Como adequar os contratos empresariais à reforma tributária

Como adequar os contratos empresariais à reforma tributária

Helio Ferreira Moraes e Ricardo Hiroshi Akamine

A reforma tributária redefine contratos empresariais, exige adaptação ao split payment e impõe revisão de riscos, preços e modelos de negócios até 2033.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025
Atualizado em 19 de setembro de 2025 15:14

A transformação na lógica contratual

Muito mais do que apenas simplificar o sistema tributário, a reforma tributária sobre o consumo, com a instituição do IBS e da CBS e a adoção de uma não-cumulatividade mais ampla, tem o potencial de modificar toda a lógica contratual das últimas décadas no Brasil. Vivemos em um sistema esdrúxulo, que por vezes determina a adoção de arranjos contratuais ilógicos para mitigar os ônus tributários. A mudança, que já inicia em 2026, redefine a relação entre preço e custo e, também, entre pagamento e apropriação de crédito ao longo das cadeias.

As empresas precisarão adaptar seus contratos, considerando que a apropriação de créditos tributários passa a ser, como regra, condicionada à extinção do débito do fornecedor, ou seja, precisará redefinir suas matrizes de risco e governança nas relações com plataformas e arranjos de pagamento, por exemplo. Além disso, é preciso entender que não basta uma solução única, pois o processo se inicia em 2026 e passa por uma longa transição até 2033, na qual existirá a convivência, por um período, com tributos que serão substituídos gradualmente, o que implica que os contratos de longo prazo precisam especificar melhor as cláusulas de impacto tributário.

Esse novo desenho de tributação exige revisões consistentes dos contratos empresariais em pelo menos 03 (três) frentes: (i) a escolha e a configuração de modelos de negócios; (ii) o modo de repassar impactos ao preço sem perder de vista o efeito do creditamento do cliente; e (iii) a incorporação, desde já, das obrigações operacionais relacionadas ao split payment e à vinculação dos créditos ao pagamento.

Os novos modelos de negócios não-cumulativos

O ponto mais transformador da reforma tributária para decisões empresariais é a ampliação concreta da não-cumulatividade. A migração dos créditos para uma natureza eminentemente financeira, reduz a fricção fiscal que tradicionalmente inclinava a balança contra as estruturas com múltiplas etapas e diversas subcontratações. Ocorre que, no sistema atual, as empresas que operam integrando múltiplos fornecedores em várias camadas de serviços precisavam fazer uma verdadeira engenharia fiscal nos seus contratos e faturamentos, o que trazia uma grande ineficiência para suas operações.

Na prática, em termos econômicos, as operações verticalizadas na cadeia de agregação de valor perdem tração, ou seja, a famosa decisão "fazer dentro de casa" versus "contratar de terceiros" tende a se tornar mais neutra. Isso abre espaço para que empresas redesenhem suas cadeias de valor com maior liberdade por meio de: especialização de etapas, contratação de BPOs, facilities, manufatura por encomenda e organização por plataformas. Assim, os modelos de terceirização e até de quarteirização, deixam de carregar, por si, um "pênalti fiscal" cumulativo ao transitar por vários prestadores, podendo ser um grande indutor de eficiência na mudança nos negócios no Brasil.

Obviamente, a análise das alterações de modelo de negócios deve também considerar as implicações de responsabilidade contratual ao longo da cadeia de fornecimento, especialmente quando houver relação com consumidores finais, com reflexos perante o direito do consumidor. Isso porque, quem coordena múltiplos prestadores de serviços pode passar a responder por falhas de integração que sejam decorrentes de terceiros.

Em relações B2C, a pulverização de agentes pode gerar pontos de contato confusos, com riscos de falhas informacionais, publicidade inconsistente ou dificuldades de atendimento, que acabam repercutindo na alocação de responsabilidades e na necessidade de cláusulas claras de regressos e indenizações. Portanto, ao reestruturar os modelos de negócios, as empresas precisam também mapear, desde a proposta comercial, quais obrigações cada elo assume, inclusive em relação ao fluxo de pagamento.

Assim, a oportunidade da neutralidade tributária ampliada trazida pela reforma tributária deve vir acompanhada de um reforço contratual nas obrigações documentais e tecnológicas do fornecedor, na subordinação de prazos de pagamento à emissão correta do documento fiscal e à possibilidade de vinculação ao instrumento de pagamento, bem como na criação de canais de informação que permitam ao adquirente apropriar seus créditos sem sobressaltos.

Possível aumento nominal de preço com redução do custo efetivo

Considerando que a implantação dos novos tributos será gradual, os contratos devem prever, com suficiente detalhamento, como os impactos tributários serão refletidos no preço ao longo do tempo, pois são 8 (oito) anos de transição em que o modelo tributário muda ano a ano, requerendo mecanismos que ajustem essa situação nos contratos de mais longo prazo. Um aumento nominal de preço do fornecedor não implica, necessariamente, em aumento do custo efetivo do cliente contribuinte nesse modelo não-cumulativo. Essa será uma mudança de paradigma de dificil compreensão e exigirá novos tipos de avaliação do binômio custo-preço.

Com a ampliação do creditamento, sobretudo em cadeias de serviços, o adquirente pode experimentar uma redução líquida de custos e despesas, mesmo quando houver aumento de preço. Assim, uma possível solução para equilibrar essa questão será abandonar fórmulas genéricas nos contratos e adotar uma cláusula de neutralidade tributária com metodologia explícita. O contrato poderia, por exemplo, prever que alterações na carga do IBS/CBS e no Imposto Seletivo, para mais ou para menos, serão refletidas no preço, mas mediante um cálculo que isole o componente efetivamente não recuperável pelo adquirente, considerando os créditos que fará jus. Essa metodologia poderia combinar um incremento no preço balanceado com o eventual benefício de crédito do cliente.

Esse novo sistema tributário ainda não está completo, podendo advir outros marcos regulatórios e operacionais, tais como a entrada ou a expansão do split payment, a alteração de alíquotas de referência e mudanças no cronograma de transição, o que demanda a incorporação de mecanismos de reequilíbrio, acionados por esses eventos, especialmente nos contratos de longa duração. Tais eventos funcionam como gatilhos contratuais para revisar preço e, se necessário, escopo, com efeito prospectivo e com critérios de transparência na formação do novo preço.

Além disso, a matriz de risco também deve ser ajustada, pois glosas de crédito causadas por erro fiscal do fornecedor como destaque incorreto, falha de escrituração ou inconsistências que inviabilizem a vinculação, deveriam ser suportadas pelo próprio fornecedor. Por outro lado, o não aproveitamento de crédito decorrente de circunstâncias do adquirente, por exemplo estar em regime que vede a apropriação ou atuar em operação imune, não caberiam ao fornecedor devendo ser absorvido elo próprio adquirente.

Por fim, o calendário de transição merece espaço expresso no corpo do contrato ou em anexo, com referências a datas de início de incidência plena e de extinção dos tributos substituídos, prevendo-se gatilhos anuais de renegociação para acomodar mudanças graduais de alíquota e de base.

O split payment e a vinculação dos créditos nos contratos

O split payment é uma figura nova que promove a segregação e o recolhimento do IBS e da CBS no próprio fluxo de liquidação do pagamento. Esse mecanismo vincula a operação comercial, o documento fiscal e o trânsito financeiro do tributo, com implicações diretas para sistemas, rotinas e responsabilidades. A adaptação a esse novo sistema tende a não ser uniforme entre as empresas, por isso será importante incluir uma cláusula de adesão e conformidade, pela qual as partes se obrigam a manter seus sistemas aptos a transmitir e receber as informações exigidas nos documentos fiscais, a compatibilizar os meios de pagamento utilizados com a segregação do imposto e a cooperar para a reconciliação entre nota, pagamento e recolhimento.

Vale lembrar que nem todos os instrumentos de pagamento permitirão a segregação automática do imposto; nessa hipótese, o recolhimento deverá ser realizado pelo adquirente. Portanto, os contratos devem antecipar essas possíveis variações, estabelecendo quem realizará o recolhimento em nome de quem, em que prazos, de que maneira se dará a prestação de contas e qual será o procedimento para comprovação e para correção de eventuais diferenças. Também precisarão disciplinar estornos, cancelamentos, devoluções e adiantamentos, alinhando o tratamento econômico entre as partes ao tratamento fiscal do crédito e do débito. Por exemplo, se um evento posterior reduzir a base tributável e gerar estorno do débito, o contrato precisará prever o ajuste econômico entre as partes para espelhar o ajuste fiscal.

Vale notar que, ainda que a segregação promovida pelo split payment seja operacionalizada por intermediários, a responsabilidade tributária primária continua sendo do sujeito passivo definido em lei, ou seja, as partes precisam definir em contrato a responsabilidade pelos riscos por diferenças de recolhimento, por indisponibilidade temporária da infraestrutura de pagamento e por inconsistências de dados, sempre com regras claras de correção, de atualização de valores e de responsabilização proporcional ao elo que deu causa ao problema.

Portanto o cuidado das empresas deve transcender ao binômio preço-pagamento, pois a reforma tributária traz para o centro dos contratos um trinômio de controle, baseado em uma nota fiscal idônea, liquidação compatível com split e a prova de extinção do débito, sendo que o balanceamento de responsabilidade por esses três elementos precisa estar devidamente regulado nos contratos.

Como preparar seus contratos para a reforma tributária

A ampliação da não-cumulatividade do IBS e da CBS confere maior liberdade para redesenhar cadeias de fornecimento e prestação de serviços, tornando alternativas como terceirização e quarteirização economicamente mais viáveis do que no regime anterior. Essa liberdade exige processos, documentação e integração tecnológica adequadas para que o benefício do crédito se realize, o que impõe reforço de obrigações contratuais e de mecanismos de compliance ao longo da cadeia, inclusive com atenção às responsabilidades perante consumidores quando o modelo escolhido pulveriza a execução.

As regras contratuais de preço devem se pautar pela neutralidade metodológica, repassando os impactos, mas calculando o que é efetivamente não recuperável pelo adquirente, sob pena de duplicidades e desequilíbrios. E, no plano operacional, os contratos precisam se encaixar nos trilhos do split payment e do recolhimento pelo adquirente, vinculando faturamento, pagamento e imposto com previsões para exceções, estornos e reconciliações.

Assim, a reforma tributária poderá representar a criação de oportunidades interessantes de remodelação de negócios e mesmo de reajustes de preços, mas as empresas que ainda não começaram, precisam imediatamente iniciar a análise de impactos operacionais, financeiros e contratuais para navegarem tranquilamente nos próximos anos de transição.

Helio Ferreira Moraes
Coordenador da Comissão de Tecnologia do CCBC. Sócio do PK - Pinhão & Koiffman Advogados.

Ricardo Hiroshi Akamine
Sócio responsável pela área tributária do escritório Pinhão e Koiffman Advogados.

Fonte: Migalhas

___________________________

Realize o registro pela internet através dos canais eletrônicos do CARTÓRIO MASSOTE BETIM:

Notícias

A renúncia à herança e seus efeitos no processo sucessório

A renúncia à herança e seus efeitos no processo sucessório Pedro Henrique Paffili Izá O STJ reafirma que renúncia ou aceitação de herança é irrevogável, protegendo segurança jurídica e limites da sobrepartilha. quinta-feira, 25 de setembro de 2025 Atualizado às 07:38 No recente julgamento do REsp...

Idosa de 76 anos obtém divórcio judicial para oficializar novo casamento

Idosa de 76 anos obtém divórcio judicial para oficializar novo casamento 23/09/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do DPE-TO) No Tocantins, uma idosa de 76 anos conseguiu formalizar o divórcio de um casamento que havia se dissolvido na prática há mais de duas décadas. A...

Valor Econômico: Volume de inventários digitais cresce no país

Valor Econômico: Volume de inventários digitais cresce no país Entre 2020 e 2024, número de procedimentos cresceu 49,7%, segundo o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal O volume de famílias que têm resolvido a partilha de bens de forma extrajudicial vem aumentando desde 2020, quando foi...

Ex-cônjuge não sócio tem direito a lucros distribuídos depois da separação

Ex é para sempre Ex-cônjuge não sócio tem direito a lucros distribuídos depois da separação Danilo Vital 22 de setembro de 2025, 19h18 “Enquanto os haveres não forem efetivamente pagos ao ex-cônjuge, permanece seu direito de crédito em face da sociedade, que deve incidir também sobre os lucros e...

Imóvel de família é impenhorável mesmo que incluído em ação de inventário

Bem intocável Imóvel de família é impenhorável mesmo que incluído em ação de inventário Danilo Vital 18 de setembro de 2025, 17h50 “Na hipótese em que o bem imóvel for qualificado como bem de família, ainda que esteja incluído em ação de inventário, deve ser assegurada a sua impenhorabilidade no...