A renúncia à herança e seus efeitos no processo sucessório
A renúncia à herança e seus efeitos no processo sucessório
Pedro Henrique Paffili Izá
O STJ reafirma que renúncia ou aceitação de herança é irrevogável, protegendo segurança jurídica e limites da sobrepartilha.
quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Atualizado às 07:38
No recente julgamento do REsp 1.855.689/DF, sob a relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a 3ª turma do STJ, ofereceu relevantes reflexões a respeito da natureza jurídica da aceitação e da renúncia da herança, bem como de seus efeitos no plano patrimonial e processual.
O julgamento analisou a extensão da renúncia no contexto sucessório, as consequências da sonegação de bens e a aplicação dos limites subjetivos da coisa julgada, permitindo uma compreensão mais precisa sobre a definitividade dos atos de vontade manifestados pelos herdeiros.
O propósito do recurso apreciado foi delimitar os efeitos da renúncia e da aceitação no âmbito sucessório, discutindo se tais manifestações poderiam ser revistas em face de posterior sobrepartilha ou da revelação de bens sonegados. A questão central, portanto, residia na possibilidade de rediscussão de atos já consumados à luz de novos fatos processuais, especialmente quando surgem bens não contemplados na partilha originária.
Sob o aspecto material, tanto a aceitação quanto a renúncia à herança constituem atos unilaterais, de natureza personalíssima e irretratável. A aceitação pode ser expressa ou tácita, consolidando a condição de herdeiro e fazendo com que este ingresse no acervo hereditário, assumindo direitos e obrigações, na forma do art. 1.805, do CC.
A renúncia, por sua vez, deve ser praticada por instrumento público ou termo judicial (art. 1.806, do CC) e tem caráter irrevogável, extinguindo para todos os fins a relação do herdeiro com a herança. Seus efeitos retroagem à data da abertura da sucessão (art. 1.804, do CC), operando a imediata transmissão da quota-parte renunciada aos demais sucessores da mesma classe, como se o renunciante jamais tivesse herdado.
A irrevogabilidade da renúncia é princípio estruturante do direito sucessório. Conforme previsto no art. 1.812, do CC, o renunciante não poderá ser restituído à sucessão, salvo se todos os herdeiros a quem acresceu a parte consentirem.
O STJ reafirmou esse entendimento, enfatizando que não há espaço para reconsideração do ato, mesmo diante de novos bens descobertos. A consequência prática é evidente: o renunciante não pode pleitear participação em sobrepartilha, nem tampouco discutir direitos sobre bens outrora sonegados.
No tocante à sonegação de bens, o CC estabelece sanções específicas ao herdeiro sonegador, que perde o direito sobre eles (arts. 1.992 a 1.995, do CC), contudo, tais penalidades não alcançam o herdeiro renunciante, pois ele já não ostenta legitimidade para discutir o destino do patrimônio ocultado.
Quanto à sobrepartilha, esta visa repartir bens não incluídos inicialmente na partilha, mas somente aproveita aos herdeiros remanescentes, excluindo o renunciante à sucessão.
O acórdão também reforça a importância da coisa julgada e de seus limites subjetivos. Como restou decidido, nos termos dos arts. 502 e seguintes, do CPC, a sentença faz coisa julgada apenas entre as partes, não podendo prejudicar ou beneficiar terceiros.
Nesse sentido, a decisão homologatória da partilha, assim como a que reconhece a validade da renúncia, vinculam apenas aqueles que participaram do processo sucessório, não se admitindo que a coisa julgada seja utilizada como meio de reintegração do herdeiro renunciante, já que este, por ato de vontade, excluiu-se definitivamente da sucessão.
Na hipótese concreta, a controvérsia envolvia herdeiro que, após formalizar renúncia válida, buscava reverter sua condição em virtude da descoberta de novos bens, tendo a Corte Superior afastado tal possibilidade, reafirmando que a renúncia é ato jurídico perfeito e acabado, nos termos do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, não sujeita às modificações posteriores, de modo que eventual descoberta de patrimônio autoriza apenas a sobrepartilha entre os demais herdeiros, mas jamais o retorno do renunciante.
Em conclusão, o acórdão representa importante reafirmação dos princípios do direito sucessório brasileiro da: (i) irrevogabilidade da renúncia; (ii) definitividade da aceitação; (iii) sanções para bens sonegados; e (iv) disciplina da sobrepartilha. A Corte Superior, portanto, preserva a segurança jurídica e a estabilidade das relações patrimoniais familiares, consolidando entendimento de que a manifestação de vontade do herdeiro, uma vez formalizada, não pode ser desconstituída por interesse superveniente.
Pedro Henrique Paffili Izá
Advogado no escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados.
Fonte: Migalhas
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