Artigo - Testamento vital - Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior

Artigo - Testamento vital

Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior

A vontade do paciente supera qualquer outra manifestação a respeito da assistência à terminalidade da sua vida.

A convivência entre o homem e a morte remonta a história da própria humanidade. O nascer e o morrer são atos reiterados, vinculados, um compreende o outro, como o alfa e o ômega. A vida, por si só, é uma preparação para a morte. Ou se morre de forma repentina ou, em razão de doença que se agrava e assume caráter de irreversibilidade. No primeiro caso, é claro, não há como dispensar qualquer tipo de cuidado à pessoa, preparando-a para o evento final. No segundo, porém, abre-se um campo enorme em razão da dignidade humana e do espírito cristão que habita cada um, principalmente diante de uma enfermidade incurável.

O novo pensamento que se aflora não busca encontrar o homem imortal, como sugeriu Simone de Beauvoir em seu livro "Todos os homens são mortais", mas sim, mesmo com a ocorrência da senescência celular, aquele que viva com conteúdo, com qualidade e a intensidade necessária cada ciclo da vida. Sêneca, na antiguidade do Império Romano, já proclamava que morrer bem significa escapar vivo do risco de morrer doente.

As novas tecnologias médicas aliadas à evolução do pensamento do homem, em razão de sua autonomia e determinação, podem estabelecer uma disciplina de final de vida compatível com sua moral ética, sem afrontar qualquer texto legal que normatiza em sentido contrário. A autonomia da vontade do paciente, um dos pilares da Bioética, é uma relação linear que procura, de um lado, reconhecer o direito do paciente em determinar-se de acordo com sua vontade no tocante à saúde e vida e, de outro, o profissional da saúde em apontar os procedimentos médicos convenientes para o paciente, sem, no entanto, obrigá-lo a tanto.

Digna de observação, a respeito do consentimento do paciente, é a normatização contida na resolução do Conselho Federal de Medicina1, dispondo sobre as diretrizes antecipadas ou testamento vital e, em seu artigo 1º, proclama que cabe ao paciente: Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Percebe-se, sem muito esforço, que o paciente é o detentor do poder de decidir a respeito do final de sua vida. É o reconhecimento de que somente a ele cabe definir as metas que deverão ser implantadas. Por este novo conceito o homem recupera sua autonomia de vontade como paciente e abandona toda e qualquer restrição estatal ou determinação médica. Assim, a pessoa sendo maior e habilitada para a vida civil, poderá deixar sua vontade expressa no documento chamado Testamento Vital, revogável a qualquer tempo, permitindo-se até mesmo a nomeação de um procurador para tal fim, no qual expresse de forma inequívoca quais são as diretrizes antecipadas de sua vontade com relação aos cuidados de saúde que deseja ou não receber, quando se encontrar em estágio de irreversibilidade.

Las voluntades antecipadas, na correta definição de Cano, consisten em uma serie de instrucciones respecto a los deseos de uma persona capaz em relación com los posibles tratamientos médicos, previendo um futuro de incapacidad para decidir. Esta figura surgió debido a la ambigüedad interpretativa que planteaban los testamentos vitales. De este modo, si figuraban por escrito las preferências Del enfermo, se tendría la seguridad de que se interpretaríanm las indicaciones Del paciente de acuerdo a lo que éste queria em realidad2.

O demonstrativo da vontade do paciente prevalecerá sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. Só não prevalecerá quando colidir com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica, como, por exemplo, a opção pela eutanásia.

Referido Código, em vigência desde o dia 13/4/10, no parágrafo único do artigo 41, aconselha a prática ortotanásica ao paciente em fase terminal, contraindicando todo esforço de ações diagnósticas e terapêuticas inúteis e recomenda a oferta de cuidados paliativos. Não se trata de um apressamento da morte, mas sim um cuidar cauteloso para conferir ao paciente a continuidade da sua dignidade. O estertor da morte é suavizado, de acordo com a intenção demonstrada pelo paciente no seu testamento.

Assim, a vontade do paciente supera qualquer outra manifestação a respeito da assistência à terminalidade da sua vida. A autonomia da vontade integra os direitos da pessoa humana e, como tal, deve ser preservada quando optar pela prática ortotanásica, acompanhada dos cuidados paliativos. Tanto é que o doente pode sair de uma determinada instituição de saúde e ser encaminhado para um hospice, dying ouaté mesmo sua própria casa, preferencialmente equipada com home care, para passar os últimos momentos de sua vida.

__________


1Resolução 1995/2012, de 09 de agosto de 2012.
2Cano, Ana María Marcos Del. La autonomia del paciente en los supuestos de incapacidad. Bioética Y Bioderecho : reflexiones jurídicas ante los retos bioéticos. Rafael Junquera Estéfani (Director). Granada: Editorial Comares, 2008, p.187.

__________

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.

Fonte: Migalhas

 

____________________________

 

Testamento vital permite a paciente tomar as rédeas da própria morte

Recente no Brasil, documento garante que pessoa saudável registre procedimentos aos quais não quer ser submetida em caso de doença terminal; ato não tem relação com eutanásia

Uma idade marca a vida da psicanalista Marion Vera Dayan. Tanto o pai quanto o avô paterno morreram aos 68, exatamente a idade que ela tem atualmente. Os dois tiveram uma doença metabólica que resulta em pré-diabetes, colesterol no limite e pressão alta. Marion sofre do mesmo mal. Na dúvida se faz parte de uma espécia de "clube dos 27" [idade em que morreram vários astros do rock como Jimi Hendrix e Amy Winehouse ], ela decidiu tomar as rédeas da própria morte.

Neste ano, após conversar com o seu médico e um advogado, Marion fez seu testamento vital. No documento, registrado em cartório, ela descreve quais tratamentos aceita e quais não deseja receber quando estiver diante de um diagnóstico de doença terminal e impossibilitada de manifestar sua vontade. "Não quero, de forma alguma, ficar como se estivesse vegetando".

Comum em países como o Reino Unido e os Estados Unidos - onde 90% das pessoas internadas ou em lares de idosos têm documentado como querem viver seus últimos dias -, o testamento vital ainda é recente no Brasil. Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, em 2009 foram feitos cinco documentos. Em 2013, o número saltou para 471 e nos três primeiros meses deste ano já foram 74.

Vale ressaltar que testamento vital é completamente diferente de eutanásia - procedimento proibido no Brasil e que ocorre quando o médico induz a morte do paciente. O que consta no testamento vital são os desejos da pessoa em situações de doenças incuráveis, progressivas e sem proposta terapêutica. É, em suma, a escolha antecipada pelos cuidados paliativos em detrimento da luta pela manutenção artificial da vida.

Não vale esconder

Os especialistas explicam que definir as diretrizes sobre o fim da vida é bom tanto para o paciente como para os familiares. Para o doente, é a segurança de que, se estiver entubado ou com demência, por exemplo, suas escolhas serão respeitadas. Para os familiares, o documento os poupa de tomar uma decisão difícil sobre a vida de um ente querido.

A médica Cristiana Savoi, de Belo Horizonte, afirma ter visto situações delicadas como briga entre parentes sobre o melhor tratamento ao familiar que não tinha possibilidade de cura e casos extremos como o de uma paciente com câncer irreversível que não foi sedada por determinação de um parente e acabou morrendo em pleno sofrimento.

Para evitar que isso aconteça na sua família, Cristina fez seu testamento vital e pediu para que seus parentes também façam. “Trabalho no hospital com cuidados paliativos em pacientes terminais ou que tenham doenças sem cura. Sei o que eles passam e quanto o documento bem feito pode ajudar a garantir um fim de vida digno em situações que não há recuperação, respeitando os desejos de cada um”, diz.

Mas não adianta fazer o documento e guardar segredo sobre o assunto. Afinal, se ninguém souber, quem é que vai fazer o documento valer? Outro ponto importante, explica Luciana Dadalto, advogada especializada no tema, é deixar o documento bem explicado e de acordo com o próprio perfil.

“As pessoas acham que é simplesmente colocar o que ela quer ou não quer, mas é importante que o testamento vital não seja um formulário fechado, preenchido apenas com "x". A pessoa que está fazendo o testamento vital precisa deixar explícitos seus desejos e valores, situações pessoais, que variam de caso a caso”, afirma.

Pacientes com alguma doença específica, ou histórico familiar tendem a fazer documentos mais específicos, de qualquer forma é possível fazer textos mais genéricos sobre o tema, completa Luciana.

Celina Rubo Silva, de 72 anos, fez seu testamento vital há três anos, quando o assunto nem era muito falado. “Tenho diverticulite, que pode evoluir para uma obstrução no intestino. Se a doença avançar, podem me operar e colocar uma bolsa de colostomia, o que eu abomino. Posso morrer de outra coisa e nunca ter que passar por isso, mas resolvi documentar isso.”

Quando a mãe dela, aos 87 anos, teria de colocar a bolsa de colostomia, coube a ela e aos irmãos dizerem não. “Meus três irmãos e eu decidimos que não íamos operá-la. Foi uma decisão muito difícil, mas era o que achávamos que ela queria". A mãe de Celina viveu mais três anos sem a bolsa, com o problema controlado, até que aos 90 anos a doença venceu e ela morreu.

O testamento, conta Celine, é uma forma de poupar seus familiares da mesma decisão. Mas não foi fácil convencê-los. Parentes e inclusive o filho de 34 anos disseram que se o médico sugerisse a operação, eles acatariam. “Finalmente consegui que o meu primo topasse ser o meu procurador [é preciso ter um procurador para registrar o documento]. Agora estou tranquila, quero uma morte natural e sem passar por constrangimentos”, diz.

É preciso avançar

De acordo com Luciana, apesar de a procura tem crescido no Brasil, ainda há muito caminho pela frente, principalmente em relação à legislação. Por aqui, explica a advogada, o aumento tem relação com dois fatores: o envelhecimento da população e a resolução do Conselho Federal de Medicina de agosto de 2012, que estabeleceu critérios para que qualquer pessoa tenha possibilidade de definir junto ao seu médico os limites terapêuticos adotados na fase terminal. O documento foi denominado “diretiva antecipada de vontade”, também conhecido como testamento vital.

“Mas a resolução resguarda o médico, que antes corria o risco de ser processado por negação de socorro caso não fizesse determinados procedimentos, mas não dá garantias à sociedade”, pondera Luciana.

Ela afirma que um bom exemplo a ser seguido é o de Portugal, que no início deste mês instituiu o Registro Nacional de Testamento Vital, com os dados divulgados na internet. “Assim, qualquer profissional de saúde poderá saber quais são os desejos previamente firmados do paciente. Caso contrário, um paciente de uma doença crônica pode ter um problema em outro Estado e o médico de emergência fazer um procedimento que ele não queria por falta de conhecimento do testamento vital”, diz.

E não há nada de mórbido nisso. Pelo contrário. É uma retomada do respeito pela vida, defende Marion, a psicanalista que pretende passar ilesa pelos 68. “A vida tem um ciclo e a medicina às vezes quer prorrogar este ciclo de uma maneira desnecessária e indigna. Logo, se a gente tem direito a escolher como quer o parto, tem que ter autonomia, no fim da vida, para decidir sobre até que ponto o tratamento deve ser mantido.”

Veja quatro passos importantes para fazer um testamento vital:

1 - É importante começar informando quais os valores e desejos, deixando claro o que é importante para a pessoa durante a última parte da vida.

2. Deve-se explicitar as decisões sobre o fim da vida, com os cuidados e tratamentos que ela aceita ou não receber, deixando claro em quais estados clinicos essas decisões são válidas. Ex.: Terminalidade, Estado Vegetativo Persistente, Demência Avançada. Essa explicitação pode ser feito de forma genérica (dizendo, por exemplo, "não quero receber tratamentos extraordinários") ou de forma pontual (evidenciando quais cuidados e tratamentos a pessoa desejo ou não receber, por exemplo, "não quero ser entubado", "não quero ir para o CTI").

3. É importante a ajuda de um médico de confiança, pois é o médico quem detém a capacidade técnica, e de um advogado especialista, para que não haja nada escrito contra a lei.

4. Nomeação de um procurador: o ideal é que sejam nomeados no mínimo 2, caso o primeiro não seja localizado no momento em que for preciso, ou estiver incapacitado para tomar decisões.

 

Fonte: IG
Extraído de Recivil

Notícias

Usucapião como limite temporal para reconhecimento da fraude à execução fiscal

Opinião Usucapião como limite temporal para reconhecimento da fraude à execução fiscal Antonio Carlos de Souza Jr. Roberto Paulino de Albuquerque Júnior 31 de julho de 2025, 7h04 O tribunal superior, porém, não vem analisando uma importante questão sobre a fraude à execução fiscal, qual seja:...

Intenção de pagar a dívida basta para manter devedor em imóvel

Vitória da boa-fé Intenção de pagar a dívida basta para manter devedor em imóvel 26 de julho de 2025, 12h32 Na decisão, a juíza destacou a gravidade da situação e disse que “tais medidas são a última oportunidade para solução amigável, caso contrário, será dado cumprimento ao mandado de...

Regime da separação convencional de bens e a renúncia antecipada à herança

Opinião Regime da separação convencional de bens e a renúncia antecipada à herança Rafael Adelor Cabreira 28 de julho de 2025, 9h21 Uma vez escolhido o regime da separação convencional de bens, o casal deixa claro que não tem interesse no patrimônio do outro — para além da morte do consorte,...

Central de Escrituras e Procurações e LGPD: entre publicidade e privacidade

Opinião Central de Escrituras e Procurações e LGPD: entre publicidade e privacidade João Rodrigo Stinghen 23 de julho de 2025, 19h37 Com efeito. o objetivo de facilitar o acesso aos dados de procurações e escrituras é facilitar a busca patrimonial em face de credores inadimplentes. Por um lado,...