Entrevista: Renúncia de alimentos

Entrevista: Renúncia de alimentos


O Superior Tribunal de Justiça divulgou na última terça-feira (26) acórdão negando provimento ao recurso especial interposto por uma mulher com o objetivo de receber alimentos do ex-companheiro, mesmo tendo renunciado a pensão quando da dissolução da união estável.


Segundo o texto do acórdão a mulher renunciou, expressamente e em caráter irrevogável, aos alimentos. No entanto, mesmo com a renúncia da ex, o ex-companheiro começou a pagar alimentos mensalmente e em janeiro de 2004 o ex-companheiro deixou de prestar-lhe esse valor mensal. A mulher ingressou com a ação de alimentos provisórios que vieram a ser fixados no valor de R$ 17.000,00 mensais e posteriormente reconsiderados. A renúncia a alimentos gera divergências jurisprudenciais e doutrinárias, o advogado Luiz Edson Fachin, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), comentou a decisão.

 

NA OPINIÃO DO SENHOR, A RENÚNCIA A ALIMENTOS É VÁLIDA?

 

R.: A validade não é o cerne da questão. Para responder a pergunta, é possível dizer que sim, a renúncia, em tese, pode ser compreendida como válida. O cerne da questão não está no plano da validade e sim no campo da eficácia. Em determinados casos, objetivamente considerados à luz das circunstâncias concretas (por exemplo, necessidade vital posterior à renúncia), é possível estabelecer, com base no ordenamento jurídico brasileiro, limites à projeção eficacial de uma renúncia válida. A renúncia, então, pode ser válida, mas deixar de produzir seus efeitos, no todo ou em parte, diante de fatos objetivamente comprováveis, daí porque incide em equívoco a decisão que impede o processamento de ação de alimentos, pois somente na instrução probatória é que tais fatos serão (ou não) comprovados.

 

POR QUE EXISTEM DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS E ATÉ DOUTRINÁRIA QUANTO A RENÚNCIA A ALIMENTOS?

 

R.: Duas são as razões fundamentais, em meu ver. Em primeiro lugar, porque as percepções teóricas e práticas sobre validade e eficácia da renúncia são deficientes. Tais conceitos aparecem confundidos no entremeio de falta de nitidez e de precisão. Em segundo lugar, porque as mutações plurais na ambiência do Direito das famílias tem sido captadas apenas parcialmente até o momento pelo Poder Judiciário brasileiro; neste sentido, como a igualdade não afasta o reconhecimento das diferenças, impende ainda construir, nomeadamente nas questões de gênero, sentidos próprios de alimentos, renúncia, liberdade e responsabilidade. Em outras palavras: a hermenêutica voluntarista que chancela a plena validade e eficácia da renúncia a alimentos como se fosse um valor por si só, sem se atentar para o caso concreto, não raro vai de encontro à situação fática da mulher.

 

NESSE CASO ESPECÍFICO, MESMO COM A RENÚNCIA A ALIMENTOS, O EX-COMPANHEIRO CONTINUOU PAGANDO ALIMENTOS. COMO FICA O VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM (VEDADO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO)?

 

R.: O comportamento concludente tem valor constitutivo de situações jurídicas. No choque entre a previsão em abstrato de um dever jurídico ou de um direito subjetivo e o comportamento concreto das partes, será este (o comportamento) juridicamente valorado para se sobrepor àquele. Portanto, há certa forma desupressio diante do comportamento em pauta. Logo, o ex-companheiro que paga alimentos, após a renúncia, assume objetivamente a posição de devedor, ao contrário do que foi acolhida pelo voto majoritário no acórdão em pauta.

 

A MINISTRA RELATORA, EM VOTO VENCIDO, CONSIDEROU QUE SERIA POSSÍVEL, AO MENOS EM PRINCÍPIO, PONDERAR QUE ESSE DEVER, ORIGINARIAMENTE NÃO PREVISTO NO ACORDO DE DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL, TENHA SIDO GERADO NUM AMBIENTE DE BOA-FÉ OBJETIVA PÓS-CONTRATUAL. O SENHOR CONCORDA QUE NESTE CASO PODERIA SER INVOCADO O PRINCÍPIO DA BOA -FÉ?

R.: Sim, sem dúvida. Com inteira razão a Ministra relatora, ainda que vencida no julgamento colegiado em pauta. Há, inequivocamente, uma projeção eficacial pós-pacto da relação jurídica, e nessa ambiência de pós-contratualidade incide a boa-fé objetiva que emerge de cumprimento de pensionamento alimentar. É uma erronia cogitar-se de mera liberalidade em tal hipótese, pois se trata de um comportamento que gera dever jurídico e infirma o sentido da renúncia anterior.

 

ENTENDENDO QUE OS ALIMENTOS PROVISÓRIOS/ COMPENSATÓRIOS DEVEM LEVAR EM CONTA O BINÔMIO “NECESSIDADE E POSSIBILIDADE”, NESTE CASO, NÃO GERA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR, COMO AFIRMOU O MINISTRO MASSAMI UYEDA (APOSENTADO), EM SEU VOTO?

 

R.: Com o devido respeito, o posicionamento majoritário não encontra abrigo no ordenamento jurídico brasileiro, tanto à luz do Código Civil (quer do vigente, quer do anterior, de 1916), quanto sob os princípios constitucionais normativos. A renúncia, por si só, não é prova de ausência de necessidade. Este elemento somente pode ser inferido à luz do caso concreto, e na hipótese, dever-se-ia possibilitar o prosseguimento da demanda para o fim de apurar tal circunstância na instrução probatória.

Acesse a decisão na íntegra.

 

 

 


Fonte: Ibdfam

 

Publicado em 02/04/2013

Extraído de Recivil

Notícias

TRU: possível acumular seguro desemprego e pensão alimentícia

05/03/2013 - 18:23 | Fonte: JFSC TRU: possível acumular seguro desemprego e pensão alimentícia O Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou, em sessão realizada na última semana, sentença de primeiro grau que declarou a legalidade do recebimento conjunto de seguro-desemprego e pensão...

Pela 1ª vez em SP, nome de natimorto é registrado em certidão

Pela 1ª vez em SP, nome de natimorto é registrado em certidão Nova norma em vigor desde a semana passada garantiu registro; documento anterior mostrava apenas o nome dos pais e a data do óbito. Registro de natimorto agora passa a permitir nome da criança. Nova norma entrou em vigor na semana...

Jovem ganha na Justiça direito de incluir 2 pais no RG

Jovem ganha na Justiça direito de incluir 2 pais no RG Um adolescente, morador de Cascavel (PR), conseguiu na Justiça o direito de acrescentar ao seu documento oficial (RG), o nome do pai afetivo ao lado do nome do pai biológico. A decisão foi publicada no dia 20 de fevereiro pelo juiz de direito e...

TST aceita ação ajuizada na comarca em que trabalhador passou a residir

TST aceita ação ajuizada na comarca em que trabalhador passou a residir (01.03.13) A 8ª Turma do TST deu provimento ao recurso de revista de um empregado da empresa Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A para confirmar a competência da Vara Trabalhista de Carmópolis (SE) - comarca de residência...