câmara Cível, desembargador Eugênio Facchini Neto, escreveu no acórdão que invalidar o acordo celebrado seria um ‘‘permissivo legal’’ para o enriquecimento ilícito do autor. Além disso, a “incapacidade” do autor não era algo prontamente reconhecível por terceiros.

“Caso fosse realmente incapaz, não poderia ele ter conta pessoal em estabelecimento bancário, movimentando-a abertamente, sem que o seu curador disso tivesse conhecimento. Além disso, não se pode olvidar que à sentença de interdição não foi dada a devida publicização, o que leva à compreensão de sua ineficácia erga omnes [que vale para todos], exata condição a torná-la oponível contra terceiros de boa-fé.”

Conforme o relator, a razão da publicidade da sentença é evidente: como são inválidos os atos e negócios jurídicos praticados por incapazes sem a devida representação ou assistência, a lei impõe a maior publicidade possível ao ato judicial de decretação da incapacidade para proteger os interesses de terceiros. A previsão consta nos artigos 104, inciso I; 166, inciso I; e 171, inciso I, do Código Civil.

Encerrando o voto, Facchini citou precedente da 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. “O instituto da interdição visa a proteger o incapaz, e não a servir de escudo para o locupletamento indevido do interdito ou de seus familiares. Ainda: o direito e [a] Justiça não toleram e devem coibir, onde quer que se apresente, o enriquecimento a dano de terceiro, mesmo que o beneficiário seja incapaz, amental, criança, órfão ou viúva desvalida”.

Clique aqui para ler a sentença.

Clique aqui para ler o acórdão.

Fonte: Conjur
Extraído de Recivil

Notícias

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...

Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil

OPINIÃO Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil Ricardo Campos Maria Gabriela Grings 12 de abril de 2024, 6h03 No Brasil, a matéria encontra-se regulada desde o início do século. A Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, estabeleceu a Infraestrutura de Chaves...

A importância da doação com usufruto vitalício e encargos

A importância da doação com usufruto vitalício e encargos Amadeu Mendonça Doação de imóveis com usufruto e encargos como alimentos promove transição patrimonial e segurança familiar, requerendo documentação precisa e compreensão legal. quarta-feira, 3 de abril de 2024 Atualizado às 14:39 Dentro do...