Inventário de bens digitais: Como proceder?

Inventário de bens digitais: Como proceder?

Bruno Maglione e Marjorie Braga Helvadjian

STJ define que inventários digitais devem identificar e partilhar ativos patrimoniais, preservando a intimidade do falecido.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Atualizado em 15 de outubro de 2025 11:25

Nos inventários contemporâneos, o acervo sucessório do falecido, muitas vezes, não se limita a bens físicos. Perfis e contas que geram receita nas redes sociais, domínios e lojas virtuais, carteiras digitais e criptoativos integram, cada vez mais, o patrimônio a ser apurado. Surge então a questão: na ausência de senhas, qual o procedimento adequado para localizar e partilhar esses ativos sem violar a intimidade do falecido e de terceiros?

Em 9/9/2025, a 3ª turma do STJ, no REsp 2.124.424/SP, de relatoria da min. Nancy Andrighi, fixou a seguinte diretriz : instaurar, no próprio inventário, incidente processual destinado à identificação, classificação e avaliação de bens digitais, sob condução do juízo e com apoio técnico especializado. O foco recai sobre itens patrimoniais e transmissíveis, na medida em que conteúdos estritamente pessoais devem permanecer protegidos.

De acordo com o entendimento da 3ª turma, ao analisar o caso, a Constituição assegura o direito de herança (art. 5º, XXX, da Constituição Federal), mas a transmissão do patrimônio não pode atropelar direitos da personalidade, especialmente a intimidade do falecido e de terceiros. Por isso, foi proposto um procedimento que equilibre essas duas pontas. Quando desconhecida a senha de acesso do de cujus, em vez de ordenar, por exemplo, que uma plataforma entregue todo o conteúdo de uma conta, o juízo pode abrir um incidente apensado ao inventário e, com apoio técnico, providenciar uma varredura criteriosa para descobrir o que existe, o que tem natureza patrimonial e o que é, de fato, transmissível.

Na prática, o juízo pode nomear profissional com expertise digital para as buscas técnicas em aparelhos e contas do falecido, sempre sob controle judicial. O material localizado poderá ser separado em duas frentes: (i) ativos com valor econômico ou direitos patrimoniais passíveis de transmissão (por exemplo, criptoativos, saldos em carteiras eletrônicas, receitas de plataformas, royalties, licenças, domínios, lojas virtuais, pontos e milhas com valor conforme as regras da plataforma) e (ii) conteúdos pessoais ou de terceiros, que permanecem protegidos. Com contraditório, o juízo define o que entra na partilha e como operacionalizar a transferência aos herdeiros.

É importante ressaltar que há um limite: o precedente não autoriza acesso genérico a dados pessoais ou mensagens privadas. O incidente serve para delimitar o que tem lastro econômico, preservando a intimidade. Além disso, cada serviço/plataforma possui políticas específicas que também deverão ser observadas.

A título preventivo, no que tange aos bens digitais, para famílias e gestores patrimoniais, recomenda-se mapear os bens digitais relevantes (contas, plataformas, domínios, carteiras) e documentar, de forma segura, as credenciais de acesso, registrando também procedimentos de recuperação. Caso não haja registro, eventualmente, o manejo do incidente processual de identificação, com o auxílio do inventariante digital, pode ser uma opção.

Em síntese, a 3ª turma do C. STJ reconheceu a possibilidade de uma solução segura: o inventário, quando judicial, passa a contar com um incidente específico para bens digitais. Com preparo documental mínimo e pedidos processuais bem delineados, é possível conduzir casos que envolvam contas, arquivos, criptoativos ou receitas online com efetividade e segurança jurídica.

Com o avanço da tecnologia e o uso constante da IA - inteligência artificial, a aquisição e a acumulação de bens digitais tendem a se tornar ainda mais corriqueiras, de ativos financeiros a receitas automatizadas em plataformas, passando por direitos autorais gerados ou geridos por sistemas digitais. Diante desse cenário, impõe-se a adaptação: famílias, empresas e o próprio Poder Judiciário precisam incorporar rotinas e ferramentas compatíveis com a nova realidade patrimonial, para que a tutela do direito de herança caminhe em sintonia com as necessidades da sociedade digital.

Bruno Maglione
Sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de contencioso cível, arbitragem e imobiliário. Mestre em Direito dos Negócios pela FGV/SP.

Marjorie Braga Helvadjian
Advogada do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, atua nas áreas de contencioso cível estratégico e consultivo empresarial.

Fonte: Migalhas

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