Artigo - Os direitos do filho nascido por fertilização assistida - Por Ivone Zeger

Artigo - Os direitos do filho nascido por fertilização assistida - Por Ivone Zeger

Os avanços científicos e a tecnologia aplicada à reprodução humana trouxeram incontáveis benefícios. Um deles é a possibilidade do armazenamento do sêmen e do óvulo para os procedimentos de reprodução assistida. Pesquisa recente mostrou que, no Brasil, boa parte dos homens que recorre ao congelamento do sêmen, o faz para garantir a possibilidade de ter filhos após tratamento de doença grave, como um câncer, por exemplo, cuja sequela frequente é a esterilidade.

Isso é maravilhoso e tem garantido a felicidade de casais que, a partir de então, ganham novo fôlego após o trauma de uma doença, e planejam a vinda de um novo ser. Agora imagine uma situação sem final feliz. Suponha que a doença seja um câncer e que evolua. E que o casal decida, mesmo assim, utilizar o material depois da morte do doador e que este, consciente da morte eminente, deseje fazer seu testamento. Esse “pai” ou “mãe” pode legar bens para uma “possibilidade” de filhos? E se não fizer testamento, a criança gerada pelo seu material genético poderá receber herança?

Há quase duas décadas, questões envolvendo o mesmo tema intrigaram os franceses. O jovem Alain Parpalaix descobriu que tinha câncer nos testículos e decidiu, junto com a namorada Corine Richard, congelar seu sêmen para que tivessem filhos após o tratamento. Eles se casaram, mas Alain não resistiu à doença e faleceu. Corine, então, quis o sêmen do marido para tentar a reprodução assistida. Mas o banco de sêmen se negou a entregar o material, sob a alegação de que o acordo existente não permitia a entrega para outra pessoa se não para o próprio falecido. Na época, não havia legislação específica que tratasse como agir na hipótese de inseminação artificial com material de doador já falecido.

Corine conseguiu o direito de obter o material, mas os meandros legais demoraram tanto que os espermatozoides não estavam mais próprios à fecundação. O caso repercutiu em toda a Europa e no mundo, fazendo com que leis fossem elaboradas para dar conta dessas novas situações.

Voltando ao Brasil: aqui, o Código Civil de 2002 tentou satisfazer essa necessidade, mas deixou lacunas e contradições que só aos poucos vão sendo equacionadas. Foi só em 2010 que a inseminação com sêmen de cônjuge morto foi autorizada. Isso se deu a partir do caso de uma professora de 38 anos, cuja reprodução assistida já tinha iniciado quando foi diagnosticado o câncer no marido. Ele faleceu, e a falta de uma autorização expressa para uso do sêmen após a morte foi o motivo para a clínica se recusar a continuar a reprodução assistida, obedecendo a lei que vigorava na época. A professora, então, obteve uma liminar, terminou o tratamento e teve seu filho.

Mas esse não era a única lacuna existente. Embora a Constituição brasileira reconheça como filho a criança concebida por meio de inseminação artificial, ainda que o pai tenha falecido, em outro trecho o mesmo código civil diz que são considerados passíveis de receber herança as pessoas “nascidas ou já concebidas” — o que deixaria de fora filhos do autor da herança que fossem concebidos no futuro, por meio da inseminação artificial.

Recentemente, foram elaboradas as primeiras regras para a utilização de sêmen e embriões — gerados a partir da fertilização in vitro — de doadores já falecidos. O projeto, de autoria do senador Blairo Maggi, foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e encontra-se, atualmente, em estudo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.

O texto do projeto prevê que o material genético só poderá ser utilizado pela viúva —companheira ou cônjuge — do doador e no prazo máximo de 12 meses após o falecimento do mesmo. Obrigatoriamente, o doador deverá assinar autorização para utilização de seu sêmen ou de embrião fertilizado a partir de seu sêmen após sua morte.

Como explicitado anteriormente, a lei reconhece todos os direitos de sucessão e herança de crianças nascidas a partir da reprodução assistida, embora não especificamente a de crianças cujos pais morreram antes da sua concepção. Por isso, defensores do projeto alegam a situação de vulnerabilidade dessas crianças. Uma vez que elas não são reconhecidas pelo texto da lei como herdeiros necessários, só terão direito a herança se a mesma for indicada por testamento. Assim, e respondendo à pergunta feita inicialmente, na atual conjuntura, um testamento feito pelo pai, indicando a utilização do material genético e legando bens à futura prole oferece a segurança necessária. Feita a inseminação no prazo determinado pela lei, filhos gerados dessa forma terão a herança garantida.

No Brasil, a realização de testamento não é obrigatória, tampouco o brasileiro tem o “costume” de fazê-lo, por falta de conhecimento da sua eficácia. Porém, muitos problemas podem ser evitados com a sua elaboração. Nos episódios em que se recorreu à inseminação artificial e a doença sobreveio, — até agora e pelo menos enquanto as leis não se ajustam de maneira mais coerente —, a elaboração do testamento é o procedimento mais seguro para o casal que passa por situação tão limite e ao mesmo tempo tão crucial para o futuro.

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.

 

Fonte: Conjur

Publicado em 30/08/2012

Extraído de Recivil

Notícias

Bem impenhorável

Turma confirma impenhorabilidade de jazigo por AB — publicado em 20/05/2014 17:05 O jazigo é bem impenhorável por se tratar de uma extensão do domicílio dos membros da família. Com esse entendimento, a 6ª Turma Cível do TJDFT proferiu decisão unânime, confirmando sentença da 3ª Vara de Execução de...

Juiz acusado

Sentença de pronúncia não pode “criar” crime ausente na acusação 27 de maio de 2014, 10:32h Por Felipe Luchete A sentença de pronúncia que imputa ao réu acusação ausente na denúncia viola os princípios do contraditório, da plenitude de defesa e da correlação entre as duas peças...

Banco terá de devolver a cliente dinheiro reaplicado sem autorização

Banco terá de devolver a cliente dinheiro reaplicado sem autorização 27 de maio de 2014 às 10:37O Banco da Amazônia S/A (Basa) terá de restituir a um cliente de Rondônia os valores que ele havia aplicado em fundo de investimento da instituição financeira (Basa Fundo Seleto) sem saber que era gerido...

Fazenda é obrigada a dar certidão positiva de débitos após penhora

Fazenda é obrigada a dar certidão positiva de débitos após penhora Publicado em 27/05/2014 Quando a penhora já foi efetivada, a garantia que está em juízo suspende a cobrança do crédito tributário e permite que o antigo devedor receba certidão positiva de débitos. Com esse entendimento, a 7ª Turma...

TJSC: Justiça deixa para futuro decisão de filha ter dois pais em Registro Civil

TJSC: Justiça deixa para futuro decisão de filha ter dois pais em Registro Civil De acordo com processo, o pai biológico não estabelecera nenhum vínculo afetivo com a criança, diferentemente do pai registral, que supria as necessidades materiais e afetivas da menor. A 4ª Câmara de Direito Civil do...

Segurado perde indenização por entregar carro a filho sem previsão na apólice

Segurado perde indenização por entregar carro a filho sem previsão na apólice 23 de maio de 2014 às 11:19 A seguradora não é obrigada a pagar indenização se o sinistro ocorreu quando o veículo era dirigido por motorista menor de 25 anos de idade e o contrato de seguro continha cláusula que...