Reprodução Assistida: Questões éticas ou legais?

Reprodução Assistida: Questões éticas ou legais?

Mário Luiz Delgado*


O Conselho Federal de Medicina acaba de editar a Resolução 1.957/2010 (publicada no D.O.U. de 06 de janeiro de 2010 – clique aqui), estabelecendo novos parâmetros éticos para a utilização das técnicas de reprodução assistida.

A nova resolução trouxe poucas inovações. Manteve a proibição da sexagem, ou seja, a aplicação da técnica de RA para selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, proibiu a fecundação de óvulos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana e continuou a exigir o chamado "consentimento informado" dos pacientes (doadores e receptores), abrangendo os aspectos biológico, jurídico, ético e econômico do procedimento.

Entre as modificações, destaca-se o estabelecimento de novos limites para implante de embriões em pacientes que se submetem à técnica. O teto anterior de quatro embriões está mantido apenas para mulheres de 40 anos ou mais. Em mulheres com até 35 anos, o número máximo de embriões a serem transferidos não pode ser superior a dois e em mulheres entre 36 e 39 anos, até três embriões.

Porém a novidade mais comemorada refere-se aos que podem se submeter às técnicas de RA. Enquanto a Resolução anterior (nº 1.358/92 – clique aqui) estabelecia que apenas a mulher capaz poderia ser receptora das técnicas de RA, exigindo, ainda, a aprovação do cônjuge ou do companheiro, quando casada ou em união estável, a nova regulamentação do CFM diz que todas as pessoas capazes podem ser receptoras das técnicas de RA, o que permitiria, pelo menos sob o aspecto ético, desde que afastado risco grave à saúde do receptor ou do possível descendente, a tão polêmica gravidez masculina. Se a medicina avançar a ponto de admitir tal possibilidade, para o CFM não haverá qualquer óbice ético (!)

Outra alteração refere-se ao destino dos embriões excendentários. A Resolução anterior determinava que o excedente seria criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. A nova regulamentação, ao contrário, permite o descarte de embriões, estabelecendo que do número total de embriões produzidos em laboratório, somente os excedentes viáveis seriam criopreservados. Objeta-se, todavia, se poderia o CFM haver admitido expressamente o descarte de embriões, em possível afronta ao art. 5º da Carta Magna. Ou o direito à vida não tutelaria também o embrião? Não são poucos os juristas que entendem que se a proteção constitucional do direito à vida refere-se ao ser humano, também o embrião estaria incluído na sua proteção jurídica, porquanto é ser e é humano.

Finalmente, o CFM tratou da reprodução assistida post mortem, permitida desde que haja autorização prévia específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado.

São questões, como se vê, extremamente polêmicas, para as quais nem o Direito nem a ciência possuem as respostas adequadas. Não podem, por isso, ter a seu regramento circunscrito a mera resolução do CFM, já que extrapolam a seara exclusivamente ética, exigindo a intervenção do legislador. É surpreendente que um Estado que possui uma das maiores produções legislativas do mundo ainda não tenha regulamentado uma matéria de tamanha relevância para a sociedade.

________________

*Sócio do escritório Martorelli e Gouveia Advogados, vice-presidente da Comissão de Direito Civil da OAB/SP e professor de Direito Civil


Fonte: Migalhas
 

 

Notícias

STJ julga caso inédito de adoção unilateral com manutenção de poder familiar

Família STJ julga caso inédito de adoção unilateral com manutenção de poder familiar 4ª turma fixou solução inovadora proposta pelo ministro Buzzi. Da Redação sexta-feira, 6 de dezembro de 2019 Atualizado em 7 de dezembro de 2019 16:30 A 4ª turma do STJ concluiu na quinta-feira, 5, julgamento que...

Inclusão do cônjuge do devedor na execução: até onde vai a conta do casamento?

Opinião Inclusão do cônjuge do devedor na execução: até onde vai a conta do casamento? Lina Irano Friestino 19 de dezembro de 2025, 9h25 A decisão do STJ no REsp 2.195.589/GO reforça algo que, no fundo, já estava escrito na lógica do regime de bens: casar sob comunhão parcial significa dividir não...

Contrato e pacto antenupcial pela perspectiva de gênero

Contrato e pacto antenupcial pela perspectiva de gênero Autor: Rodrigo da Cunha Pereira | Data de publicação: 16/12/2025 O Direito das Famílias e Sucessões está cada vez mais contratualizado. Isto é resultado da evolução e valorização da autonomia privada, que por sua vez, vem em consequência do...

Autocuratela o novo instrumento que redefine autonomia no futuro

Autocuratela o novo instrumento que redefine autonomia no futuro Marcia Pons e Luiz Gustavo Tosta Autocuratela, agora regulamentada pelo CNJ, permite que qualquer pessoa escolha seu curador antecipadamente, reforçando autonomia e prevenindo conflitos familiares. terça-feira, 9 de dezembro de...