Artigo – Aprovada lei de ‘casamento infantil’: a alteração legislativa é necessária? – Por Diana Karam

Artigo – Aprovada lei de ‘casamento infantil’: a alteração legislativa é necessária? – Por Diana Karam

No Brasil, lamentavelmente, as uniões infanto-juvenis, informais em sua esmagadora maioria, têm maior frequência entre as meninas a partir dos 12 anos de idade e que se encontram em situação de vulnerabilidade

O Senado aprovou, no último dia 19, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 56/2018, que propõe alterar o Código Civil para proibir o casamento de indivíduos menores de 16 anos. O objetivo da lei é impedir a antecipação do casamento motivado pela gravidez na infância ou adolescência. O projeto em questão já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados e agora aguarda a sanção presidencial.

Para melhor compreensão do projeto, são necessários alguns esclarecimentos quanto à legislação vigente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe que é criança a pessoa até 12 anos incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

Já o Código Civil define como capazes para o casamento as pessoas a partir dos 16 anos de idade, desde que com autorização dos pais ou representantes legais ou judicial. A capacidade civil plena é atingida no Brasil apenas aos 18 anos. Apenas a partir da maioridade, portanto, há capacidade para o casamento sem necessidade de autorização.

A redação original do Código Civil legitima o casamento de menores de 16 anos, excepcionalmente, para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. Tais exceções, objeto da alteração do PLC 56/2018, detêm como objetivo, supostamente, “proteger” os filhos e evitar a punição de quem comete estupro de menores de 16 anos – situação alterada em 2005 pela revogação do inciso VII, do art. 107 do Código Penal.

Diante disso, fica a pergunta: a alteração proposta é necessária? A resposta conflui dos campos social e jurídico.

No Brasil, lamentavelmente, as uniões infanto-juvenis (em regra informais) têm maior frequência entre as meninas a partir dos 12 anos de idade e que estão dentro de contextos de vulnerabilidade – limitações financeiras, educacionais e laborais. Ocupamos o quarto lugar no ranking mundial, atrás da Índia, Bangladesh e Nigéria, em números absolutos de mulheres que casam com idade inferior aos 18 anos. Além disso, em regra, na América Latina são as meninas quem casam com homens já adultos.

A gravidez precoce é o estímulo dos casamentos infanto-juvenis, majoritariamente decorrentes de pressão dos pais e familiares das jovens por motivações de ordem moral e religiosa. As jovens gestantes ainda aderem às uniões (formais ou informais) por questão de sobrevivência – cientes de que não terão condições financeiras de criar um filho.

Segundo a Unicef, afora os possíveis problemas de saúde (de ordem física e psíquica), as jovens nubentes ainda têm chances mais escassas de terminar os estudos e, estão sujeitas a serem vítimas de abusos (ou mais abusos) e de se manterem em seus ciclos de pobreza. Não há dúvidas, portanto, da gravidade do problema social cíclico relacionado aos casamentos infanto-juvenis, os quais têm como fator relevante gestações prematuras.

Posto isso, e considerando que se trata de problema social, uma nova pergunta pode vir ao leitor: a alteração legislativa será eficiente?

Ocorre que a função das leis é justamente regular a sociedade e, em razão disso, elas devem ser adaptadas às alterações e anseios sociais. As relações familiares são direito vivo, ou seja, sempre estão em constante mutação, que deve ser acompanhada pelas leis.

É claro que a alteração legislativa sozinha não irá resultar imediatamente uma mudança na sociedade. Contudo, se somada às políticas públicas necessárias, pode, sim, surtir os efeitos pedagógicos mediatos e imediatos e atingir a sociedade.

No mais, a alteração legislativa sugerida pelo projeto coaduna, sem dúvidas, com convenções internacionais e com o ordenamento nacional.

O Brasil é signatário de importantes convenções internacionais que primam pela proteção da infância e juventude. Dentre elas vale citar:

i) a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que reconhece a criança e o adolescente como seres humanos em desenvolvimento e, suas respectivas necessidades de proteção especial e assistência prioritária;
ii) a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, que prevê que o casamento não pode ser celebrado sem o livre consentimento dos nubentes;

iii) a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que prevê que as mulheres devem ter os mesmos direitos que os homens na escolha de contrair matrimônio somente com livre e pleno consentimento e, ainda que os casamentos de crianças não terão efeito legal.

No plano nacional, a Constituição Federal de 1988 e o ECA também conferem de forma prioritária a integral proteção à infância/adolescência, enunciando que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e protegê-los de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

É importante esclarecer que são direitos fundamentais o planejamento familiar, a proteção familiar, e a proteção às crianças e adolescentes.

Assim, é certo que deve haver intervenção estatal para fins de corrigir o problema social relacionado às gestações e consequentes casamentos (ou uniões informais) infanto-juvenis. A interferência do Estado (que em regra deve ser mínima nas relações familiares) é mais que necessária, pois estão em jogo direitos fundamentais de crianças/adolescentes hipossuficientes, e tais casamentos não traduzem seus melhores interesses.

Consequentemente, ainda que com significativo atraso, será bem-vinda a alteração legislativa proposta pelo PLC 56/2018, devidamente acompanhada das políticas públicas de educação e saúde necessárias.

* Diana Karam Geara é mestre em Direitos Fundamentais e Democracia e advogada no núcleo de Família e Sucessões do Escritório Professor René Dotti.

Fonte: Gazeta do Povo

A Anoreg/BR divulga produções acadêmicas e científicas. Entretanto, os artigos são inteiramente de responsabilidade do autor.

Extraído de Anoreg/BR

Notícias

Pela 1ª vez, uniões consensuais superam casamento civil e religioso

Pela 1ª vez, uniões consensuais superam casamento civil e religioso Censo 2022 revela que 51,3% da população tinha relação conjugal Bruno de Freitas Moura - Repórter da Agência Brasil Publicado em 05/11/2025 - 10:03 Brasília Origem da Imagem/Fonte: Agência Brasil  -  Certidão de...

STJ autoriza penhora de imóvel financiado para quitar dívida de condomínio

STJ autoriza penhora de imóvel financiado para quitar dívida de condomínio Alessandro Junqueira de Souza Peixoto A decisão do STJ muda o jogo: Agora, imóveis financiados também podem ser penhorados para pagar dívidas de condomínio. Entenda o que isso significa para síndicos e...

Neto poderá ter avós maternos reconhecidos como seus pais

Neto poderá ter avós maternos reconhecidos como seus pais Ele moveu ação para reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetiva 29/10/2025 - Atualizado em 29/10/2025 A 4ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) cassou uma sentença da Comarca de Diamantina e...

Georreferenciamento: novo prazo para 2029 gera alívio e controvérsia

Opinião Georreferenciamento: novo prazo para 2029 gera alívio e controvérsia Nassim Kassem Fares 27 de outubro de 2025, 19h35 O projeto e seu substitutivo, que estendeu a prorrogação para todos os imóveis rurais, tiveram como objetivo oferecer “uma solução legislativa viável, segura e proporcional...