O cartório digital é o novo normal

O cartório digital é o novo normal

Giselle Oliveira de Barros

Com quase 6 milhões de atos digitais, os cartórios do Brasil vivem a maior revolução jurídica desde sua criação.

quinta-feira, 26 de junho de 2025
Atualizado às 10:28

Foi quase como em um piscar de olhos. Com mais de 460 anos de história de serviços prestados à população brasileira, os Cartórios de Notas vivenciaram nos últimos cinco anos uma mudança completa de paradigma, que transformou radicalmente a maneira pela qual o cidadão utiliza seus serviços. Hoje, cerca de 50% de todos os atos praticados no país já são realizados de forma digital. O tabelião remoto tornou-se parte da rotina do brasileiro.

Os números falam por si. Levantamento realizado pelo CNB/CF - Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal, entidade que reúne os mais de 8 mil Tabelionatos de Notas brasileiros, mostra que o percentual de atos online, que vem praticamente dobrando ano a ano desde o lançamento da plataforma eletrônica e-Notariado (www.e-notariado.org.br), passou a quase igualar, neste último quinto ano de funcionamento, a quantidade de atos realizados presencialmente.

Regulamentada pelo CNJ, por meio do provimento 100/20 da Corregedoria Nacional de Justiça, a plataforma permite hoje a prática de 100% dos atos notariais de modo eletrônico - do mais simples reconhecimento de firma ao mais complexo inventário - o que fez a participação odo digital disparar. Enquanto no segundo ano de operação os serviços digitais representavam 5,7% do total de atos praticados nos Cartórios, no terceiro ano estes saltaram para 15,7%, no quarto para 26,7%, até chegarem aos atuais 47%, com tendência de superarem os atos presenciais até maio de 2026.

Dos reconhecimentos de firmas aos testamentos, das procurações aos divórcios, das escrituras de compra e venda de imóveis aos inventários, tudo pode ser feito eletronicamente, independentemente de onde o cidadão esteja. Por meio da plataforma, que opera com tecnologia própria em blockchain, um usuário em São Paulo pode assinar digitalmente a compra de um imóvel com a outra parte localizada em Fortaleza. Um casal separado por cidades diferentes pode, cada um de sua residência, firmar remotamente um divórcio consensual, com validade jurídica plena.

Mais que isso, situações reais comprovam o impacto do cartório digital na vida dos brasileiros. Um exemplo é o de dois irmãos residentes em estados distintos que, durante a pandemia, conseguiram lavrar e assinar remotamente uma escritura de partilha de bens, dando fim a um processo de inventário que se arrastava por anos. Outro caso envolveu a autorização eletrônica de viagem internacional para um menor, emitida em minutos, em um sábado à noite, por pais divorciados que residem em cidades diferentes, possibilitando que seu filho embarcasse em um voo internacional.

Essa facilidade de acesso fez com que os números absolutos crescessem de forma exponencial. Entre maio de 2020 e maio de 2021, primeiro ano da plataforma, foram realizados 84.479 atos digitais. No período seguinte, esse número saltou para 387.550, um crescimento de 359%. No terceiro ano, o total subiu para 976.151 (aumento de 152%). O quarto ano registrou 1,7 milhão de atos eletrônicos, chegando, neste último ciclo, a 2,5 milhões de serviços digitais - um crescimento acumulado superior a 2.880%. Ao todo, quase 6 milhões de atos online já foram praticados no Brasil.

A necessidade, sem dúvida, é a mãe da inovação. Em 2020, com a pandemia da Covid-19 instalada, o notariado brasileiro não possuía sequer um serviço eletrônico em funcionamento. A situação se agravou quando os cartórios foram temporariamente fechados em alguns Estados, ainda antes de serem reconhecidos como serviços essenciais. A paralisação afetou diretamente a vida civil e econômica do país. Foi diante desse cenário que o setor encontrou espaço para se reinventar.

Em meio a um ambiente altamente regulado, nasceu no seio do Colégio Notarial do Brasil, com apoio de notários de diversos estados, a proposta da plataforma e-Notariado. Após debates intensos e reuniões técnicas, a ideia foi apresentada à Corregedoria Nacional de Justiça, que a autorizou e normatizou por meio do provimento 100/20. Assim, consolidou-se o que viria a ser a maior transformação digital da história dos serviços notariais no Brasil.

Hoje, a digitalização dos atos notariais é um instrumento de cidadania. Em um país com dimensões continentais e profundas desigualdades, o acesso remoto ao cartório garante que cidadãos em áreas rurais, pessoas com mobilidade reduzida ou brasileiros residentes no exterior tenham igualdade de acesso à fé pública e aos instrumentos jurídicos que garantem segurança à sua vida civil e patrimonial.

Outro impacto relevante foi o fortalecimento da segurança jurídica digital. A centralização dos atos no e-Notariado, com auditoria em tempo real, uso de trilha completa de rastreabilidade, integração com bases públicas e certificação digital própria, elevou o padrão de confiança dos atos praticados. O uso do blockchain notarial - chamada notarchain - confere inviolabilidade aos documentos, impedindo fraudes e reforçando a credibilidade do serviço.

A repercussão internacional confirma a relevância do modelo. Relatórios como o B-Ready Report do Banco Mundial, que avalia o desempenho de países em práticas de registro e segurança jurídica, já apontam os notariados do modelo do tipo latino - com destaque para o Brasil - como referência global em digitalização. Fóruns promovidos pela UINL - União Internacional do Notariado, uma entidade que reúne 92 países com o mesmo modelo notarial que o brasileiro, têm apresentado o e-Notariado como case exemplar de interoperabilidade e capilaridade.

Esse reconhecimento internacional decorre de uma atuação articulada entre os notários, o CNB/CF, o CNJ e o Poder Judiciário, que criaram um ecossistema normativo e tecnológico sólido, compatível com os mais altos padrões internacionais de proteção de dados, validação de identidade e confiabilidade jurídica.

Se o primeiro ciclo do e-Notariado foi de construção e superação de obstáculos, o novo momento será de consolidação e expansão funcional. Lançamento de novas soluções, como Escrow Account e as Smarts Escrituras, emissão automatizada de certidões, uso de inteligência artificial para análise documental e o avanço da assinatura biométrica digital já estão em curso.

O cartório digital já é o novo normal - mas o compromisso do notariado com a inovação e com o cidadão continua. Os próximos anos exigirão ainda mais ousadia tecnológica, empatia social e diálogo institucional. E se os últimos cinco anos servem de termômetro, é seguro dizer: o Brasil está na vanguarda da transformação jurídica digital.

Giselle Oliveira de Barros
Presidente do CNB/CF.

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

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