"Madrasta" para os produtores brasileiros de arroz e trigo

 

03/06/2011 - 20h00

Produtores de arroz e trigo se dizem prejudicados por regras comerciais do Mercosul 

O Mercosul tem sido uma "madrasta" para os produtores brasileiros de arroz e trigo da região Sul. Em audiência pública nesta sexta-feira (3), na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), eles reclamaram que as atuais regras de livre comércio do bloco prejudicam a economia e a competitividade da indústria brasileira, para a qual sai mais barato adquirir o arroz cultivado na Argentina, em razão dos custos de produção.

Os produtores nacionais também se queixaram de não ter acesso aos insumos produzidos nos países parceiros e utilizados em larga escala nas lavouras, como óleo diesel e fertilizantes, o que seria fundamental para ampliar a disputa de mercado, tendo em vista que o Brasil é hoje o maior produtor mundial de arroz fora da Ásia, enquanto o Rio Grande do Sul já é o primeiro do mundo em produtividade por hectare com arroz irrigado.

Embora ressaltem que a indústria tem o direito de comprar seus insumos onde quiser, os produtores lamentam que a mesma regra não seja seguida no que se refere à comercialização dos grãos no Mercosul. Eles explicaram ainda que tudo que é produzido pela indústria do sul do Brasil pode ser adquirido por um preço mais em conta no outro lado da fronteira.

Se uma colheitadeira produzida em Horizontina (RS) é vendida no Brasil por R$ 311 mil, o mesmo equipamento, exportado para a Argentina, custa o equivalente a R$ 243 mil naquele país. Já um trator que aqui custa em média R$ 79 mil é vendido lá por R$ 55 mil, o que acaba tornando mais vantajosa a aquisição desses produtos nos países vizinhos.

Ajuste de simetria

Os representantes dos produtores de arroz e trigo defenderam um "ajuste de simetria" nas regras comerciais do Mercosul. Para o presidente nacional da Câmara Setorial do Arroz, Francisco Schardong, o arroz, o trigo, o leite e o vinho produzidos no sul do Brasil acabam servindo como uma "moeda de troca" na manutenção do livre comércio de exportação do bloco comercial, cujo processo de integração foi iniciado em 1991.

- Essa parceria não está tendo nem ônus nem bônus, só favorece a indústria do Mercosul. O livre comércio não vale para os produtores rurais. Se a indústria pode comprar arroz de quem desejar, queremos ter condições de comprar insumos deles - afirmou.

Schardong disse que o custo de produção no Uruguai é 30% menor que no Brasil e que para aumentar a competitividade é preciso tirar 32% de "peso morto" das costas dos produtores. Ele contou que muitas indústrias compram o produto no Mercosul e que, para escapar das taxas cobradas no Brasil, os navios com a carga seguem direto para os portos do Norte e do Nordeste, onde a cobrança de imposto é zero. A partir dali, o produto é distribuído às grandes redes de supermercados das duas regiões, onde, por problemas de logística, a produção nacional dificilmente chega à população.

- Se olharmos hoje, o arroz do Mercosul trabalha como indexador do preço. Hoje, negociamos o arroz a R$ 19 a saca, quando se busca preço mínimo de R$ 25,80 e o custo da produção é de R$ 29. Isso é uma questão difícil de resolver - afirma. 

Problemas de logística 

O gerente técnico e econômico do Sistema Cooperativista do Paraná, Flávio Enir Turra, explicou que o Brasil importa muito trigo - uma média anual de 6 milhões de toneladas - e não atende a demanda nacional devido a problemas de logística e distribuição, elevados custos de produção e riscos climáticos.

Ele também ressaltou que as maquinas utilizadas na lavoura são vendidas no Brasil com impostos e exportadas sem esse custo adicional. Quem mais vende ao Brasil é a Argentina (3,6 milhões de toneladas). A demanda é maior nos estados de São Paulo, Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná e Bahia.

Turra defendeu a criação de um instrumento de política agrícola que garanta renda ao produtor de trigo, cultura que se destaca por ocupar força de trabalho o ano todo, contribuindo para a segurança alimentar do país, para a melhoria das condições de renda das famílias e para o meio ambiente, uma vez que o sistema de plantio direto, a exemplo que ocorre no Paraná, reduz a erosão e melhora a qualidade do solo.

Turra disse ainda que é preciso melhorar o transporte de cabotagem, para que o Brasil possa ampliar a competição com a Argentina e o Paraguai. Ele defende ainda a imediata suspensão da autorização de importação automática de trigo da Argentina no período de comercialização da safra nacional, que vai de agosto a janeiro. E ainda um aumento de 10% para 35% da tarifa externa comum do Mercosul, além de uma tarifa compensatória, que anule vantagem concedida na origem, com autorização de uma cota de 200 mil toneladas de farinha de trigo por ano, contra a cota atual de 600 mil toneladas.

Turra relatou que o produtor também defende a implantação de mecanismos mais consistentes de seguro, com contrato opcional que garanta preço futuro da mercadoria. Para ele, é preciso, ainda, melhorar as variedades resistentes a perdas e prejuízos na época da colheita, com relação às chuvas e às geadas. 

Correção de distorções 

Em sua exposição, o diretor do Departamento de Comercialização e Abastecimento Agrícola e Pecuário do Ministério da Agricultura, José Maria dos Anjos, reconheceu os problemas apontados pelos representantes dos produtores e disse que o governo vem procurando corrigir as distorções.

- Os preços mudaram de patamar, o mundo demanda alimentos e só tem um jeito de resolver: aumentar a oferta - disse.

José Maria dos Anjos também explicou que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) está agilizando o credenciamento de armazéns para a guarda dos grãos mantidos no estoque do governo. Ele disse que a demora se deve a exigências normativas, como a apresentação de documentos pelos donos dos armazéns interessados.

Em relação a alteração das regras de livre comércio do Mercosul, ele disse que esse é um assunto da esfera do governo federal, e não do Ministério da Agricultura.

O painel de debates contou com a participação de internautas de diversos estados, que encaminharam perguntas aos participantes do encontro, que também contou com a presença de Márcio Langer, assessor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul.

Paulo Sérgio Vasco / Agência Senado
 

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