A união estável e a capacidade civil

A união estável e a capacidade civil

Publicação em 11.10.16

Por José Carlos Teixeira Giorgis, advogado e desembargador aposentado do TJRS.
jgiorgis@terra.comr.br

Há 15 anos tive oportunidade de proferir decisão em processo que, sob a ótica de legislação recente, pode ser considerada como inovadora ou pioneira, por sua originalidade.

Uma viúva se aproximara de cidadão que necessitava de cuidados, segundo o juiz, por interesse e não por afeto, pois ela vivia de discreta pensão. A convivência durou dez anos, sob o mesmo teto e notoriedade, só findando com a morte do varão.

A desconfiança judicial se ancorou em que o parceiro tinha alguns bens que eram administrados por parentes, sendo portador de debilidade mental bastante acentuada, estando desprovido de capacidade para gerir seus negócios, autodeterminar-se ou entender a real natureza e efeitos de suas atitudes. Ou seja, era um homem idoso, doente, igual a uma criança; tinha, segundo testemunhas, alguma falha, “não era bem normal”, “meio bobo”, não escrevia, não conhecia dinheiro, nem condições de viver só.

Para familiares possuía uma “mente fraca”, e não podia constituir descendência, tanto pela idade como por sua fraqueza.

O veredito fora de improcedência, na origem.

Assim não entendeu o Tribunal que declarou a existência de união estável, eis que os requisitos estavam bem cumpridos (duração, publicidade, coabitação), atribuindo à autora do recurso também a condição de única herdeira do acervo.

Quando as pessoas resolvem unir-se necessariamente não trazem o propósito de formar uma união estável, o que vem com o tempo, podendo-se afirmar que a vontade inicial das partes não é aferida, até desprezada pelo legislador, surgindo os desdobramentos protegidos pelo código depois que o convívio se distende.

A mera existência de alguns efeitos derivados da união, contudo, não a eleva à categoria de ato jurídico, onde as partes manifestam, conscientemente, a intenção de produzir imediatamente determinados direitos e obrigações; e, mais ainda, de se vincularem aos termos de sua vontade, manifestada tácita ou expressamente, segundo Tabosa Pessoa.

Ou seja, a união estável é um fato jurídico e não um ato ou negócio jurídico, para o que se exija, segundo o direito material, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (CC/1916, art. 82).

Diversamente do casamento, que exige prévia formalização (contrato), a relação estável se vai instituindo com o tempo daí nascendo, como dito, os efeitos que a lei estabelece, sendo suficiente para o reconhecimento e o preenchimento dos pressupostos que, como acima dito, derivam de sua sequência temporal. E se a companheira já tinha direito aos aquestos (Lei nº 9.278/96, vigente para o caso), a inexistência de ascendentes e descendentes a tornou herdeira necessária para a totalidade do patrimônio existente.

Acrescente-se que não houvera pedido de interdição, nem prova da incapacidade civil absoluta do falecido, tanto que um mês antes do óbito ele outorgara procuração por instrumento público a seus familiares para administrar seu acervo.

O inusitado do caso para àquela época, hoje não causaria qualquer admiração ou surpresa ante o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Dita legislação afirma peremptoriamente que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para casar-se e constituir união estável – é a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, artigo 6º, I. (Proc. n.º 70002174340).

Fonte: www.espacovital.com.br

 

 

Notícias

Advogada esclarece o que ocorre com dados digitais após falecimento

Herança digital Advogada esclarece o que ocorre com dados digitais após falecimento Com a ausência de uma legislação específica, cresce a necessidade de planejamento sucessório para ativos digitais como contas online, criptomoedas e arquivos pessoais. Da Redação terça-feira, 3 de junho de...

Imóvel não deve ser alienado sem que haja intimação do devedor

ÔNUS INVERTIDO Imóvel não deve ser alienado sem que haja intimação do devedor Martina Colafemina 29 de maio de 2025, 7h49 Como, no caso, o credor não anexou provas da intimação, o juiz classificou como verdadeiros os fatos narrados pela autora e anulou a execução extrajudicial. Confira em Consultor...

Justiça nega exclusão de imóvel em divórcio com regime de comunhão de bens

Justiça nega exclusão de imóvel em divórcio com regime de comunhão de bens Autora argumentou que bem foi comprado com recursos próprios 23/05/2025 - Atualizado em 23/05/2025 Origem da Imagem/Fonte: TJMG Justiça entendeu que não há provas no processo de que o bem foi adquirido com recursos...