Apelação Cível - Ação de imissão na posse - Registro imobiliário - Presunção de veracidade

Apelação Cível - Ação de imissão na posse - Registro imobiliário - Presunção de veracidade

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE - REGISTRO IMOBILIÁRIO - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE

- A lei prestigia aquele que é detentor do título de domínio e o invoca para poder exercer o direito à posse e à propriedade, em detrimento daquele que não ostenta título de domínio e posse legítima.

- Defere-se a imissão na posse a quem ostenta título de domínio.

V.v.: - Apelação cível - Ação de imissão na posse - Preliminar suscitada de ofício - Ausência de interesse de agir - Inadequação da via eleita - Posse anterior - Fato incontroverso

- A imissão na posse é direito de quem detenha o domínio da coisa, sem nunca haver exercido a posse.

- Diante da constatação de que o autor da ação de imissão na posse já exerceu posse sobre o imóvel anteriormente, o procedimento de cunho petitório eleito revela-se inadequado, impondo-se sua extinção, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI e § 3º, do CPC.

- O interesse de agir, por figurar dentre as condições da ação e, portanto, ser matéria de ordem pública, pode ser conhecido de ofício e em qualquer grau de jurisdição.

Apelação Cível nº 1.0699.13.002210-5/003 - Comarca de Ubá - Apelante: Ângela Aparecida Lima - Apelado: Édimo Gomes - Relator: Des. José Flávio de Almeida

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso, vencida a Revisora.

Belo Horizonte, 7 de maio de 2015. - José Flávio de Almeida - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA - Ângela Aparecida Lima apela da sentença (f. 140/142) destes autos de ação de imissão na posse ajuizada por Édimo Gomes, que concluiu:

``Diante do exposto e com fulcro no art. 269, I, do CPC, julgo procedentes os pedidos formulados [...], para imitir o autor na posse definitiva da área esbulhada pela ré. Condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor atribuído à causa. Todavia, suspendo a exigibilidade, haja vista que litiga sob o pálio da assistência judiciária gratuita (f. 142).

A apelante (f. 153/159) entende que "razão não assiste ao apelado, pois denota-se claramente que este vendeu o imóvel ao pai da apelante, conforme recibo de compra e venda anexo aos autos" (f. 155). Assinala que "a douta Magistrada, na pior das hipóteses, deveria ter proferido sua sentença, por mais que concordasse com a tese autoral, e supondo que o negócio não foi concretizado da forma específica para o caso, determinando o ressarcimento dos valores pagos na compra do terreno e das benfeitorias realizadas no imóvel pelo pai e pela apelante, pois o recibo está claro nos autos, e o apelado não o desconstituiu" (f. 158). Pede o provimento do recurso "para reforma total da sentença recorrida, acolhendo o pedido da apelante, cancelando-se a imissão na posse ali determinada, devolvendo-se o imóvel à apelante, ou, ainda, caso não seja este o entendimento desta Corte, que, no mínimo, ocorra a reforma parcial no sentido de que a apelante deve ser ressarcida dos valores pagos pelo imóvel, pagamento este efetuado pelo seu genitor, e das benfeitorias realizadas, com as devidas atualizações e a condenação do apelado em custas processuais e honorários de sucumbência" (f. 159).

Recurso com dispensa de preparo, pois a apelante é beneficiária da justiça gratuita (f. 98).

Resposta pelo não provimento do recurso e pela condenação da apelante por litigância de má-fé.

Conheço do recurso, porque estão presentes os pressupostos de admissibilidade.

O art. 1.228 do Código Civil prevê que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

``A ação de imissão na posse é de natureza petitória e tem como fundamento, geralmente, a propriedade imóvel, mas não exclusivamente. Não só o proprietário pode lançar mão dessa ação para o ingresso originário na posse, mas outros que, tendo título inapto à transmissão imediata da propriedade, já têm direito à posse em razão desse título. Doutrina e precedentes (STJ, REsp 1273955/RN, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 24.04.2014, DJe de 15.08.2014).

No julgamento do agravo de instrumento nº 1.0699.13.002210-5/001, este Tribunal de Justiça deferiu a antecipação de tutela para que o apelado fosse imitido na posse do imóvel descrito na petição inicial, sob o fundamento de ser ele, de fato, legítimo proprietário do imóvel litigioso, consoante certidão cartorária (f. 11/12). A certidão do registro imobiliário é prova da propriedade do imóvel, pois revestida de fé pública, documento apto para o exercício do direito que dele emana, sem mácula, nos termos da Lei nº 6.015/73:

``Art. 252 - O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.

A lei prestigia aquele que é detentor do título de domínio e o invoca para poder exercer o direito à posse e propriedade, em detrimento daquele que não ostenta título de domínio e posse legítima.

A imissão na posse é direito de quem detenha o domínio da coisa, sem nunca haver exercido a posse. Possui como requisitos a existência de título de propriedade e o fato de nunca haver o proprietário gozado ou fruído da posse.

A propósito, a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

``Ação real de quem tenha título legítimo para imitir-se na posse de bem - decorrência do exercício do direito de sequela do direito real - para quem, sendo proprietário, ainda não obteve a posse da coisa (Código Civil comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 849).

Yussef Said Cahali pontifica:

``A finalidade da imissão é permitir passe a ter posse quem nunca a teve. É permitir a quem adquiriu um bem, e que tem a posse jurídica ou de direito, possa ter, também, a posse de fato, isto é, a posse real e efetiva da coisa adquirida [...] a imissão não é uma possessória, mas visa à obtenção da posse por quem nunca a teve [...] A imissão nada tem com a defesa da posse. Disto se ocupam as possessórias [...] A imissão é ação dominial, uma vez que tem por fundamento o domínio (Posse e propriedade, p. 443).

Quanto aos argumentos lançados sobre a suposta venda da propriedade imóvel ao genitor da apelante, a sentença recorrida bem fundamentou:

``A questão levantada pela requerida em sua contestação, de que seu pai teria adquirido o imóvel em questão, não merece ser acolhida nestes autos, haja vista que, no caso em comento, a aquisição da propriedade imóvel possui forma específica, qual seja pelo registro do título, é a transferência da propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis competente, sendo que, enquanto não se registrar o título, que deve ser público, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (f. 141-v.).

E, como assinado pelo Juízo a quo, a apelante pode valer-se de ação própria para desconstituição de título de domínio, com base no documento de f. 59, cuja firma é incontroversamente do apelado (CPC, art. 334, II), além de outros meios de prova, para fazer jus à sua pretensão, inclusive de se ver "ressarcida dos valores pagos pelo imóvel, pagamento este efetuado pelo seu genitor, e das benfeitorias realizadas, com as devidas atualizações" (f. 159).

Finalmente, o uso dos recursos previstos no ordenamento jurídico bem como da argumentação que a parte entende como suficiente a embasar sua pretensão não configuram litigância de má-fé.

Pelo exposto, nego provimento à apelação e condeno a apelante ao pagamento das custas recursais, suspensa a exigibilidade do pagamento porque está sob o pálio da justiça gratuita.

DES.ª MARIA LUIZA SANTANA ASSUNÇÃO (JD CONVOCADA) - Com a devida vênia ao posicionamento externado pelo eminente Desembargador Relator em seu judicioso voto, ouso dele divergir por entender que, no caso, a parte autora é carecedora de interesse de agir, razão pela qual suscito, de ofício, preliminar de ausência de interesse de agir, por inadequação da via eleita.

Inicialmente, cumpre destacar que, como bem consignado pelo douto Relator, "A imissão na posse é direito de quem detenha o domínio da coisa, sem nunca haver exercido a posse. Possui como requisitos a existência de título de propriedade e o fato de nunca haver o proprietário gozado ou fruído da posse".

Confira-se a definição dada pela doutrina à ação de imissão na posse:

"A ação de imissão na posse é uma ação de natureza real e petitória e visa à efetiva aquisição de uma posse que nunca se teve, tratando-se, assim, portanto, de ação que possui natureza petitória. Logo, quem já teve a posse do bem não pode se socorrer de tal medida, já que a ação citada visa reaver o bem de quem injustamente a detenha" (PARIZATTO, João Roberto. Posse, propriedade e locação. Leme/SP: Edipa, 2011, p. 86-87).

Ocorre que, no caso em comento, o autor/apelado elegeu via processual inadequada para a tutela de seus interesses, senão vejamos:

Do próprio relato dos fatos trazido na inicial extrai-se:

"O requerente é proprietário de um terreno com 10,00 metros de frente, por 40,00 metros de fundos, situado na rua Capitão Teixeira Pinto nº 230, Fundos, Centro, nesta cidade, conforme demonstra a certidão atualizada de registro, memorial descritivo e levantamento planimétrico anexo.

Nesse terreno, o requerente fez construir uma casa de morada para sua mãe, a Sr.ª Maria Jacinta Rodrigues, e, depois de um tempo, por motivo de trabalho, o requerente passou a residir na cidade de Juiz de Fora - MG, vivendo lá por aproximadamente 30 anos, sendo que sua genitora continuou a morar no imóvel construído pelo requerente.

A requerida é sobrinha do requerente, e algum tempo atrás enfrentava um processo de separação, passando por dificuldades, e para não ficar desamparada com seus filhos pequenos, foi morar de favor, juntamente com a genitora do requerente, na residência do mesmo. [...]

A mãe do requerente se encontra muito doente e idosa, atualmente com 92 anos de idade, e, por tais motivos, precisou de maiores cuidados e do auxílio de outra filha, irmã do requerente, a Sr.ª Maria das Dores Gomes Lima, passando a residir com ela em local diverso da residência construída pelo filho, ora requerente. [...]

Porém, a requerida se recusa a sair da casa do requerente, que ela mora de favor, alegando que a casa é dela" (f. 03/04).

Diante de tais fatos, é evidente que o autor/apelado já exerceu posse sobre o imóvel de sua propriedade, sendo certo que, mesmo tendo de lá se ausentado há mais de trinta anos, manteve-se no exercício da posse indiretamente enquanto sua mãe permaneceu nele residindo.

Nesse contexto, o procedimento de cunho petitório eleito revela-se inadequado, diante da constatação de que houve o exercício de posse anterior pelo apelado.

Dessarte, o autor/apelado não possui interesse de agir, visto que se utilizou da via inadequada para defesa de seus interesses.

Tendo em vista que o interesse de agir figura dentre as condições de ação, e estas, por se tratar de matéria de ordem pública, podem ser conhecidas de ofício e em qualquer grau de jurisdição, entendo que deve ser o processo de imissão de posse extinto sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI e § 3º, do CPC.

O DES. ANACLETO RODRIGUES - De acordo com o Relator.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDA A REVISORA.

Data: 16/07/2015 - 09:30:07   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Sinoreg/MG

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