O impacto da mediação na propriedade industrial

O impacto da mediação na propriedade industrial

Publicado em 03/08/2016

Uma revolução silenciosa está ocorrendo na área empresarial. Advogados, gestores e a comunidade empresarial em geral perceberam que a mediação não é apenas uma forma alternativa de resolução de conflitos, mas sim a via adequada a ser buscada.

Tal assertiva pode ser comprovada pelo crescente número de conflitos empresariais encaminhados às câmaras privadas de mediação do país; pela explosão dos cursos de capacitação em mediação nesse segmento; pela nova mentalidade dos contratantes — que passaram a estipular as chamadas cláusulas de paz, prevendo a mediação como primeira medida de prevenção e solução dos impasses —; e também pelo próprio sucesso das mediações realizadas judicialmente (os índices de acordo giram em torno de 70%)[1].

A mediação não é uma ferramenta nova, mas só ganhou projeção após a Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo que, em 2015, foi regulada pela Lei 13.140 (conhecida como Marco Legal da Mediação) e positivada pelo novo Código de Processo Civil (artigo 3º, §§ 2º e 3º).
Especificamente na área de propriedade industrial, devemos reconhecer — por mais entusiastas que sejamos — que a mediação não é a panaceia para todos os males [2] e tampouco a ferramenta adequada para os múltiplos conflitos nesse segmento, mas seus benefícios são inegáveis e deixaram, há muito, o plano meramente teórico.

Nesse momento de mudança de paradigmas, o engajamento e o comprometimento do advogado com a causa é fundamental, pois caberá a ele avaliar a possibilidade e a pertinência de encaminhamento do conflito à mediação.

Em sua análise, deve verificar, por exemplo, se existe algum vínculo ou uma relação continuada entre as partes (talvez um contrato de licença de uso de marca, patente, desenho industrial e etc.), o que, a princípio, denotaria a possibilidade e a necessidade de restabelecimento da comunicação entre os envolvidos (artigo 165, § 3º do CPC).

Também é importante examinar o histórico dos acontecimentos, pois a discussão pode envolver, por exemplo, um pirata recalcitrante ou mesmo um concorrente de má-fé. Nesses casos, via de regra, a mediação dificilmente surtirá o efeito esperado, ainda mais em sede extrajudicial.

O causídico ainda deve apurar a necessidade de concessão de eventual tutela provisória para preservar o direito de propriedade industrial em jogo, hipótese em que a opção inicial pela mediação extrajudicial não se afigura recomendável.

Por outro lado, existem muitas situações que se conectam perfeitamente à mediação, tais como: parceiros comerciais (licenciante e licenciado) em desalinho sobre determinados pontos do contrato (cláusula de exclusividade territorial, valor dos royalties e etc.); conflitos de marcas nos quais as empresas não são concorrentes, embora a ampla descrição de produtos e serviços sugira a relação indireta ou mesmo breve sobreposição de atividades; ações de infração de patente em que o autor (inventor) busca apenas a indenização pelo uso da invenção, e não uma tutela inibitória para cessar a violação; casos de violação de trade dress em que a preocupação de uma das partes é somente evitar a diluição de elementos pontuais, sem maiores repercussões financeiras. Poderíamos citar muitos exemplos, mas as dimensões reduzidas deste artigo não permitem.

Pois bem, feita essa triagem inicial — e entendendo se tratar de um caso de mediação —, o advogado tem a obrigação de informar seu cliente a respeito das vantagens dessa ferramenta não adversarial. Tanto é assim que o novo Código de Ética da OAB estabelece que é dever do advogado estimular, a qualquer tempo, “a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de processos judiciais” (art. 2º, VI).

Nesse particular, vale destacar a confidencialidade desse método autocompositivo, aspecto crucial para preservar e resguardar o sigilo dos bens imateriais em disputa. Alias, não são raros os conflitos envolvendo segredos de negócio e know-how das empresas, além de informações sigilosas e dados estratégicos, que, se revelados em um processo judicial, podem afetar a operação e o próprio valor de mercado da pessoa jurídica ou, ainda, causar prejuízos ao titular do direito. Por mais que o interessado possa formular um pedido de segredo de justiça, muitas vezes o juiz indefere tal requerimento sem maiores aprofundamentos. Vale lembrar que, no processo judicial, a regra é a publicidade, sendo o sigilo a exceção (artigo 189 do novo CPC).

Outra peculiaridade da área da propriedade industrial é a complexidade dos conflitos.

Com alguma frequência, notamos que o Judiciário não está tão familiarizado com expressões oriundas do direito comparado e da doutrina especializada, como, por exemplo, secondary meaning, trade dress, patentes pipeline, aproveitamento parasitário, entre outras, o que muitas vezes torna nebuloso o horizonte do processo, principalmente em foros em que não existem varas especializadas.

Além disso, questões técnicas exigem conhecimento especializado e muitas vezes se desdobram, afetando outras ciências (física, química, biologia, engenharia e etc.), o que obriga os Juízes a se socorrem de peritos. E, como se sabe, perícias são dispendiosas e retardam sobremaneira a entrega da prestação jurisdicional.

Aliás, a morosidade do Judiciário é, sem dúvida, o grande desestimulador da solução adjudicada. O enorme backlog do Judiciário faz com que os processos judiciais, sobretudo aqueles complexos, demorem anos para serem julgados, trazendo a reboque uma penosa fase executória. Uma verdadeira tortura homeopática para os litigantes.

Na mediação, por sua vez, o conflito pode ser resolvido em poucas semanas, com custos muito menores, desonerando as partes e contribuindo para o desfecho do impasse em tempo razoável (artigo 4º do novo CPC). Ademais, os mediandos, auxiliados por seus advogados e sob os auspícios do mediador, não irão discutir o mérito da controvérsia, mas sim construir, conjuntamente, a melhor solução para o caso concreto. A famosa solução ganha-ganha, com segurança e previsibilidade.

Ainda que no curso da mediação extrajudicial os envolvidos considerem que eventual questão técnica seja prejudicial à busca do consenso, nada impede que elejam, de comum acordo (nos moldes do artigo 190 do novo CPC), um especialista de confiança, inclusive ajustando seus honorários e o tempo de conclusão do trabalho. Com efeito, não há qualquer óbice à celebração de negócios jurídicos processuais na mediação extrajudicial.[3]

Registre-se apenas que, por mais que o mediador seja um especialista na matéria, não poderá intervir na discussão, sob pena de comprometer a sua imparcialidade e isonomia.

Mais um ponto que merece reflexão — e que conta a favor da mediação — é a possibilidade de contingenciamento dos riscos. Em uma de infração de marcas ou patentes, por exemplo, o valor das indenizações não tem um padrão definido, em razão das diferentes formas de cálculo dos lucros cessantes. Como se sabe, a opção de escolha cabe exclusivamente ao prejudicado (artigo 210 da LPI), que, invariavelmente, só indica o critério na fase de liquidação de sentença.

Em razão disso, é impossível contingenciar, com alguma segurança, os riscos envolvidos no inicio da demanda, o que, todavia, não acontece na mediação, já que todos os valores são negociados e definidos de comum acordo, com ampla liberdade e flexibilidade.

Em suma, é preciso quebrar definitivamente os paradigmas. Propor mediação não é sinal de fraqueza. É saber avaliar, com responsabilidade, o melhor cenário para seu cliente, especialmente na área da propriedade industrial, terreno fértil para o desenvolvimento e a consolidação dessa poderosa ferramenta não adversarial.

Por fim, uma última palavra: mesmo que o assunto já tenha sido judicializado e a discussão envolva um pseudo interesse público (interesse dos consumidores x acordo permitindo a coexistência de marcas), não vemos qualquer óbice à mediação, pois, como se sabe, nem todo interesse público é indisponível. Além disso, a própria Lei de Mediação autoriza a composição envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, com a oitiva do Ministério Público (artigo 3º, § 2º).

1 MAIA, Andrea. Justiça sem burocracia. Precisamos ser tão dependentes da engrenagem estatal para resolver nossas controvérsias? Disponível emhttps://oglobo.globo.com/opiniao/justica-sem-burocracia-1-19778455. Acesso em 26.07.16.
2 PINHO, Humberto Dalla Bernardino de.; DURÇO, Karol Araújo. A Mediação e a solução dos conflitos no Estado Democrático de Direito. O Juiz “Hércules” e a nova dimensão da função jurisdicional. Revista Quaestio Iuris, vol.04, nº01. ISSN 1516-0351 p.245-277.
3 MAZZOLA, Marcelo. Qual a relação entre mediação extrajudicial, precedentes e negócios jurídicos processuais? Disponível emhttps://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI239654,31047-Qual+a+relacao+entre+mediacao+extrajudicial+precedentes+e+negocios. Acesso em 22/07/16.

Fonte: ConJur
Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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