Interdito proibitório - Reintegração de posse - Servidão de passagem - Ônus da prova

Interdito proibitório - Reintegração de posse - Servidão de passagem - Ônus da prova

INTERDITO PROIBITÓRIO - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SERVIDÃO DE PASSAGEM - ÔNUS DA PROVA

- O interdito proibitório é uma ação de natureza possessória, podendo ser proposta por possuidor que tenha justo receio de ser molestado em sua posse, requerendo ao juiz que o proteja da turbação ou do esbulho iminente por meio de mandado proibitório, sob pena pecuniária, nos termos do art. 932 do CPC.

- O uso de passagem ao longo de vários anos enseja o direito de servidão, dando ao usuário o direito à sua continuidade.

- Se o autor do interdito não comprova os fatos constitutivos do seu direito, não se desincumbe de comprovar o esbulho, não resta caracterizada a violência sobre o imóvel do qual tem a posse.

Apelação Cível nº 1.0051.10.000873-2/002 - Comarca de Bambuí - Apelante: Fabiano Gomes Costa - Apelado: José Tarcísio Andrade - Relatora: Des.ª Evangelina Castilho Duarte

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 26 de junho de 2014. - Evangelina Castilho Duarte - Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª EVANGELINA CASTILHO DUARTE - Tratam os autos de interdito proibitório ajuizado pelo apelante, ao argumento de ser possuidor de uma gleba de terras, onde explora atividade pecuária de leite e culturas anuais, sendo esbulhado pelo apelado, que, arbitrariamente, cortou o arame da cerca e abriu passagem por suas terras, danificando a lavoura de milho.

O apelante alegou que há outras passagens nas proximidades e que elas podem ser utilizadas sem aumento da distância percorrida.

Enfatizou que o imóvel do apelado não está encravado ou desprovido de acesso, não sendo plausível a concessão da servidão de passagem.

Em apenso, tramita a ação de reintegração de posse sobre servidão de trânsito, ao argumento de ter o apelante impedido o acesso do apelado à sua propriedade, por caminho utilizado há muito tempo.

O apelado frisou que o acesso existe há mais de 100 anos e que o apelante fechou a estrada, sem consentimento dos demais produtores da região, com cerca de arames, impedindo o trânsito de todos.

A r. decisão de 1º grau julgou improcedente o pedido de interdito proibitório formulado pelo apelante e procedente o pedido de reintegração de posse apresentado pelo apelado, reintegrando-o na posse sobre o caminho existente na propriedade do primeiro e proibindo a passagem de veículos e a construção de cercas que impeçam o trânsito de pedestres e animais pelo local. Condenou o apelante ao pagamento de custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das causas, suspensa a exigibilidade por estar amparado pela justiça gratuita.

O apelante pretende a reforma da decisão recorrida, pugnando pela reapreciação das provas e frisando que o Julgador monocrático se equivocou ao apreciá-las, haja vista que os outros caminhos pelos quais o apelado pode passar não são mais distantes.

Enfatiza que o apelado é seu inimigo e tenta reabrir um trilho que há anos foi desativado com o plantio de lavouras e pastagens.

Observa que o exercício da servidão deve ser realizado da forma menos incômoda ao prédio serviente, podendo existir apenas quando houver necessidade de trânsito, e não para servir à comodidade do interessado, mormente em propriedade que não se acha encravada.

Ressalta que a intromissão do apelado em área produtiva lhe causa sérios prejuízos.

Requer a reapreciação das provas, enfatizando que são suficientes para demonstrar a ausência dos requisitos para a reintegração do apelado, conforme foi deferido.

O apelado apresentou contrarrazões, f. 167/178, pugnando pela manutenção do decisum.

A r. decisão de 1º grau, f. 149/156, foi publicada em 5 de setembro de 2013, vindo a apelação, em 11 de setembro, desacompanhada de preparo por estar o recorrente amparado pela justiça gratuita.

Estão presentes, portanto, os requisitos para conhecimento do recurso.

Tratam os autos de interdito proibitório visando à cessação da ameaça à posse do apelante pelo apelado sobre o terreno descrito na inicial, considerando a existência de servidão de passagem.

Sobre o instituto do interdito proibitório, Orlando Gomes assim ensina:

"O interdito proibitório é ação possessória, de caráter preventivo, para impedir turbação ou esbulho. O possuidor ameaçado de sofrê-los previne o atentado, obtendo mandado judicial para segurar-se da violência iminente. Para impetrar o interdito proibitório, basta que o possuidor receie ser molestado em sua posse. A pretensão dirige-se contra quem tenta a turbação ou o esbulho. A ação preventiva do possuidor tem cabimento tanto quando há ameaça de turbação como de esbulho" (Direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 94).

O interdito proibitório é uma ação de natureza possessória, podendo ser proposta por possuidor que tenha justo receio de ser molestado em sua posse, requerendo ao juiz que o proteja da turbação ou do esbulho iminente por meio de mandado proibitório, sob pena pecuniária, nos termos do art. 932 do CPC.

Dessa forma, tal instituto visa impedir a concretização de uma ameaça à posse, sendo indispensável que a parte interessada demonstre a posse anterior, bem como a ameaça de turbação ou esbulho e o justo receio de que seja efetivada tal ameaça.

Humberto Teodoro Júnior (Curso de direito processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 148-149) ensina:

"Enquanto os interditos de reintegração e manutenção pressupõem lesão à posse já consumada, o interdito proibitório é de natureza preventiva e tem por objetivo impedir que se consumem danos apenas temidos [...].

No mesmo sentido, a lição do mestre Darcy Bessone (Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 295-296):

"A proteção possessória refere-se, assim, ao jus possessionis, abrangente dos direitos derivados da posse. Não é própria para o resguardo do jus possidendi, isto é, do direito de possuir, que cabe ao proprietário e pode caber ao titular de direito real sobre coisa alheia [...] ou mesmo ao titular de certos direitos pessoais [...]. Assim, a ação reivindicatória, que visa a assegurar a posse ao dono, não integra a proteção possessória. A imissão de posse não é ação do possuidor, fundada no jus possessionis, mas, sim, ação do proprietário, fundada no domínio, e, por consequência, no jus possidendi.

De conformidade com a exigência do disposto no art. 932 do CPC, o apelante não se desincumbiu de comprovar tenha o apelado molestado sua posse.

Por outro lado, ao contrário do que alega o apelante, estão configurados os requisitos da ação de reintegração de posse, haja vista que o conjunto probatório demonstra que o apelado sempre exerceu posse sobre o caminho objeto da demanda, que constitui servidão de trânsito.

Ora, as testemunhas arroladas pelo apelante, Jacob Cardoso de Souza, Aefe José Duques da Silva e Antônio José Simões, foram uníssonas ao confirmar a existência do caminho de passagem de pessoas e animais pelo terreno daquele.

Esclareceram, ainda, que a servidão de trânsito existe há muito tempo e nunca foi clandestina.

"Que da casa de Fabiano até o matadouro só trafegam pedestres, ciclistas e pessoas montadas a cavalo; que o requerido trafega pela estrada referida e, ao chegar à casa de Fabiano, entra para dentro do terreno deste e sai no local conhecido como capoeira; que o requerido passa dentro do terreno do autor há muito tempo; que o caminho que o requerido faz dentro da propriedade de Fabiano é para pedestres, mas o requerido passa montado em seu cavalo pelo referido caminho; que há muito tempo passavam muitas pessoas pelo caminho em que José Tarcísio faz seu trajeto, mas ultimamente muito poucas pessoas/pedestres passam pelo local; que Fabiano fechou o local em que José Tarcísio trafegava com cerca de arame; que em razão de ter sido fechada com cerca de arame, José Tarcísio passou pelo local e cortou o arame para possibilitar a sua passagem; [...]" (f. 28/29 - depoimento da testemunha Jacob Cardoso Souza).

"Que conhece a estrada em questão, há cerca de 10 anos, sabendo ser um trilho; que o trilho já era fechado com cerca de arame e não havia porteira, havia um colchete; que pelo trilho passava apenas pedestre, não passavam pessoas montadas a cavalo; que o requerido passa pelo local há muitos anos, acerca de 2 a 3 anos; que o requerido entrava no trilho, deixando a estrada mestre; que com o plantio da lavoura por parte do autor, este fechou a passagem com cerca de arame, mas o requerido cortou o arame; [...]" (f. 30/31 - depoimento da testemunha Aefe José Duquess da Silva).

"Que o depoente sabe o local onde está havendo a demanda e para o depoente é um trilho, por onde o depoente sempre via passando pedestre; que trabalhou para Fabiano durante 4 meses e presenciou o requerido passar pelo referido trilho por uma vez; que, quando o requerido passou pelo referido trilho, não havia lavoura, sendo que o mesmo passou a cavalo; que, para ter acesso ao trilho, havia um colchete, que ficava próximo à casa do autor; que o autor, ao plantar a lavoura, fechou o colchete; [...]" (f. 32/33 - depoimento da testemunha Antônio José Simões).

Observa-se que a suposta existência de outros caminhos pela atual estrada pública não configura argumento suficiente para afastar a prova da existência da servidão de passagem pelo terreno do apelante e nem para descaracterizá-la.

Verifica-se que, comparecendo ao local dos fatos, o MM. Juiz a quo constatou não haver sinais de caminho ou estrada, mas há existência de trilha de gado, sendo possível a passagem de cavaleiros; observou-se que não há sinais de lavouras recentes pelo trilho periciado, f. 114/115.

Conclui-se que, restando demonstrada a existência da passagem, por onde o apelado transita há vários anos, não resta configurado uso abusivo da servidão de passagem.

Entretanto, o uso da passagem pelo apelado ao longo de vários anos, antes mesmo de o apelante ser legítimo possuidor da propriedade, enseja a utilização de servidão de passagem, dando-lhe direito à continuidade da servidão.

Aplicáveis os termos da Súmula 415 do STF:

"Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória".

Verifica-se, pois, que o apelante não se desincumbiu do onus probandi, que lhe competia quanto aos fatos constitutivos do seu direito, tampouco quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou desconstitutivos do direito de reintegração de posse do apelado.

Não há como acolher a pretensão do apelante.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso apresentado por Fabiano Gomes Costa, mantendo íntegra a r. decisão recorrida.

Custas recursais, pelo apelante, suspensa a exigibilidade por estar amparado pela justiça gratuita.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Rogério Medeiros e Estevão Lucchesi.

Súmula - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.


Data: 14/08/2014 - 12:00:09   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - 13/08/2014

Extraído de Sinoreg/MG

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