Despejo extrajudicial e consignação de chaves: O que propõe o PL 3.999/20?

Despejo extrajudicial e consignação de chaves: O que propõe o PL 3.999/20?

Elisa Junqueira Figueiredo e Victória Soranz

PL 3.999/20 propõe despejo e entrega de chaves extrajudiciais, buscando agilizar conflitos locatícios e reduzir custos, mas gera críticas por fragilizar locatários.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025
Atualizado em 13 de agosto de 2025 10:22

A necessidade de soluções mais céleres e menos burocráticas para conflitos comerciais tem pautado discussões legislativas voltadas à modernização do tratamento das relações contratuais, inclusive locatícias. Nesse contexto, o PL 3.999/201, recentemente aprovado pela CCJ - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, propõe duas inovações relevantes: a possibilidade de despejo extrajudicial por inadimplemento e a consignação extrajudicial das chaves pelo locatário.

Enquanto a lei 8.245/19912, também conhecida como lei de locações, exige a propositura de ação judicial para a retomada do imóvel locado em caso de inadimplemento, o projeto visa a oferecer uma alternativa mais célere e menos onerosa para resolução do impasse. Segundo o texto proposto, o locador, ou seu procurador, representado por advogado, deverá solicitar aos serviços notariais ou de registro a notificação do locatário para desocupar voluntariamente o imóvel ou purgar a mora no prazo de 15 dias corridos, sob pena de desocupação compulsória.

A referida notificação deverá ser feita preferencialmente por meio eletrônico, quando assim convencionado, sendo, contudo, obrigatoriamente presencial quando não houver convenção nesse sentido ou quando não surtir efeitos no prazo de 10 dias. Outras modalidades de notificação também serão admitidas, desde que atendidos os requisitos legais.

Importante destacar que, nos casos em que a notificação pessoal se der em condomínio edilício, loteamento ou demais locais com controle de acesso que impeça a entrada do notificador, esta será considerada válida se for entregue a funcionário da portaria ou ao responsável pelo recebimento de correspondências, desde que tenham transcorrido, no mínimo, 5 dias úteis do envio de carta ou mensagem eletrônica solicitando o comparecimento do destinatário à serventia.

Cabe destacar que a contagem do prazo de 15 dias para desocupação voluntária ou purgação da mora inicia-se a partir do recebimento da notificação ou do atestado do oficial competente quanto ao seu recebimento por parte do locatário.

A partir disso, caso o locatário opte pela desocupação voluntária, deverá formalizá-la por meio de declaração e entrega das chaves ao serviço notarial ou de registro, que a certificará e notificará o locador, entregando-lhe as chaves. Nesse caso, o locador poderá retomar imediatamente a posse direta do imóvel, sem prejuízo da cobrança dos valores pendentes pelas vias próprias, tais como: aluguéis e acessórios da locação, como IPTU, contas de consumo (água, luz), juros de mora, multas contratuais e indenizações por eventuais danos ao imóvel, inclusive os decorrentes de alterações, benfeitorias ou acessões não autorizadas ou não retiradas.

Ainda, o locatário poderá, no mesmo prazo concedido na notificação, provocar o juiz competente para o despejo, para que aprecie eventual irregularidade no procedimento ou excesso nos valores apresentados pela planilha do locador. Embora o texto legal não assegure expressamente a permanência no imóvel até o julgamento do pedido, é possível que o locatário requeira, no próprio pedido, medida liminar, a fim de evitar a desocupação forçada antes da decisão judicial. De todo modo, deverá comprovar nos autos o pagamento do valor incontroverso diretamente na conta do locador, condição indispensável para o processamento da demanda.

Transcorrido o prazo da notificação sem a desocupação voluntária do imóvel nem a purgação da mora ou tendo havido pagamento apenas parcial do débito, o locador poderá requerer ao juiz competente o despejo compulsório do locatário, hipótese em que a ordem de desocupação será concedida em caráter liminar, antes da citação do locatário e sem a sua oitiva, expedindo-se mandado único (citação e despejo) para cumprimento em 15 dias da intimação e do despejo coercitivo, independentemente de o contrato estar provido de quaisquer modalidades de garantias.

A possibilidade de desejo liminar, mesmo que haja garantia prevista no contrato de locação, é uma grande inovação e vantagem em favor do locador, frente a locatário inadimplente.

Mas sempre há dois lados de uma mesma moeda. Também há críticas ao projeto, em especial quanto à possibilidade de desequilíbrio na relação contratual. A preocupação é que, ao permitir a desocupação extrajudicial sem a intervenção prévia do Poder Judiciário, a posição dos locatários pode ficar fragilizada, especialmente daqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica, que correm o risco de serem compelidos à desocupação sem garantias mínimas de defesa e negociação.

De qualquer maneira, a vigência da nova lei dependerá não apenas de sua eventual aprovação pelo Congresso Nacional e posterior sanção presidencial, mas, sobretudo, de uma interpretação responsável, que assegure a proteção dos direitos fundamentais e o equilíbrio entre as partes em meio a sua aplicação prática.

É inegável que a proposta representa uma vantagem expressiva para o instituto da locação, ao oferecer um meio mais célere e eficiente para a retomada de imóveis diante da inadimplência, o que também contribui significativamente para o dinamismo e a segurança jurídica do mercado imobiliário como um todo. A desjudicialização do procedimento, ao desafogar o Judiciário e acelerar a resolução de conflitos locatícios, atende a uma demanda recorrente dos proprietários e investidores do setor.

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1 PL 3999/20. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2258980

2 Lei 8.245/91. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm

Elisa Junqueira Figueiredo
Sócia do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

Victória Soranz
Advogada na Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

Fonte: Migalhas

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