Artigo – Presunção de paternidade decorrente da recusa de exame de DNA

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Artigo – Presunção de paternidade decorrente da recusa de exame de DNA

Carlos Eduardo Pianovski

Filhos sem pai: tragédia social e omissão legislativa que fere a igualdade constitucional

Uma a cada 15 crianças nascidas no Brasil a partir 1º de janeiro de 2024 não tem o nome do pai no registro de nascimento. Entre 2016 e 2025, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, foram nada menos de que um milhão e quatrocentas mil crianças registradas sem pai [1].

Essa tragédia social, que priva tantas crianças do acesso à filiação paterna, não passou despercebida pela Comissão de Juristas que elaborou o projeto de reforma do Código Civil (PL 4/2025).

Na legislação hoje vigente, quando os pais são casados, a paternidade já é registrada em nome do marido da mãe, mesmo que este não compareça ao registro civil para reconhecer a prole. Trata-se da presunção de paternidade dos filhos da mulher casada, regra tradicional em nosso direito (presunção pater is est).

Todavia, quando os pais não são casados, se o homem indicado pela mãe como suposto pai não reconhecer voluntariamente o filho, no âmbito do procedimento de averiguação oficiosa de paternidade (Lei nº 8.560/1992), restará à criança, apenas, o caminho da ação de investigação de paternidade.

No curso desse processo judicial, atualmente, se o suposto pai se recusar a realizar o exame de DNA, o juiz aplicará presunção de paternidade, conforme as regras do Código Civil (artigo 231 e 232) e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 301/STJ), determinando que o nome do pai seja registrado no assento de nascimento do filho.

Isso, porém, somente ocorre após vários anos, sendo que, por vezes, o trânsito em julgado da decisão, que permite o seu registro, é consumado quando o filho já atingiu a maioridade.

Enquanto isso, o filho fica privado da paternidade, sem receber, na maioria dos casos, sequer os alimentos devidos pelo pai, impondo-se às mães, durante todo o tempo do processo, a integralidade dos encargos do cuidado e do sustento. A regra vigente prejudica crianças e mulheres, estimulando a conduta de pais ausentes.

Trata-se de realidade que não afeta aos filhos matrimoniais, aos quais assiste a presunção pater ist est.

Questiona-se, assim, se o tratamento legal vigente não implicaria violação ao princípio da igualdade entre os filhos, independentemente da origem, assegurado pelo parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição.

Presunção pater is est e igualdade entre os filhos

O sistema vigente mantém a dualidade entre filhos matrimoniais e extramatrimoniais, em resquício da odiosa distinção pretérita entre filhos legítimos e ilegítimos.

Aos filhos matrimoniais, a lei assegura a filiação presuntiva, que enseja a determinação de paternidade; aos filhos extramatrimoniais, não há presunção de direito material a assistir, pelo que não existe estabelecimento de paternidade, mas, apenas, o reconhecimento, seja voluntário ou forçado – neste último caso, por meio da ação de investigação de paternidade.

A persistência de dois sistemas (estabelecimento presuntivo e reconhecimento) para filhos de origens distintas pode ser compreendida como perturbador desafio à plena aplicação do disposto no artigo 227, parágrafo 6º da Constituição, que assegura, peremptoriamente:

“Art. 227. (…)

6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Seria possível cogitar se a plena igualdade de direitos entre filhos havidos no casamento e os concebidos fora dele poderia ser atingida mediante eliminação da presunção pater is est, universalizando-se a solução pautada no reconhecimento (voluntário ou forçado), com a extinção do estabelecimento presuntivo. Não se trataria, porém, de solução adequada à luz do melhor interesse da criança.

A paternidade presumida é mais vantajosa à prole do que o reconhecimento, pela elementar razão de que independe de ato a ser praticado pelo pai, eis que decorre do fato do casamento.

A presunção de paternidade derivada do casamento é, como se sabe, de direito material, não detendo natureza processual.

Se, no passado, era natural supor a filiação matrimonial como atribuível ao marido da mãe, na contemporaneidade, em que não mais persiste uma associação automática entre procriação e casamento – diante das novas formas familiares –, essa suposição já não é tão óbvia. Seja pela fluidez dos relacionamentos, seja pelo reconhecimento de modalidade de família que não se assentam no casamento, não mais se reveste a presunção pater is est do caráter intuitivo que era sua marca no passado.

Mesmo assim, a alternativa da supressão da presunção não parece adequada, pois sujeitaria também os filhos matrimoniais ao sistema de reconhecimento de paternidade – que, se não ocorrer de modo voluntário, demanda a propositura de ação para o reconhecimento forçado, declarando-se em juízo a paternidade.

A melhor solução, assim, parece ser oposta à supressão da presunção: trata-se de estender aos filhos extramatrimoniais o sistema de estabelecimento presuntivo, desde que por meio de critérios racionais, dotados de razoabilidade e proporcionalidade. É o que faz o PL nº 4/2025.

PL nº 04/2025 e presunção de paternidade dos filhos extramatrimoniais

A solução proposta no projeto de reforma do Código Civil consiste em facilitar a determinação da paternidade perante o registro civil, independentemente de propositura de ação visando à obtenção de reconhecimento forçado de paternidade.

Se aprovada a nova proposta legislativa que tramita no Senado, o suposto pai, indicado pela mãe, será pessoalmente notificado para, se quiser, reconhecer voluntariamente a paternidade, ou, em caso de dúvida, realizar o exame de DNA.

Caso o exame de DNA resulte positivo, o nome do pai passará a constar do registro do filho. Entretanto, caso o suposto pai se recuse a realizar o exame de DNA, sua paternidade será presumida já no cartório de registro civil.

Trata-se do disposto no artigo 1.609-A da legislação projetada:

“Art. 1.609-A. Promovido o registro de nascimento pela mãe e indicado o genitor do seu filho, o oficial do Registro Civil deve notificá-lo pessoalmente para que faça o registro da criança ou realize o exame de DNA.

1º Em caso de negativa do indicado como genitor de reconhecer a paternidade, bem como de se submeter ao exame do DNA, o oficial deverá incluir o seu nome no registro, encaminhando a ele cópia da certidão.

. 2º Após encaminhará o expediente ao Ministério Público ou à Defensoria Pública para propor ação de alimentos e a fixação do regime de convivência.

. 3º Não sendo localizado o indicado como genitor, o expediente deverá ser encaminhado ao Ministério Público ou Defensoria Pública para a propositura da ação declaratória de parentalidade, alimentos e regulamentação da convivência.”

Ao homem que se recusou à realização do exame de DNA, a lei projetada assegura a possibilidade de, mediante processo judicial, afastar a presunção de paternidade decorrente de sua prévia recusa:

Art. 1.609-A. (…)

. 4º A qualquer tempo, o pai poderá buscar a exclusão do seu nome do registro, mediante a prova da ausência do vínculo genético ou socioafetivo.

Não se trata, cabe ressaltar, de inversão do ônus da prova. A inversão do ônus probatório é técnica processual, que, como tal, pressupõe, por evidente, a existência de processo.

Diversamente, o que se institui por meio do PL é uma verdadeira presunção de direito material, como uma nova hipótese de estabelecimento presuntivo de paternidade, que se soma à presunção pater is est, mas se destina aos filhos extramatrimoniais.

Ou seja: tanto filhos matrimoniais quanto filhos extramatrimoniais passam a ser protegidos por meio de modalidade presuntiva de estabelecimento de paternidade, sem relegar os últimos à inexorabilidade da sujeição ao ato de reconhecimento.

Em termos concretos, no sistema vigente, a recusa em realizar exame de DNA durante a fase instrutória do processo instituído pela ação de investigação de paternidade enseja presunção juris tantum de paternidade.

Com efeito, hoje, sem a reforma do Código Civil, a paternidade de quem se recusa ao exame de DNA já é presumida, no curso do processo, mas essa presunção somente ocorre após muitos anos, em um processo judicial.

O projeto de reforma do Código, a rigor, antecipa os efeitos dessa presunção decorrente da recusa para uma fase extrajudicial, em cartório, permitindo que o filho tenha, desde logo, a paternidade registral. A regra também beneficia a mãe, que dividirá com o pai os encargos financeiros com o sustento do filho, uma vez que poderá, desde logo, pleitear os alimentos devidos à criança.

Trata-se do que se consagrou na jurisprudência do STJ por meio da Súmula 301, que tem o seguinte teor:

“Súmula 301. Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”

Essa presunção já tem sua base no direito material. Não é, mesmo no processo, uma inversão do ônus da prova. Trata-se de aplicar o disposto nos artigos 231 e 232 do Código Civil, na redação vigente, que dispõem:

“Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”

O projeto de reforma do Código Civil antecipa, para uma fase extrajudicial, essa presunção, que ocorreria no curso do processo.

Mais que isso, oferece a ela verdadeira e inequívoca natureza de direito material, em proveito da igualdade entre filhos matrimoniais e extramatrimoniais.

A nova presunção é dotada de proporcionalidade e razoabilidade. Se a presunção pater is est deriva do fato do casamento formal entre a mãe e o suposto pai, a nova presunção proposta no PL nº 4/2025 deriva da recusa em realizar o exame em DNA que permite conhecer, com alto grau de certeza, a origem genética de uma criança.

Não se trata de presumir, de antemão, como verdadeira a afirmação materna: trata-se de extrair presunção da recusa do suposto pai em realizar exame que pouca repercussão gera em sua esfera de direitos da personalidade, e que pode ensejar, em contrapartida, relevantíssima repercussão tanto na determinação da identidade pessoal do filho quanto na determinação de seus vínculos familiares, no estabelecimento de seu status familiae.

A redução da integridade física do suposto pai, quando da realização de exame em DNA, é diminuta, beirando a insignificância. A repercussão em seu espaço de privacidade, a seu turno, se justifica pela prevalência do interesse da criança em ter acesso aos laços parentais, como integrante do direito à convivência familiar, de modo coerente com a prioridade absoluta de seus direitos, que deriva do caput do artigo 227 da Constituição:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

De resto, tal repercussão na privacidade já ocorre no âmbito de uma ação de investigação de paternidade, no sistema vigente, pelo que o sistema de estabelecimento presuntivo proposto pela Reforma do Código Civil pouco altera a intervenção já existente na esfera de direitos da personalidade do suposto pai.

Espera-se, pois, que o Congresso Nacional, com sensibilidade social, acolha essa relevante proposta, que se harmoniza aos comandos constitucionais que asseguram a primazia do melhor interesse de crianças e adolescentes e a plena igualdade entre os filhos, independentemente da sua origem.

[1] Dados extraídos daqui

Fonte: Conjur
Extraído de Anoreg/BR

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