Artigo – Da legitimidade para abertura de inventário em prol do credor do herdeiro – Por Gabriel Werneck Chastalo

Artigo – Da legitimidade para abertura de inventário em prol do credor do herdeiro – Por Gabriel Werneck Chastalo

Entender sobre a legitimidade para requerer a abertura de inventário pode ser importante ferramenta em favor do credor do herdeiro, tendo em vista que o procedimento envolverá o levantamento de bens da pessoa morta, que, ao entrarem na esfera patrimonial do herdeiro, poderão servir para a satisfação de eventual dívida existente.

Com a morte da pessoa se inicia o fenômeno chamado sucessão. A partir disso, eventuais bens existentes, que eram de propriedade do falecido, serão reunidos e repartidos entre os herdeiros, sejam estes legítimos ou testamentários.

Essa distribuição ocorre através do inventário, podendo se dar pela via judicial ou extrajudicial. Para que seja extrajudicial, todos os herdeiros devem ser maiores e capazes, além de estarem em comum acordo sobre a divisão dos bens. Por outro lado, caso existam menores incapazes ou se os herdeiros não estiverem em comum acordo, o processo deve ser feito judicialmente.

Ainda, o procedimento — inventário — só pode ser requerido por uma pessoa com legitimidade para tanto, o que é regulado pelos artigos 615 e 616 do CPC, que definem quem pode dar abertura ao inventário do de cujus.

A princípio, o requerimento de inventário e de partilha incumbe a pessoa que estiver na posse e na administração do espólio (artigo 615, caput do CPC), devendo fazê-lo em até dois meses após o falecimento.

Isso não significa, contudo, que apenas essa pessoa possa requerer o inventário, pois a legitimidade é concorrente e simultânea, de modo que a várias outras pessoas assiste o mesmo direito. A lei declara especificamente outras nove pessoas que são legítimas para requerer o inventário (artigo 616, incisos do CPC).

Ou seja, embora a pessoa que estiver na posse e administração do espólio tenha legitimidade para requerer o inventário, qualquer um dos interessados descritos no artigo 616, incisos I a IX, do CPC, poderá pleitear a abertura desse procedimento sucessório.

Passando ao ponto de interesse dos credores, é sabido que o patrimônio do de cujus responde pelas dívidas contraídas por ele e, assim, os credores do espólio estão legitimados a requerer o inventário para que tais dívidas vencidas sejam quitadas.

O que poucos sabem é que, da mesma forma, os credores dos herdeiros podem requerer o inventário a fim de quitar as dívidas na proporção da parte que cada herdeiro receberá (artigo 616, inciso VI do CPC). É neste ponto que o credor pode e deve estar atento.

Pense-se numa situação corriqueira em que o credor, que busca a satisfação de seu crédito pela via judicial, encontra-se em dificuldade ante a inexistência de bens penhoráveis em nome do devedor.

Neste cenário, cabe ao exequente adotar medidas alternativas visando a satisfação de seu crédito, tendo em vista que as pesquisas de praxe não terão efeitos positivos para resolução da demanda judicial.

Sob este aspecto, é acessível ao credor utilizar dos sistemas públicos existentes para realizar uma “varredura” em nome do devedor e, ao realizar a varredura, poderá colher informações sobre a possibilidade de o devedor ser herdeiro de pessoa falecida.

Ao confirmar que o devedor é herdeiro e que receberá herança na proporção que lhe cabe, o credor poderá requerer a abertura do inventário da pessoa falecida, visando atingir os bens da herança que serão recebidos pelo herdeiro/devedor.

Importante destacar que cabe ao credor confirmar ou não a existência de inventário já aberto. Isto porque, havendo inventário aberto e em curso, basta ao credor do herdeiro requerer sua habilitação neste (STJ, AgInt no AREsp nº 1.154.425/SP, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, j. 29/3/2021).

O legislador mostrou-se preocupado com o exercício regular de direito por parte do credor, isto porque, como é de praxe, o herdeiro que é devedor não possuirá interesse algum na abertura do inventário se os bens a serem recebidos através da herança forem ser integralmente absorvidos por execuções movidas por seus próprios credores.

Inclusive, não são raras as ocasiões em que o herdeiro que é devedor simplesmente não demonstra interesse em formalizar a divisão dos bens da pessoa falecida, mantendo-se na posse e/ou usufruindo dos bens em questão. Com isso, beneficia-se dos bens, sem que os credores possam alcançá-los.

O raciocínio é simples: 1) o credor realiza a pesquisa de bens em nome do devedor e não localiza bens passíveis de penhora, pois formalmente o devedor não é proprietário de qualquer bem; 2) apesar de não constar como proprietário nos registros respectivos, o devedor é proprietário e, possivelmente, possuidor dos bens deixados pela pessoa falecida, exercendo sobre estes — os bens — todas os direitos e deveres inerentes à propriedade; 3) tendo a informação que o devedor é herdeiro, cabe ao credor, visando a satisfação do seu crédito, realizar a abertura do inventário da pessoa falecida para que os bens sejam formalmente transferidos ao herdeiro e posteriormente penhorados.

Ou seja, conferir ao credor do herdeiro a possibilidade de requerer a abertura de inventário visa a proteção dos interesses do próprio credor, servindo de providência coercitiva contra o devedor

Esta possibilidade decorre do fato de que o credor também tem direito a parte dos bens deixados pelo falecido e, por isso, é justo que ele possa iniciar o processo.

Sendo cediço que uma das técnicas utilizadas para promover a ocultação de patrimônio pelo devedor é a não formalização da propriedade dos bens existentes, mostra-se razoável e adequada a legitimidade concorrente conferida ao credor do herdeiro para abertura do inventário.

Nos Tribunais de Justiça de Santa Catarina e São Paulo, por exemplo, encontram-se acórdãos sobre a legitimidade concorrente existente para que o credor do herdeiro possa realizar a abertura do inventário. Como exemplo: 1) TJSC, Agravo de Instrumento nº 5005304-17.2021.8.24.0000, relator Luiz Cézar Medeiros, 5ª Câmara de Direito Civil, j. 13/4/2021; 2) TJSC, Apelação Cível nº 0302289-16.2016.8.24.0004, relator Haidée Denise Grin, 7ª Câmara de Direito Civil, j. 04/7/2019; 3) TJSP, Agravo de Instrumento nº 2066236-31.2022.8.26.0000, relatora Ana Catarina Strauch, 37ª  Câmara de Direito Privado, j. 11/5/2022.

Dessa forma, conclui-se que a possibilidade conferida pelo legislador ao credor, para que este possa realizar a abertura do inventário quando seu devedor for herdeiro da pessoa falecida, pode ser uma grande ferramenta na busca do exequente pela satisfação de seu crédito, tendo em vista que se trata de medida legal e coercitiva que contribui para a penhora de bens.

Gabriel Werneck Chastalo é advogado no escritório Medina Guimarães Advogados e especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.

Fonte: ConJur
Extraído de Anoreg/BR

Notícias

Convivência com falecido deve ser comprovada

Convivência com falecido deve ser comprovada A Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso negou provimento a recurso interposto contra decisão de Primeira Instância que removeu uma cidadã do encargo de inventariante e a excluiu da meação dos bens deixados pelo falecido José...

CNJ não pode ultrapassar Constituição

CNJ não pode ultrapassar Constituição 08/01/2012 Por Marco Aurélio Mello A quadra vivenciada revela extremos. Faz lembrar tempo remoto, de dualismo religioso – maniqueísmo – presentes o reino da luz e o das sombras, o bem e o mal. De um lado, a bandeira da busca de novos rumos, anseio da...

Casos emblemáticos

09/01/2012 - 08:44 STJ julgou casos emblemáticos sobre perda de familiar Conjur Ainda sob o efeito da dor de perder um parente, muitas famílias precisam enfrentar uma batalha judicial para dispor dos bens deixados pela pessoa falecida. Ao longo de 2011, a disputa por herança foi tema...

A possibilidade de julgamento pelo Tribunal do Júri sem a presença do réu

Extraído de: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes  - 28 de Julho de 2009 Lei nº. 11.689/08: a possibilidade de julgamento pelo Tribunal do Júri sem a presença do réu LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br ) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito...

Regime prisional mais brando

05/01/2012 - 08h12 DECISÃO Liminar assegura regime prisional mais brando na falta de vaga em semiaberto Não havendo estabelecimento adequado para que o réu possa cumprir a pena em regime semiaberto, é ilegal sua manutenção em presídio comum. Com base nesse entendimento da jurisprudência, o...

Imóvel suntuoso pode ser penhorado

Imóvel residencial suntuoso pode ser penhorado Qua, 04 de Janeiro de 2012 08:27 No recurso analisado pela 8a Turma do TRT-MG, o reclamado pretendia convencer os julgadores a desconstituírem a penhora realizada em sua residência, porque, segundo alegou, trata-se de bem de família. Mas os...