Lei da Ficha Limpa pode acabar com foro privilegiado

Lei da Ficha Limpa pode aprovar PEC que acaba com foro privilegiado 

20/3/2012 - 11:23 - ( Nacional )
Efeitos indiretos

Lei da Ficha Limpa pode acabar com foro privilegiado

Por Bruno Duailibe 

Além de ser a menor distância entre dois pontos, a linha reta é o sinal mais claro da intervenção do homem sobre a natureza. É com um traçado reto que o homem impõe ao universo – em sua totalidade curvo, torto, imprevisível –, ordem e estabilidade.

Inequivocamente, poder-se-ia dizer que retidão moral é o caráter, ou a ética do ser humano, desprovida de tortuosidades, de desvios de conduta. A retidão moral é, por assim dizer, uma linha reta ligando os princípios da pessoa à sua conduta.

Nesse contexto, o Direito aparece não apenas como meio de regulação das relações sociais e da intervenção do homem sobre a natureza, mas como instrumento de conversão das condutas humanas num paradigma de ordem, que, alinhado à razão, afasta a influência de instintos animais sobre o convívio social. Dessa forma, ainda que tenha versado sobre a aplicabilidade de outros princípios constitucionais, o dia em que o Supremo Tribunal Federal julgou pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), representou um excepcional momento em que o Direito é invocado para ratificar a existência de uma linha reta. Mas, embora deva ser perseguida por todos, deve ser exigida na atuação dos agentes políticos.

É o que, a propósito, pode-se extrair da leitura dos votos dos seus integrantes, e, notadamente, daquele que foi lavrado pelo ministro Joaquim Barbosa, no qual está representado o desejo de uma majoritária porção da nação brasileira.

Ultrapassados os lampejos de alegria que resultaram da declaração de constitucionalidade da citada lei, cabe, agora, entender as consequências, diretas e indiretas, que poderão advir de seu vigor. Nesse sentido, mesmo que à primeira vista não se possa traçar qualquer relação de causa e efeito entre um fato e outro, é possível estabelecer profunda conexão entre a força da Lei da Ficha Limpa e os movimentos atuais e futuros das duas casas do Poder Legislativo Federal para extinguir o foro privilegiado por prerrogativa de função.

Aparentemente, a vontade política que não se observou em torno da Proposta de Emenda Constitucional 130/2007, com idêntico objeto, e que adormece por mais de dois anos no plenário da Câmara dos Deputados para ser reincluída em pauta, agora deverá aflorar. Sem prejuízo disso, conforme já noticiam sites, no dia 07 de março deste ano iniciou-se uma nova coleta de assinaturas para outra Proposta de Emenda Constitucional, esta a tramitar no Senado, com o mesmo intuito: dar cabo ao foro privilegiado.

Como é suficientemente divulgado, o foro por prerrogativa de função permite que autoridades políticas que venham a cometer crimes depois da diplomação sejam julgadas diretamente pelo tribunal que, em situações normais, exerceria a sua atividade jurisdicional como órgão revisor. Por exemplo: no caso dos deputados federais e senadores, a competência para julgar as ações penais contra eles propostas é do STF (Artigo 53, parágrafo 1º da Constituição).

Contudo, o seu conteúdo não se encerra nesse específico aspecto. Muito esquecido é o fato de que o seu principal fundamento é garantir a essas autoridades uma atuação independente perante os demais poderes constitucionais. E aí reside a principal fonte da controvérsia, visto que essa garantia distingue os cidadãos comuns dos agentes privilegiados, o que, segundo sustentado por alguns, contraria o Princípio da Isonomia. A isso, soma-se a constatação do desvirtuamento do instituto, na exata medida em que ele estaria servindo, na realidade, como um incentivo para a impunidade e para a corrupção. E ao que tudo indica, esses serão os discursos a serem proferidos das tribunas do Senado e da Câmara, as quais, provavelmente, darão todo apoio à campanha que se reiniciou na semana passada.

Porém, na atual conjuntura, o discurso empolgado, eloquente e contundente pelo fim do foro privilegiado poderá encobrir – e, certamente, encobrirá – a sua sincera motivação. E tudo isso por causa do julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Como os parlamentares são julgados originariamente pelos órgãos colegiados, na hipótese de ações penais contra eles propostas, serão os parlamentares, dentre outras autoridades públicas, os mais suscetíveis de serem apanhados pelas inelegibilidades que foram admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei da Ficha Limpa (vide o art. 2º, e). Pois o STF também decidiu pela constitucionalidade da dispensabilidade do trânsito em julgado da decisão condenatória, bastando, simplesmente, que ela se dê pelas mãos de um órgão judicial colegiado. Tout court!

Assim, que ninguém se engane, pois, certamente, não será o sentimento de nobreza parlamentar que impulsionará os legisladores federais pátrios a porem fim ao instituto do foro especial por prerrogativa de função. Serão, antes disso, os riscos que ele passou a representar com a edição da Lei da Ficha Limpa, a qual, ainda que indiretamente, acabou por transformá-lo num verdadeiro vilão.

 

Bruno Duailibe é advogado graduado pela Universidade Federal do Maranhão, pós-graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF e sócio do escritório Kleber Moreira Advogados

 

Revista Consultor Jurídico, 20 de março de 2012
Extraído de Ariquemedes online

Notícias

Compreensão do processo

  Relações de trabalho exigem cuidado com contrato Por Rafael Cenamo Juqueira     O mercado de trabalho passou por determinadas alterações conceituais nos últimos anos, as quais exigiram do trabalhador uma grande mudança de pensamento e comportamento, notadamente quanto ao modo de...

Portal da Transparência

CNJ lança Portal da Transparência do Judiciário na internet Quinta, 20 de Janeiro de 2011     Informações sobre receitas e despesas do Poder Judiciário federal estão disponíveis no Portal da Transparência da Justiça (https://www.portaltransparencia.jus.br/despesas/), criado pelo Conselho...

Dentista reclama direito a aposentadoria especial

Quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 Cirurgião dentista que atua no serviço público de MG reclama direito a aposentadoria especial Chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) Reclamação (Rcl 11156) proposta pelo cirurgião dentista Evandro Brasil que solicita o direito de obter sua aposentadoria...

OAB ingressará com Adins no STF contra ex-governadores

OAB irá ao Supremo propor cassação de pensões para os ex-governadores Brasília, 17/01/2011 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirmou hoje (17) que a OAB ingressará com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal contra todos...

Desmuniciamento de arma não conduz à atipicidade da conduta

Extraído de Direito Vivo Porte de arma de fogo é crime de perigo abstrato 14/1/2011 16:46   O desmuniciamento da arma não conduz à atipicidade da conduta, bastando, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar....

Prática de racismo no ambiente de trabalho

Extraído de JusBrasil Apelidos racistas no ambiente de trabalho geram danos morais Extraído de: Direito Vivo - 38 minutos atrás   Na Justiça do Trabalho de Minas ainda é grande a incidência de processos que denunciam a prática de racismo no ambiente de trabalho. Mas a sociedade moderna e as...