O cônjuge culpado pela separação possui menos direitos que o não culpado, ocorrendo a morte de um deles?

O cônjuge culpado pela separação possui menos direitos que o não culpado, ocorrendo a morte de um deles?

Publicado por Flávia T. Ortega - 20 horas atrás

O cônjuge culpado pela separao possui menos direitos que o no culpado

Ocorrendo a morte de um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente pela ruptura da vida em comum, cabendo a ele o ônus de comprovar que a convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa.

Assim, em regra, o cônjuge separado há mais de dois anos não é herdeiro, salvo se ele (cônjuge sobrevivente) provar que não teve culpa pela separação.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.513.252-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/11/2015 (Info 573).

Se a pessoa morrer e for casada, o cônjuge terá direito à herança? O cônjuge é herdeiro?

SIM. O cônjuge é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC).

Exceção: O cônjuge não será herdeiro se, quando houve a morte, o casal estava separado há mais de dois anos, nos termos do art. 1.830 do CC:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Resumindo:

 Regra 1: o cônjuge sobrevivente (viúvo/viúva) tem direito sucessório.

 Regra 2: o cônjuge sobrevivente (viúvo/viúva) não terá direito sucessório se, quando seu (ua) esposo (a) morreu, eles estavam separados judicialmente ou divorciados.

 Regra 3: o cônjuge sobrevivente não terá direito sucessório se, quando seu (ua) esposo (a) morreu, eles estavam separados de fato há mais de dois anos.

 Exceção à regra 3: o cônjuge sobrevivente, mesmo estando separado de fato há mais de dois anos no momento da morte, continuará tendo direito sucessório se ele (cônjuge sobrevivente) não teve culpa pela separação de fato.

O art. 1.830 do CC fala em "culpa" e a doutrina brasileira possui ojeriza (aversão) à culpa na relações familiares.

Diante disso, indaga-se: esse dispositivo continua válido e sendo aplicável pela jurisprudência?

SIM. Ocorrendo a morte de um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente pela ruptura da vida em comum.

Assim, o STJ continua aplicando o art. 1.830 do CC, que permanece válido.

Críticas da doutrina

Como já dito, esse dispositivo é amplamente criticado pela doutrina brasileira, principalmente, no que diz respeito à possibilidade de discussão de culpa como requisito para se determinar a exclusão ou não do cônjuge sobrevivente da ordem de vocação hereditária.

Rolf Madaleno, por exemplo, em texto carregado de ironia, fala que o art. 1.830 institui a “culpa mortuária” ou "culpa funerária", ressaltando a dificuldade de produção da prova após o falecimento de um dos cônjuges, que poderá gerar longas e desgastantes discussões processuais (Rolf Madaleno, A concorrência sucessória e o trânsito processual: a culpa mortuária., In: Revista brasileira de direito de família, v. 7, n. 29, p. 144-151, abr./maio 2005).

Paulo Lôbo sustenta que a imputação da culpa do falecido pela separação de fato viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, impedindo que o falecido possa contraditar a acusação de culpa (Direito Civil: Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2014).

Francisco José Cahali e Giselda Hironaka são também críticos da previsão e observam que a imputação de culpa para fins de direito sucessório representa verdadeiro retrocesso, principalmente diante da EC 66/2010, que trouxe a possibilidade da dissolução do casamento diretamente por divórcio sem observação de tempo mínimo de convivência ou discussão de culpa (CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões. 5ª ed. São Paulo: RT, 2014).

Apesar disso, o STJ considerou que não há que se falar em ilegalidade ou impertinência da discussão da culpa no vigente direito sucessório, devendo ser mantida a aplicação do art. 1.830 do CC para os casos em que ele regular.

Qual será o parâmetro utilizado pelo juiz para aferir a culpa de que trata o art. 1.830 do CC?

O magistrado deverá utilizar como critérios os motivos elencados no art. 1.573 do CC, que caracterizam a impossibilidade da comunhão de vida:

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: I - adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - condenação por crime infamante; VI - conduta desonrosa. Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

De quem é o ônus de provar a culpa mencionada no art. 1.830 do CC? O cônjuge sobrevivente é quem deverá provar que não teve culpa? Ou os demais herdeiros interessados (exs: filhos, irmãos etc.) na herança é que deverão provar que o falecido não teve culpa?

O ônus da prova é do cônjuge sobrevivente.

O cônjuge sobrevivente é que deverá provar que não teve culpa pela separação. Ele que terá que comprovar que a convivência se tornou impossível sem culpa sua.

Se o cônjuge sobrevivente não conseguir provar isso, ele não terá direito à herança.

Isso se justifica porque, conforme se verifica da ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do CC/2002, o cônjuge separado de fato é exceção à ordem de vocação.

Assim, em regra, o cônjuge separado há mais de dois anos não é herdeiro, salvo se ele (cônjuge sobrevivente) provar que não teve culpa pela separação.

Resumindo: Ocorrendo a morte de um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente pela ruptura da vida em comum, cabendo a ele o ônus de comprovar que a convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.513.252-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/11/2015 (Info 573).

Fonte: dizer o direito.

Flávia T. Ortega
Advogada

Origem da Foto/Fonte: Extraíd de JusBrasil

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